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Orçamento Primeira Infância, mais do que necessário
31 Março 2017 | Por Sandra Machado
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Vídeo explica de maneira didática o que significa o conceito (Fonte: YouTube)

Passado um ano da aprovação do Marco Legal da Primeira Infância pela Presidência da República, em 8 de março de 2016, não há muito que comemorar. Diz o texto sancionado no seu artigo 11, parágrafo segundo, que a União se obriga a informar a sociedade sobre a soma de recursos aplicados anualmente no conjunto de programas e serviços para a primeira infância, além do percentual que os valores representam em relação ao respectivo orçamento realizado. No entanto, de acordo com estimativas da Rede Nacional Primeira Infância (RNPI) – que encomendou à Associação Contas Abertas um estudo detalhado, chamado Orçamento Primeira Infância –, entre janeiro e novembro de 2014 o gasto estimado com as crianças, da barriga da mãe até os 6 anos de idade, não chegou a 0,5% do Orçamento Geral da União. Se tomado por base o Produto Interno Bruto (PIB), o percentual caía para apenas 0,3% do conjunto das riquezas produzidas no país.

O que não seria grave se não estivéssemos falando de cerca de 10% da população – quase 20 milhões de indivíduos – atravessando uma fase decisiva no seu desenvolvimento emocional e cognitivo. No texto do Orçamento Primeira Infância, estima-se que haja cerca de 5 milhões de beneficiários do Bolsa Família nessa faixa de idade, o equivalente a aproximadamente 10% do número total de beneficiários do programa. Outro dado preocupante que a pesquisa revelou é o gasto orçamentário efetivo com cada um deles – de apenas R$ 730 anuais. Tentando despertar a atenção para o tema, o Observatório Primeira Infância acaba de publicar um vídeo na internet. E o Portal MultiRio foi ouvir Gil Castello Branco, economista e cofundador do Contas Abertas, que, em entrevista exclusiva, fala de suas impressões sobre a complexidade da questão.

Portal MultiRio – Por que motivo os direitos da primeira infância são tão pouco debatidos no Brasil?

Gil Castello Branco – A discussão sobre a primeira infância é relativamente recente e, sob o ponto de vista do orçamento, é inexistente. Depois de realizado o estudo para a RNPI, chegamos à conclusão de que o lugar da criança é no orçamento, em situação de destaque nas políticas públicas. Vasculhamos o orçamento da União, inclusive todas as notas de empenho, que descrevem com minúcias a destinação de cada gasto. Mas os programas do governo não separam o que se refere especificamente à faixa que vai até os 6 anos. Partimos, então, de um conjunto enorme de termos – como adoção, aleitamento, creche, parto, chegando a 77 palavras ou expressões-chave – para localizar os documentos orçamentários pertinentes. Embora o tema esteja no discurso das autoridades, não há preocupação em sistematizar as informações com transparência e, assim, possibilitar o acompanhamento de realização das metas. Na época, sugerimos que se procurasse criar um grupo de trabalho interministerial para identificar e quantificar as iniciativas, o que não aconteceu.

PM – Existe alguma perspectiva de melhoria neste cenário?

GCB – Enquanto não for ampliado o espaço das políticas públicas relacionadas à primeira infância, tanto no Plano Plurianual como nos orçamentos anuais, fica difícil, sobretudo numa época de carência de recursos, a partir da aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que estabelece um teto para os gastos públicos pelos próximos 20 anos. Precisamos de instrumentos que permitam a clara identificação das iniciativas e programas orçamentários de interesse da RNPI, especialmente aqueles tratados nas ações do Plano Nacional Primeira Infância.

PM – Qual a causa de tão pouca transparência nos investimentos para a primeira infância no Brasil?

GCB – Desde que concluímos o estudo encomendado pela RNPI, em 2014, deveria ter sido feita uma atualização. Não sei se houve alguma posterior. Durante muito tempo, o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) trabalhou com a proposta do Orçamento Criança e tinha várias parcerias, que, com o tempo, foram se tornando mais difíceis. O governo reduziu a quantidade de programas setoriais – até porque, às vezes, sobrava verba em um, enquanto faltava no outro – e, unificando as iniciativas de uma forma mais genérica, se facilitava a alteração de rubrica pelo Congresso. Mas isso acabou gerando, também, menor transparência.

PM – Há quem afirme que o problema se resolveria apenas com a construção de mais creches. O senhor concorda?

