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A singularidade do Cais do Valongo no mundo
27 Julho 2017 | Por Márcia Pimentel
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CaisdoValonfo foto joaomauriciobraganca 2014
Cais do Valongo. Foto João Maurício Bragança, 2014, Iphan

Tombado pela Unesco em 9 de julho de 2017, o Sítio Arqueológico Cais do Valongo é importante não apenas para a história do Rio de Janeiro e do Brasil. Documentos históricos indicam que foi o desembarque do maior número de negros escravizados em todo o mundo, no período da diáspora africana ocorrida entre o Renascimento e os últimos anos do século XIX. Não à toa, seu tombamento foi classificado como “sítio histórico sensível”, categoria destinada aos lugares relacionados à violência contra a pessoa humana, como o campo de concentração nazista de Auschwitz e a cidade de Hiroxima, vitimada pela explosão de uma bomba atômica durante a Segunda Guerra Mundial.

A singularidade do Valongo não para por aí. Não há, em todo o planeta, nenhum outro sítio arqueológico com as mesmas características, já que as construções de embarque ou desembarque usadas pelo tráfico negreiro costumavam ser efêmeras, além de terem sido deliberadamente destruídas no processo histórico de apagamento da memória da escravidão. O próprio Valongo permaneceria no esquecimento se durante as obras de revitalização da área portuária não tivessem sido encontrados os vestígios do cais escravista sob um aterro.

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Forte São Jorge da Mina, em Gana. Foto Nyangila, Unesco

Outros sítios relacionados à escravidão negra existentes no Brasil e nos diversos continentes têm atributos morfológicos e simbólicos distintos. O motivo principal do tombamento do Pelourinho de Salvador, que abrigou o primeiro mercado de escravos das Américas, foi a expressão arquitetônica de suas construções e seu caráter de encontro entre europeus e africanos. Outros sítios históricos brasileiros atravessados pela escravidão, São Luís e Outro Preto, também se transformaram em patrimônio da humanidade por motivos semelhantes. Havana Velha, em Cuba, inclui-se nesse mesmo rol.

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Orla da Cidade de Pedra, na Ilha de Zanzibar. Foto Rod Waddington, Wikimedia Commons

É verdade que na África há vários sítios arqueológicos que se cruzam com a escravidão negra. Mas o Castelo de São Jorge da Mina, em Gana – feitoria usada como fortaleza militar e entreposto comercial, incluindo o tráfico negreiro –, foi tombado por ser a mais antiga construção europeia fora da Europa e o primeiro ponto de contato permanente entre europeus e povos ao sul do Saara. O Centro Histórico de Ribeira Grande, em Cabo Verde, cujo porto ganhou destacada importância no comércio transatlântico de escravos, foi proclamado patrimônio mundial da humanidade por ter sido a primeira cidade europeia construída nos trópicos. A principal característica do sítio da Ilha de Kunta Kinté, em Gâmbia, é o seu conjunto de bens que testemunharam o comércio dos europeus com o interior da África, o que abrangia a venda e a compra de escravos e de várias outras mercadorias.

Na costa oriental da África, o patrimônio arquitetônico da cidade fortificada da Ilha de Moçambique inclui a rampa de Mossuril, de onde partiram vários cativos para a Ásia e para as Américas. Mas o argumento relevante para o seu reconhecimento como patrimônio da humanidade foi o fato de ter sido ponto estratégico para o estabelecimento das relações comerciais entre os portugueses e as Índias. Ainda na costa índica, o sítio arqueológico de Aapravi Ghat, nas Ilhas Maurício, é importante por ter abrigado a primeira experiência de trabalho livre com negros africanos vendidos como escravos. Já a Cidade de Pedra da Ilha de Zanzibar foi tombada porque serviu de base à grande campanha contra a escravidão implementada pelo explorador escocês David Livingstone na África.

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Ilha de Gorée, no Senegal. Foto Delphine Bruyére, Wikimedia Commons 

Segundo o dossiê que integra a proposta de inscrição do Sítio Arqueológico Cais do Valongo na lista do patrimônio mundial, a Ilha de Gorée, no Senegal, é o conjunto de bens tombados que mais se aproxima do significado histórico do cais carioca: “Diversos espaços, monumentos e construções nessa ilha relacionam-se ao aprisionamento nos entrepostos escravistas e à travessia nos tumbeiros (navios negreiros) que de lá partiram rumo às Américas”. Apesar das semelhanças históricas e simbólicas, a diferença entre um e outro reside no quantitativo. Enquanto em Gorée foram embarcados cerca de 756 mil cativos africanos entre os séculos XV e XIX, no Valongo somaram mais de um milhão desembarcados apenas nos anos 1800.

Assista ao vídeo sobre o significado simbólico do Cais do Valongo.

 
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