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Pacto Nacional de Alfabetização na Idade Certa passa por mudanças
02 Janeiro 2017 | Por Sandra Machado
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Primeira formação na capital, em 2014 (Foto: João Braz/UFRJ)

Investir na capacitação de alfabetizadores. Essa é a principal decisão tomada pelo Ministério da Educação, a fim de incrementar o Pacto Nacional de Alfabetização na Idade Certa (Pnaic) e tentar remediar o péssimo resultado das escolas brasileiras na segunda Avaliação Nacional da Alfabetização (ANA), realizada em 2014. Além disso, um comitê gestor deverá acompanhar diretamente as ações. A mais recente edição da ANA foi realizada no período de 14 a 25 de novembro de 2016. Os diretores de escola poderão acessar uma prévia desses resultados no portal do Inep a partir de maio de 2017.

O Pacto foi estruturado sobre quatro eixos de atuação. O principal é a formação continuada de professores alfabetizadores. Eles frequentam um curso presencial com duração de dois anos, oferecido por universidades federais. O segundo eixo são os materiais didáticos e pedagógicos, como livros e jogos, disponibilizados pelo programa às escolas. Existe, também, um sistema de gestão e monitoramento chamado SisPacto, criado para acompanhar todos os atores sociais envolvidos no processo. Por fim, as avaliações sinalizam a eficácia da metodologia junto às instituições participantes e permitem corrigir as deficiências de cada localidade.

Resultados precisam melhorar

Os índices de alfabetização e letramento em Língua Portuguesa e de alfabetização em Matemática apresentados pelas crianças ao final do primeiro ciclo do Ensino Fundamental em 2014 e divulgados no ano seguinte estão bastante insuficientes. Ao fim do 3º ano, apenas 11% das crianças têm um nível adequado de leitura, com um desempenho ainda pior em escrita, de 10%. Já em Matemática, a taxa de desempenho sobe para 25%, mas, ainda assim, o índice é considerado baixo.

O Pacto se estruturou numa metodologia para formar orientadores de estudos que, por sua vez, ministraram o curso a professores alfabetizadores em seus municípios (Foto: João Braz/UFRJ)

Participam todas as escolas públicas, urbanas e rurais, que possuam pelo menos dez alunos matriculados em turmas regulares do 3º ano do Ensino Fundamental. Na ANA de 2016, a estimativa é de 2,5 milhões de crianças avaliadas. O exame foi aplicado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), em data agendada individualmente pelas escolas. O primeiro dia teve teste de leitura, com uma hora de duração, e de escrita, com meia hora; e o segundo foi reservado para um teste de Matemática, com uma hora de duração.

Palavra de quem faz

O Portal MultiRio fez uma entrevista exclusiva com Elaine Constant, que desde o início é coordenadora-geral do Pnaic no Estado do Rio de Janeiro. Elaine tem graduação em Psicologia da Aprendizagem, mestrado em Educação e doutorado em Políticas Públicas e Formação Humana pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). Atualmente, é professora adjunta na Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro, na disciplina de Avaliação do Processo de Ensino-Aprendizagem.

Portal MultiRio – Por que está tão difícil alfabetizar?

Elaine Constant – De acordo com as características locais, o que é bom para um dos polos do Pnaic não necessariamente é bom para o outro. São realidades distintas e precisamos fazer uma análise de cada região. No polo de Itaperuna, temos escolas do campo, um número menor de alunos e, portanto, turmas multisseriadas. Na Região dos Lagos, há muitos casos de alunos itinerantes, em que a família fica oscilando entre morar ali ou no Rio de Janeiro ao longo do ano letivo. Na Região Serrana, que teve uma colonização diferente, existe uma outra valorização do espaço escolar. Na cidade do Rio de Janeiro, são as escolas de massa dos grandes centros urbanos: crianças que vêm de comunidades, com mães que trabalham fora, e que ficam com a avó, outros irmãos ou conhecidos. Existem, também, famílias mais precárias, com mães analfabetas, o público é bastante heterogêneo. Alguns alunos têm grande acesso à tecnologia e a textos, mas não avançam na alfabetização. Quando a família já valoriza a leitura e também escreve, a criança entende para que isso serve. A valorização da literatura infantil é importante e tem sido, para nós, um caminho para fazer a criança se aproximar da escrita. Há crianças que decodificam as letras, mas não se tornam leitoras; é um processo apenas mecânico. Um quadro desses não gera desenvolvimento futuro para o país, uma vez que essas pessoas não se apropriam dos gêneros discursivos. Fazer uma criança decodificar um conjunto de letras é fácil: difícil é assegurar, para ela, a possibilidade de comunicação. Mais ou menos dentro da ideia de que “eu não escrevo para mim”. Ainda assim, estamos otimistas em relação aos resultados que virão. Geralmente o professor do Pnaic se comporta de uma forma diferente; ele é mais entusiasmado. Dentro das amostras pedagógicas, vemos que os professores estão criando materiais e jogos, e inventando novas didáticas.

PM – Como se estrutura o trabalho do Pnaic na UFRJ?

Elaine Constant, à frente do Pnaic no Estado do RJ (Foto: João Braz/UFRJ)

EC – Para favorecer a formação continuada, a equipe Pnaic/UFRJ constituiu um trabalho fundamentado sobre cinco eixos: a formação docente e o papel do “orientador de estudos”; as concepções de linguagem; a alfabetização e o letramento; currículo; e avaliação. Da mesma forma, foram estabelecidos princípios da formação docente para as cidades do Rio de Janeiro: diálogo entre universidade e escola; sistematização dos conhecimentos produzidos pelos e com os professores; produção do currículo; compromisso político com a escola pública; práticas docentes como espaço de produção político-emancipatória; textos culturais como recurso didático estético; e, em especial, a escuta das vozes docentes. A primeira reclamação dos professores dizia respeito a uma enxurrada de teorias apresentadas enquanto eles pensavam numa única questão: o que eu faço com a criança na escola? A questão administrativa aumentava, enquanto a pedagógica diminuía. O professor dizia para a gente o que ele não dizia para o diretor da escola. Ainda temos muito o que avançar. Nosso medo, no fim de 2015, era perder os encontros presenciais.

