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João de Deus, Luís Gonzaga, Lucas Dantas e Manoel Faustino, mártires da Revolta dos Búzios
12 Agosto 2022 | Por Pedro Soares
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João de Deus, Luiz Gonzaga, Lucas Dantas e Manoel Faustino, mártires da Revolta dos Búzios. Ilustração: Governo do Estado da Bahia. Biblioteca Virtual Consuelo Pondé.
Ilustração: Governo do Estado da Bahia. Biblioteca Virtual Consuelo Pondé. Link: http://www.bvconsueloponde.ba.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=222

Nos engenhos da Bahia do final do século XVIII, a sociedade era visivelmente dividida pela cor da pele. Em geral, os brancos eram proprietários e administradores, os negros eram escravos, em sua maioria trabalhando nos campos, e havia um setor intermediário de mestiços, trabalhadores especializados em manufaturas, como artesãos, marceneiros, ferreiros e alfaiates.

Mestre de alfaiataria, negro de pele clara de média estatura, João de Deus Nascimento era natural da antiga Vila de Cachoeira, no Recôncavo baiano. Filho de pai branco e mãe negra alforriada, se mudou para a Cidade da Bahia, atual Salvador, em 1790, onde conheceu Luiza Francisca de Araújo, que se tornaria sua esposa. Assim como os demais alfaiates, João de Deus não tinha poder material, mas carregava uma importância simbólica e cultural por costurar para militares e para a elite, além de ensinar seu ofício a jovens aprendizes, forros, escravos, e até filhos de brancos.

Em 1797, Salvador sofria com as cargas tributárias e a escassez de alimentos, e via sua população cada vez mais precarizada. Saques e distúrbios sociais eram presenciados nas ruas. Os ideais do Iluminismo, de liberdade, igualdade e fraternidade, que chegavam da França, e a notícia da Independência dos Estados Unidos mobilizavam grupos emancipatórios. Diferentemente da Conjuração Mineira, que tinha os mesmos ideais franceses, a Revolta dos Búzios (também conhecida como Revolta dos Alfaiates ou Conjuração Baiana) contava com o apoio de pequenos comerciantes, soldados, artesãos, alfaiates, negros libertos e afrodescendentes que amarravam búzios em suas pulseiras para identificarem a mesma origem ancestral africana e, ainda, para demonstrarem o sentimento de luta contra a escravidão.

Bandeira_Revolta dos Búzios. Autor: Tonyjeff. Wikimedia Commons. Domínio público.
Bandeira da Revolta dos Búzios. Autor: Tonyjeff. Wikimedia Commons. Domínio público.

 

Manuscritos pela liberdade, e a execução de quatro homens negros

Um dos aprendizes de alfaiataria, o especialista em ternos Manoel Faustino dos Santos Lira, jovem negro que aos 17 anos já havia comprado sua liberdade, mas ainda vivia no casario de sua feitora aristocrata, convidou João de Deus do Nascimento a aderir ao movimento emancipatório, convite reforçado por outro membro da Conjuração Baiana, Lucas Dantas do Amorim Torres, negro, soldado do Regimento de Artilharia, filho de alfaiate e marceneiro nas horas vagas.

Nas noites de luar, João de Deus saía escondido das autoridades para as reuniões separatistas (um dos objetivos da Revolta dos Búzios era a Independência da Bahia), e também para se encontrar com outra revolucionária, Ana Romana, costureira pela qual nutriu um conturbado caso extraconjugal.

Em 12 de agosto de 1798, manuscritos foram encontrados colados em locais públicos de Salvador, anunciando a chegada de um novo tempo de liberdade, com melhores soldos aos soldados, alusões aos franceses e aos ideais republicanos, e muitas críticas ao governo monárquico lusitano. Um dos líderes da Revolta, Luís Gonzaga das Virgens, negro, com cerca de 37 anos e desertor do exército em três oportunidades (condenado mas, por vezes, indultado), foi preso e acusado de ser um dos autores dos manuscritos.

Bustos dos mártires da Revolução dos Búzios. Fotos: andrevruas Wikimedia Commons. Creative Commons
Bustos dos mártires da Revolução dos Búzios. Fotos: andrevruas Wikimedia Commons. Creative Commons

 Numa manhã de domingo, João de Deus do Nascimento costurava em sua tenda, quando foi preso sem tentar fugir, provavelmente porque não teria condições de escapar. Não teve seu nome atribuído a nenhum manuscrito, mas sim citado na devassa do ouvidor-geral responsável pela investigação. O prestígio de alfaiate foi esquecido pelos demais depoentes, nenhum quis se vincular a ele. Preso e condenado à morte pelo crime de lesa-majestade, João de Deus teve sua pena executada em 8 de novembro de 1799, na Praça da Piedade, junto a Luís Gonzaga, Lucas Dantas e Manoel Faustino. Todos enforcados e esquartejados. Desde 2011, seus bustos estão representados na mesma praça da execução, para ninguém esquecer jamais os mártires da Conjuração Baiana, também conhecida como Revolução dos Alfaiates ou dos Búzios.

Fontes:

Agenda GERER, “O Bicentenário e as Independências. Intelectualidades, vozes e movimentos”. 2º Bimestre 2022. pg. 29.

TAVARES, Luís Henrique Dias. História da Sedição Intentada na Bahia em 1798: a conspiração dos alfaiates. Pioneira Editora, 1975. 

SACRAMENTO, Flávio Márcio Cerqueira do. “De pardo infame a herói negro: o mestre alfaiate João de Deus do Nascimento”. / Flávio Márcio Cerqueira do Sacramento. – Cachoeira, 2016. Orientador: Prof. Dr. Walter da Silva Fraga Filho. Coorientador: Prof. Dr. Leandro Antônio de Almeida. Dissertação (mestrado profissional) - Programa de Pós-Graduação em História da África, da Diáspora e dos Povos Indígenas, Universidade Federal do Recôncavo da Bahia, 2016. 24-25 

TAVARES, L. H. D. O soldado Luís Gonzaga das Virgens. Estudos Avançados, [S. l.], v. 13, n. 37, p. 155-178, 1999. 

 

 
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