Iniciativas em rede buscam defender e garantir os direitos das crianças até seis anos de idade (Fonte: RNPI)

GCB – Um dos discursos de campanha da presidente Dilma Rousseff falava da construção de mais seis mil creches. Ela, inclusive, chegou a receber representantes da RNPI no Palácio do Planalto. Não é que a autoridade esteja “sabotando”: há inúmeros fatores burocráticos que fazem com que as creches não saiam do papel ou, então, tenham uma construção lenta. Um bom exemplo é um estudo que fizemos no Contas Abertas sobre as creches de Goiás. Quando elas foram licitadas, a empresa que venceu ganhou um conjunto grande de unidades a um orçamento bem baixo. No entanto, no meio das obras, chegou à conclusão de que era inviável e abandonou tudo no ponto em que estava. Aí foi preciso contratar outra empresa só para fazer uma avaliação do que tinha ficado faltando, e organizar nova licitação. Outras vezes, a Prefeitura oferece um terreno, mas não tem a titularidade dele. Quando chega na hora da formalização do processo, não consegue provar que é dona do terreno e, novamente, o que tinha começado empaca. Isso é ainda pior nas grandes cidades, onde faltam terrenos ou eles são caríssimos. Além disso, existem, também, os erros de construção, muito embora os projetos devam ser disponibilizados na página do Ministério da Educação. Já foram construídas creches onde não se consegue entrar com os móveis, ou anfiteatros sem ralo que, à primeira chuva, viram piscinas. Ou a creche fica pronta e faltam professores. Existe uma série de problemas que vão se empilhando. No que seria o mais visível, a construção, eu não saberia dizer, hoje, quantas creches estão faltando.

PM – Falta vontade política?

GCB – O último levantamento é de 2014/2015. Sempre foi um dos desempenhos mais fracos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), justamente o de maior evidência do governo federal. Ninguém discute a necessidade da construção de creches. Só que a recessão econômica que está acontecendo há pelo menos dois anos já causou uma perda de quase 10% do PIB, o que leva praticamente a uma economia de guerra. O governo não tem como cortar gastos nas despesas obrigatórias, como a previdência, e acaba postergando a construção das creches e penalizando uma área estratégica para o país. Se construíssem e fossem mantendo o ritmo acelerado, haveria esperança de zerar a demanda. A primeira infância é a população mais carente e a mais relevante. Investindo nela, estamos formando um adulto melhor. Essa consciência ainda não está muito clara para a maior parte das pessoas, sobretudo para aquelas que atuam na área de orçamento. Ao fim de um ano, não se sabe quanto foi gasto. E o ideal é que se marcasse quanto estava sendo gasto – foi mais ou menos do que no ano anterior? Era preciso que isso tudo estivesse mais marcadamente identificado para a primeira infância.

PM – De acordo com o Plano Nacional de Educação, a meta é conseguir atender, até 2024, apenas 50% da população de até 3 anos de idade...

GCB – Era importante que se tivesse abraçado essa causa mais cedo. Nós, do Contas Abertas, chegamos a montar um sistema informatizado sobre ações para crianças, em parceria com o Unicef, que, por sua vez, cobrava dos ministérios. As autoridades, normalmente, se escondem. Perguntam logo de quando são aqueles dados, afirmam que estão defasados e que vão atualizar, ou seja, nada acontece. Mas se você chega e diz “esse é de ontem”, fica mais fácil em termos de monitoramento. Com a metodologia do Orçamento Criança era possível extrair tudo o que se gastava no governo federal, e já estávamos a ponto de avançar também para os estados e municípios. Hoje, não tem quem faça isso. As ações estão distribuídas por diferentes pastas. Se você pergunta, duvido que alguém saiba quanto gastou. Cada ministro vai dizer o que faz, mas nem aquilo está especificado no orçamento, com dotação prevista, e um ministro não sabe no que o outro investe. Se tudo fosse monitorado de maneira transparente, qualquer cidadão poderia saber onde o dinheiro público está sendo gasto em benefício das crianças. As dificuldades são muito claras. É preciso sentar com os burocratas da Fazenda e do Planejamento e convencê-los da necessidade de um orçamento descrito e monitorado para avaliação da efetividade das políticas públicas voltadas para a primeira infância. Precisamos de pessoas que se apaixonem pelo tema, porque muda o governo, com maior frequência ainda mudam os ministros, e não há continuidade. Eu mesmo, por exemplo, não valorizava nada esse setor, até me envolver com o Orçamento Primeira Infância. Então pensei: “Caramba! Isso tem que estar muito bem marcado no orçamento”.

 

Fontes:

Entrevista com Gil Castello Branco

Marco Legal da Primeira Infância

Orçamento Primeira Infância

 
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