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Primeiros guias de viagem sobre o Rio
28 Junho 2016 | Por Sandra Machado
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Hotel situado na Tijuca, cerca de 1860 (Foto: Revert Henrique Klumb)

Quem escolhe o Rio para passar as férias provavelmente não sabe, mas a construção simbólica da Cidade Maravilhosa como destino turístico internacionalmente cobiçado começou, pelo menos, há um século e meio, com um mercado editorial divulgador das belezas locais. Na década de 1870, os primeiros guias de viagem foram publicados por livreiros e editores estrangeiros já instalados aqui e que visavam atender uma demanda real na Europa. Os grandes interesses atuais – praia, futebol e carnaval – não tinham o forte apelo cultural de hoje em dia.

Distribuição globalizada

O campeão de vendas, que abriu caminho para esse nicho, foi o conhecido Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial da Corte e da Província do Rio de Janeiro, ou, apenas, Almanak Laemmert, publicado anualmente entre 1844 e 1889 pela livraria de mesmo nome. Seus volumes traziam listagens completas com endereço de estabelecimentos comerciais, prestadores de serviço e personalidades do clero e da nobreza. Vendido de norte a sul do país, era também comercializado em capitais como Amsterdã, Buenos Aires, Berlim, Lisboa, Londres, Madri, Montevidéu e Paris, além de Nova York, Milão e Hamburgo, entre outras cidades importantes.

Após a veiculação de alguns guias de ruas da cidade, em 1873 a editora Garnier lançou o Guia do Estrangeiro no Rio de Janeiro e uma Notícia Histórica sobre os Principais Monumentos, de autoria de Félix Ferreira. Embora privilegiasse informações para os interessados em uma relação comercial, o livrete de 56 páginas, escrito em português, sem qualquer ilustração, mapa ou publicidade, destacava os aspectos aprazíveis da localidade.

Já constavam como pontos turísticos o Aqueduto da Carioca (Arcos da Lapa), o Jardim Botânico, o Passeio Público, a Biblioteca Nacional, o Mosteiro de São Bento, diversas igrejas – da Candelária, do Carmo, de São José, da Santa Cruz dos Militares – e conventos – do Carmo, da Ajuda, de Santa Teresa, de Santo Antônio. A Estátua Equestre de Dom Pedro I, que fica na Praça Tiradentes, era citada com destaque. Há também menção a um cassino, duas fábricas de cerveja e alguns teatros.

O chope berrante parodiava o café cantante, inclusive no nome. (Foto: Augusto Malta)

À medida que as relações interpessoais foram se tornando mais complexas, novos tipos de estabelecimento iam ganhando as páginas dos guias temáticos, como confeitarias, teatros de revista, cafés-concerto, cafés dançantes e chopes berrantes, nos quais artistas amadores se arriscavam a cantar as modinhas da época. O chope gelado teve uma adesão muito rápida e serviu de contraponto aos elegantes salões da alta classe, estimulando o gosto pelo entretenimento de rua. Nas casas noturnas, a música popular espontaneamente se ramificava em diferentes gêneros.

Pão de Açúcar no limbo

No século XIX, não havia acesso por terra até o atual bairro da Urca. Fosse por isso ou pela falta do teleférico – inaugurado apenas em 1912, quando a atração subiu no ranking da cidade –, a única menção ao Pão de Açúcar aparece em um guia de 1882, no qual se informa que a pedra já vinha sendo escalada desde 1817. Em compensação, o Morro do Corcovado sempre fez parte do roteiro dos viajantes. De acordo com o registro de Toussaint-Samson em 1883, em relato sobre uma visita realizada em 1850, a excursão reunia de 15 a 20 pessoas e saía às 3h da madrugada. Com a ajuda dos escravos, parte do trecho podia ser alcançada a cavalo, enquanto provisões e crianças eram transportadas em lombo de burros. O interesse crescente pela vista privilegiada levou à construção da primeira estrada de ferro eletrificada do Brasil, ainda em 1882, como uma obra de cunho eminentemente turístico.

Por essa fase, o Morro do Castelo, arrasado no início do século XX, era celebrado como um posto de observação circular privilegiado. Também chamavam a atenção os bairros mais distantes do Centro, apreciados pelo clima agradável e pela vegetação exuberante, como Cosme Velho e Tijuca – com recomendação expressa para a visitação do Alto da Boa Vista, Cascatinha, Mesa do Imperador, Vista Chinesa e destaque para os excelentes hotéis da região. Os guias relacionavam, ainda, festas religiosas, clubes esportivos e musicais ao alcance de todos, graças às linhas de bonde e aos carros de aluguel. Sociedades carnavalescas e bailes a fantasia nos teatros eram apenas mencionados, mas não propriamente recomendados aos turistas estrangeiros.

Construído em madeira, o bondinho inaugurado em 1912 era chamado de Camarote Carril e tinha capacidade para transportar apenas 17 passageiros de cada vez (Fonte: bondinho.com.br)

Publicado em língua estrangeira, como era de se esperar, o Hand Book of Rio de Janeiro, de A. J. Lamoureux, saiu com 204 páginas, em 1887, por iniciativa dos editores de um jornal de língua inglesa que existia na cidade. No ano seguinte, era lançada, em italiano, uma edição de La Província de Rio de Janeiro – Notizie all’Emigrante, de Félix Ferreira, autor do primeiro guia, em parceria com Antonio Leão. O mais antigo guia em francês é de 1904: Guide des États-Unis du Brèsil, de Olavo Bilac, Guimarães Passos e Bandeira Júnior. Nele fica expressa uma predileção pelas praças e jardins e uma referência à Avenida do Mangue, que passou a ser muito citada como importante obra de modernização da cidade, assim como a Praia de Botafogo, local das concorridas regatas de remo e referenciada como um dos lugares mais bonitos para se conhecer.

Por último, a praia e o carnaval

Nos primeiros anos do século XX, as praias mais frequentadas pelos cariocas ficavam no Centro, como a de Santa Luzia e do Boqueirão do Passeio. Nos guias de viagem para estrangeiros, Arpoador, Copacabana, Ipanema e Leblon – então chamada de Praia da Restinga do Jardim Botânico – eram normalmente indicadas apenas para a apreciação da vista. A mais antiga recomendação para o banho de mar aparece no Guia Artístico do Rio de Janeiro, do Photo Studio Huberti, lançado em 1922.

A edição bilíngue (português e inglês) destacou, também, a Avenida Rio Branco e a Rua do Ouvidor como lugares para se ver a sociedade elegante flanar. Nele aparecia o anúncio de um restaurante, no Leme, que servia banquetes, piqueniques, almoços e jantares e ficava aberto a noite inteira. Pela primeira vez, o texto insinuava a importância do carnaval – descrito como “tríduo de loucura que perturba a serenidade habitual do carioca” – na vida do Rio de Janeiro. Somente a partir do ano seguinte os guias passaram a ser ricamente ilustrados, inclusive com imagens fotográficas. Rio, um guia de viagem mais recente, escrito por Hugh Gibson e editado em 1937 em Nova York, pela Dobleday, Doran & Company, se caracterizava por um olhar que já destacava a simpatia típica do carioca.

Fonte:
PERROTTA, Isabella. A construção dos atrativos turísticos do Rio de Janeiro, a partir dos seus primeiros guias para viajantes estrangeiros. In: SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA, 26, 2011, São Paulo. Anais... São Paulo: ANPUH, jul. 2011.

 
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