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A experiência de imigrantes e refugiados nas escolas municipais do Rio de Janeiro
10 Maio 2018 | Por Fernanda Fernandes
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Dalandine Philibert, aluna da E.M. Alina de Britto, veio com a família do Haiti (Foto: Alberto Jacob Filho)

As escolas da Rede Pública Municipal de Ensino do Rio de Janeiro recebem cada vez mais alunos imigrantes e refugiados, vindos de diversos países como Haiti, Venezuela, Congo, Síria e Bolívia. Essas crianças e esses adolescentes chegam ao Brasil e se deparam com uma nova cultura, muitas vezes têm dificuldade inicial com a língua, mas, em geral, integram-se facilmente.

Organizações como a Cáritas (por meio do Programa de Atendimento a Refugiados e Solicitantes de Refúgio – Pares) e a ONG Mawon, que trabalha acolhendo haitianos, oferecem auxílio às famílias recém-chegadas. Haitianos não são considerados refugiados, embora a visão não seja unânime e haja quem os coloque nessa categoria.

Segundo o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR), a Convenção de 1951, relativa ao Estatuto dos Refugiados, classifica como “pessoas que se encontram fora do seu país por causa de fundado temor de perseguição por motivos de raça, religião, nacionalidade, opinião política ou participação em grupos sociais, e que não possam (ou não queiram) voltar para casa”. Ainda de acordo com a ACNUR, posteriormente, definições mais amplas passaram a considerar como refugiados as pessoas obrigadas a deixar seu país devido a conflitos armados, violência generalizada e violação massiva dos direitos humanos.

Na Cáritas-RJ, o trabalho de integração local dos refugiados tem o objetivo de criar condições para que eles se tornem autossuficientes, buscando garantir o acesso ao aprendizado do idioma, ao mercado de trabalho, à formação educacional e ao atendimento psicológico e de saúde.

Quando recebem famílias com crianças em idade escolar, os funcionários do Pares encaminham o caso para a Coordenadoria Regional de Educação (CRE) correspondente à região onde vivem essas famílias. “Recebemos muitos refugiados da Venezuela, do Congo e de Angola, por exemplo. A primeira prioridade é inseri-los na escola. Em geral, encontramos mais dificuldade para alocar crianças em idade de creche: as vagas nunca são suficientes”, comenta Jiulianne Gomes, assistente social da Cáritas.

Famílias haitianas buscam vida melhor no Brasil 

Os irmãos Mislandia e Pleidson, com a mãe Sineda Bruitos (Foto: Alberto Jacob Filho)

Na E.M. Alina de Britto (7ª CRE), em Curicica, estudam, atualmente, seis alunos estrangeiros, cinco do Haiti e um da Venezuela. Sineda Bruitus é mãe de Pledidson, de 14 anos; Mislandia, 11; e Dalandine, 7. A família morava na cidade de Cabo Haitiano, no Haiti, e veio tentar uma vida melhor no Brasil. 

“Meu marido está aqui há seis anos, e eu há quase quatro. Voltei faz sete meses para buscar as crianças, que estavam com a minha família. No Haiti, está tudo muito complicado, muitos bandidos – se bem que aqui também, né?”, sorri Sineda, dizendo que todo haitiano gosta do Brasil e que a escolha se deu também pela maior facilidade de entrada no país. 

Julande Cyril ainda tem dificuldades para se comunicar em português (Foto: Alberto Jacob Filho)

Atualmente, ela está desempregada e seu marido trabalha como camelô no Mercadão de Madureira. Em casa, o idioma falado é o crioulo haitiano. A língua portuguesa só entra em cena quando assistem à televisão. Mas, apesar de certa dificuldade para se expressar, a família se vira bem nas atividades do dia a dia.