PM – Que mudanças já aconteceram?

EC – O Pnaic teve dois momentos. Começou em 2013, com 4 encontros anuais e duração total de 24 horas. Até 2015, o encontro de formação era presencial. A partir de 2016, passamos a ter 2 encontros anuais com 16 horas cada, além da novidade das webconferências. Mas o quantitativo maior é presencial. Faço a coordenação geral, auxiliada por duas coordenadoras adjuntas, que dialogam com supervisores, e eles coordenam os dez polos em diferentes regiões do Estado do Rio de Janeiro, a fim de atender os 92 municípios inscritos. Cada um desses polos tem um número diferente de formadores. Este ano, estamos trabalhando com 12 mil professores, enquanto no ano passado foram 20 mil – alguns municípios estão em greve, sem cadastro e sem poder pagar a diária do participante que se desloca para outra cidade. Quando o professor vai para a formação continuada, queremos também ouvi-lo, conhecer sua realidade, seus desafios e suas dificuldades de lidar com as crianças. O Pnaic surgiu como decorrência de uma demanda das universidades, dos movimentos sociais e da ONG Todos pela Educação, e tinha previsão de durar só dois anos. Qualquer professor do 1º ao 3º ano que esteja interessado pode se inscrever junto à respectiva Secretaria Municipal de Educação. Professores alfabetizadores e orientadores ganham uma bolsa de R$ 200 mensais do governo federal.

PM – O que pode melhorar na capacitação dos alfabetizadores?

EC – Nosso país tem várias orientações para a formação continuada, mas nem sempre isso ajuda o desenvolvimento profissional. Primeiro, é preciso o professor querer ser alfabetizador – alguns nos disseram que tinham vergonha. Partimos, então, para criar uma identidade do alfabetizador. Com o tempo, essas pessoas descobrem que gostam de alfabetizar, acham mágico isso. Mas é um processo longo. Não se pode aceitar com naturalidade que haja crianças com problema de leitura e escrita no 4º e no 5º ano. Quando começamos a nos debruçar sobre o ensino da Matemática, foi uma surpresa. Os professores só sabiam as quatro operações e faltava capacidade de abstração. A partir de 2015, implementamos as Rodas de Conversa com os alfabetizadores nos municípios, e eles manifestaram o desejo de mais qualificação. É grande o número de blogs de professores que estão fazendo o Pnaic. No Facebook, nosso perfil já passou de quatro mil membros. Eles usam a internet para divulgar seus trabalhos. É muito bom quando um professor se descobre como um alfabetizador em potencial. Não queremos que eles apenas repitam o que a universidade faz. O professor tem que ser autor e protagonista do próprio trabalho.

PM – Houve alguma mudança de estratégia para incrementar os resultados da ANA 2016?

EC – Começamos em 2013, com ênfase na Língua Portuguesa. No ano seguinte, acrescentamos a Matemática. Em 2015, já estávamos ensinando Estética. E no Pnaic 2016 introduzimos também o conteúdo de Arte. Além disso, não se faz formação continuada de qualquer jeito: não pode ser em qualquer lugar nem em qualquer espaço; precisa de uma sala silenciosa e confortável para poder ficar oito horas seguidas. Também enfatizamos as práticas formativas, que são as discussões, os relatos e os estudos de caso. Existe uma desqualificação da universidade como instância formadora. Durante 26 anos, fui professora da Rede Municipal de Ensino. Atuei como alfabetizadora e como coordenadora pedagógica. Entrei na UFRJ em 2011. No ano seguinte, surgiu a proposta do Pnaic e houve a demanda por alguém com experiência no assunto. Particularmente, me apaixonei pelo tema e estou aprendendo muito com o Pnaic, que ocupou um lugar político na UFRJ. A universidade também se beneficia com o programa e está criando um complexo de formação. Em outubro passado, tive algumas conversas no Ministério da Educação e sugeri a realização de um seminário nacional sobre o Pnaic. Em 2017, pretendemos criar um Observatório da Alfabetização na Faculdade de Educação oferecendo também mestrado e doutorado que se aproximem da escola básica, sem abandonar as Ciências da Educação. E também um evento de divulgação do balanço dos primeiros quatro anos do Pnaic.

PM – Quem é, hoje, o professor alfabetizador?

EC – Realizamos uma pesquisa na UFRJ em setembro de 2015, que apontou o seguinte: no estado do Rio de Janeiro, 52% dos profissionais têm formação de professor pelo Ensino Médio e 48% possuem o curso universitário de Pedagogia. Do total de entrevistados, 86% declararam que não sabiam alfabetizar, mas desejavam aprender. Os métodos utilizados até os anos 1980 foram extintos sem que nenhum padrão fosse colocado no lugar. O processo de alfabetização não tem nada de simples. Está equivocada a ideia de que “basta um livrinho debaixo do braço e amor no coração” para dar conta do recado. O professor que trabalha nos três primeiros anos precisa de apoio.

Fontes:

Site do Ministério da Educação, Site da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime), Portal Brasil, Portal Educar para Crescer, Site Pnaic da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Plataforma do Letramento.

 
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