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Escravos muçulmanos protagonizaram, na Bahia, revolta que apavorou a "boa sociedade". Templo maometano no Senegal. In: L'Afrique, ou Histoire, Moeus, Usages et Coutumes des Africains: le Sénégal, de René Villeneuve, 1814. Domínio público

O agravamento da situação econômica e o anseio das camadas popular e média por uma maior participação política vão gerar revoltas em vários pontos do país, sempre esmagadas com rigor pelas forças governistas. Segundo Feijó, era preciso conter "o vulcão da anarquia que ameaçava devorar o império".

Durante as primeiras décadas do século XIX, várias rebeliões de escravos explodiram na província da Bahia. A mais importante delas foi a dos Malês, uma rebelião de caráter racial contra a escravidão e a imposição da religião católica, que ocorreu em Salvador, em janeiro de 1835. Nessa época, a cidade de Salvador tinha cerca de metade de sua população composta por negros escravos ou libertos das mais variadas culturas e procedências africanas, entre as quais a islâmica, como os haussas e os nagôs.

Foram eles que protagonizaram a rebelião, conhecida como dos "malê", pois este termo designava os negros muçulmanos, que sabiam ler e escrever o árabe. Sendo a maioria deles composta por negros de ganho, tinham mais liberdade que os negros das fazendas, podendo circular por toda a cidade com certa facilidade, embora tratados com desprezo e violência. Alguns, economizando a pequena parte dos ganhos que seus donos lhes deixavam, conseguiam comprar a alforria.

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Fragmento de manuscrito em árabe encontrado em poder de Preto Antônio. Uso amparado pela Lei 9610, Arquivo Público do Estado da Bahia

Em janeiro de 1835, um grupo de cerca de 1.500 negros liderados pelos muçulmanos Manuel Calafate, Aprígio, Pai Inácio, entre outros, armou uma conspiração com o objetivo de libertar seus companheiros islâmicos e matar brancos e mulatos considerados traidores, marcada para estourar no dia 25 daquele mesmo mês. Arrecadaram dinheiro para comprar armas e redigiram planos em árabe, mas foram denunciados por uma negra ao juiz de paz. Conseguiram, ainda assim, atacar o quartel que controlava a cidade, mas, devido à inferioridade numérica e de armamentos, acabaram massacrados pelas tropas da Guarda Nacional, pela polícia e por civis armados que estavam apavorados ante a possibilidade do sucesso da rebelião negra.

No confronto morreram sete integrantes das tropas oficiais e 70 do lado dos negros. Duzentos escravos foram levados aos tribunais. Suas condenações variaram entre a pena de morte, os trabalhos forçados, o degredo e os açoites, mas todos foram barbaramente torturados, alguns até a morte. Mais de 500 africanos foram expulsos do Brasil e levados de volta à África. Apesar de massacrada, a Revolta dos Malês serviu para demonstrar às autoridades e às elites o potencial de contestação e rebelião que envolvia a manutenção do regime escravocrata, ameaça que esteve sempre presente durante todo o Período Regencial e se estendeu pelo governo pessoal de D. Pedro II.