REVOLTA DA VACINA T
A charge da revista O Malho, de 29 de outubro de 1904, parecia prever a revolta que se instalaria na cidade poucos dias depois: nem com um exército, o “Napoleão da Seringa e Lanceta”, como muitos se referiam a Oswaldo Cruz na época, conseguia conter a fúria da população contra a vacinação compulsória (Crédito: Leonidas/Acervo Fiocruz)

Entre os dias 10 e 18 de novembro de 1904, a cidade do Rio de Janeiro, capital federal, passou pelo que a imprensa da época nomeou como a mais terrível das revoltas populares da República. Não havia, no alvorecer do século XX, nem rádio e muito menos televisão. A imprensa possuía um papel fundamental na divulgação das notícias e o fazia de forma apaixonada, concordando ou discordando. As páginas de jornais circulavam nas mãos dos que sabiam ler e que divulgavam as notícias para os iletrados, nas esquinas e nos cafés.

Em meio às discussões, a revista O Malho, fundada em 1902, chegou a publicar no editorial de 2 de julho de 1904 uma recomendação que dizia: “Esta República precisa é de vacina, incluindo as de ouro e ... juízo”. Os motivos diretos da revolta foram a lei que tornava obrigatória a vacinação contra a varíola e seu protagonista, o médico sanitarista Oswaldo Gonçalves Cruz (1872-1917).

A grita generalizada, contestando a obrigatoriedade, alcançou diversos setores da sociedade carioca. Muitos, como os positivistas, protestavam, alegando ser um completo absurdo a vacinação compulsória, que ia contra seus conceitos de liberdade individual. Outros demonstravam a insatisfação com os rumos assumidos pela administração do Distrito Federal, que expulsava setores da população de menor renda para áreas distantes da cidade.

Segundo a historiadora Mary Del Priore, a população carioca levantava a “bandeira contra a modernidade imposta de cima para baixo” quando, em 1904, tantos protestos resultaram no levante que tomou conta da capital republicana. Bairros portuários como os da Gamboa, Santo Cristo e Saúde cobriram-se de trincheiras. Houve confusão e quebra-quebra também no centro do Rio de Janeiro. O cenário após os tumultos era desolador: bondes tombados, trilhos arrancados, calçamentos e postes de iluminação destruídos. Eram cenas da chamada Revolta da Vacina, que resultaram, além das perdas materiais, em 23 mortos e 90 feridos.

Os presos foram sumariamente enviados ao atual estado do Acre, nos porões de navios da Companhia de Navegação Lloyd Brasileiro. Para a historiadora Armelle Enders, a revolta “evidencia a resistência popular contra a intervenção dos agentes do Estado em seus lares (...) e comprova tensões ocasionadas por um crescimento demográfico que o tecido urbano não consegue absorver”.

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Bonde virado na Praça da República, durante a Revolta da Vacina (Crédito: Revista da Semana, edição de 27 de novembro de 1904)

Inegavelmente, o trabalho sanitarista de Oswaldo Cruz foi especialmente eficiente, agindo contra as epidemias. Em 1894, no auge de um surto de febre amarela, aproximadamente cinco mil pessoas morreram. Dez anos depois, com as ações promovidas pela Prefeitura do Distrito Federal, os números foram reduzidos drasticamente. As rimas populares, citadas pelo historiador Pedro Calmon, relatavam:

”Ficou em estado de sítio
A Capital Federal,
Com espaço de trinta dias
O medo era geral!
Com a prisão dos revoltosos
Voltou a paz afinal”.