O badalar dos sinos indicava a hora e chamava a população do Rio de Janeiro para a missa e para a reza. Esse era o som que se ouvia pela cidade afora durante todo o tempo. Logo de madrugada, o sino despertava a população, lembrando as orações matinais, e silenciava em torno das 18h, para que o serviço dos escravos cessasse e fossem acesas as velas e os recipientes de azeite que iluminariam a noite. Por vezes, o Excelentíssimo Senhor Vice-Rei honrava a população com a sua presença, caminhando pela cidade, com toda a pompa que a função lhe conferia, na direção dos templos religiosos.

Outros habitantes do Rio de Janeiro circulavam pelas ruas estreitas e movimentadas do Centro, seguindo os religiosos nas frequentes procissões. Os padres eram responsáveis por cerimônias como o batismo, o casamento, a absolvição dos pecados confessados e a extrema-unção. Falava-se, naqueles tempos, em corrupção de alguns representantes da Igreja de Roma, nem sempre preparados para tais funções. Inúmeros estrangeiros que chegavam à capital do vice-reinado ficavam escandalizados com o fato. Corria de boca em boca, o verso em rimas ácidas, citado pelo historiador Pedro Calmon:

“Se fores para o céu,
Bem irás;
Se fores para o inferno,
Lá ficarás.
Pelo sim ou pelo não,
A pataca e a vela
C’á p’rá mão”.

O movimento do entra e sai nas dezenas de igrejas era constante. Ninguém ia à rua sem entrar na nave de um templo, ora para fazer uma prece, ora para benzer-se. Inúmeras promessas aconteciam, buscando a cura das doenças por intercessão celestial quando, basicamente, a questão estava ligada à ausência de saneamento urbano.

Mais incomum, porém, seria encontrar senhoras e senhoritas ao ar livre, pois apenas nos anos finais do século XVIII elas começaram a aparecer nos logradouros públicos, e, assim mesmo, no interior das suas conduções, protegidas por cortinas e rendas; mantinham-se reclusas nas funções domésticas.

O português, mesmo sem ser a maioria da população, era o senhor do comércio na cidade. A loja passava de pai para filho como herança, ou, no máximo, para outro conterrâneo. Para cada reinol, calculavam-se dez negros, três mulatos e três caboclos. Porém, essa situação não significava poder a menos. Colonizadores, responsáveis diretos pela imposição da língua, da religião e dos costumes, os portugueses, quando vinham para as terras americanas, trabalhavam incansavelmente, acumulando recursos. Alguns mais, outros menos. Esse senhor do comércio do varejo, registra o escritor Luiz Edmundo, “é baixo, forte e atarracado” e não se acovardava quando, provocado, ouvia os gritos do temido mulato capoeira, que o afrontava, gritando em desafio: Marinheiro! Algumas vezes, a situação assumia proporções funestas. Contudo, a vida na cidade não parava.

Nos caminhos que levavam às capelas, ou pelos becos, encontravam-se os despossuídos: pedintes e mendigos, quase todos negros, doentes, aleijados, deixados à própria sorte. Misturavam-se aos demais desprotegidos personagens das camadas carentes da população: imigrantes, soldados expulsos das tropas, camponeses pobres e crianças abandonadas.

Quando anoitecia, a cidade silenciava e os que circulavam desapareciam antes que “a noite role do alto e desça apressada e escura para forrar a cidade de sombra (...) e de mistério”, segundo observa o escritor Luiz Edmundo.