Os alunos vão à escola de BRT, sozinhos. O irmão mais velho, Pledidson, conduz a cadeira de rodas onde vai Dalandine, a mais nova, que tem paralisia cerebral. “Eles gostam muito de ir à escola e já têm muitos amigos, até no WhatsApp. Estão se comunicando melhor”, conta a mãe, entusiasmada.

Julande Moise Cyril, mãe dos alunos Christ , de 6 anos, e Done, 10, é outra haitiana buscando melhores condições de vida no Brasil. Assim como no caso de Sineda, seu marido veio primeiro: está no Rio há três anos e trabalha em um restaurante. Ela, há cerca de um ano aqui, ainda tem muita dificuldade para compreender e falar o português – contou sua história com a ajuda da conterrânea, que conheceu na vizinhança onde mora.

A integração em sala de aula

Professora da turma 1204 (2º ano) da E.M. Alina de Britto, Isa Hardt dá aulas para Dalandine. Ela diz que, apesar de estar um pouco atrasada na escrita, a menina se comunica e interage socialmente muito bem. “Ela é bastante ativa, alegre, ama quando brincam com ela. Tem facilidade com as cores e entende bem o que eu falo.” 

A professora Isa Hardt com Dalandine (Foto: Alberto Jacob Filho)

Outro aluno estrangeiro na escola é Rodolfo Moises Bravo, de 7 anos, vindo da Venezuela há menos de um ano. De acordo com Andrea Camara, professora de inglês, o menino não apresentou problemas para se adaptar à escola e fazer amigos. “Ele é superenturmado! Na aula, se comunica bem, participa de tudo, é muito esperto. Não fosse o sotaque, ainda forte, ninguém diria que veio de outro país”, conta a professora, impressionada com a desenvoltura de Rodolfo. “Ele me falou que morou por um tempo na Cidade Nova e viu carros alegóricos lá; então, os desenhou. Depois, desenhou os do seu país, mostrando as diferenças. Isso é muito bacana, sobretudo para uma criança na idade dele.”

O outro lado: racismo, um problema a ser combatido nas escolas 

Por meio de um projeto de saúde mental, a Cáritas-RJ recebe famílias e busca acompanhar a adaptação dos refugiados. Psicóloga da organização, Carine Almeida Silva dos Santos conta que, normalmente, não há relatos de problemas de integração, sobretudo com relação às crianças. “Na escola, elas viram o centro das atenções; só reclamam, às vezes, do ‘interrogatório’ feito pelos alunos – o que é positivo, pois estão sendo acolhidas. Diferente dos adultos, elas aprendem a língua portuguesa rapidamente e acabam assumindo a função de mediadoras junto aos pais”, comenta Carine, ressaltando a dificuldade dos refugiados na compreensão de gírias.

Mas, infelizmente, os problemas não se restringem à língua. Situações mais complicadas são trazidas pelas famílias: no Brasil, elas começam a ter mais contato com o racismo.

“No país de origem, passam por questões relacionadas à etnia e ao poder aquisitivo, mas, aqui, é tudo muito atravessado pela cor. Nas escolas municipais do Rio, existe uma grande população de crianças negras, mas a sensação é de que as crianças brasileiras não se enxergam assim, não têm consciência da própria cor. E como grande parte das famílias que recebemos vem do Congo, e são negras, elas sofrem racismo na escola. São chamados de macacos, sofrem com ‘brincadeiras’ e comentários pejorativos por conta de seus cabelos e adereços”, relata a psicóloga.

Segundo Carine dos Santos, os pais das crianças levam essas questões acreditando se tratarem “apenas” de perseguições por serem estrangeiros. “Até então, muitos pais não tinham se dado conta de que o que os filhos sofrem é racismo. No relato das crianças, percebemos que elas sabem não se tratar de um problema delas, e sim dos outros. Não acham ruins seus cabelos e tons de pele. Parecem menos frágeis do que as nossas crianças. Promovemos rodas de conversa e estamos pensando em como nos articular com as escolas para que essa seja uma preocupação de todos, e o tema, debatido devidamente”, alerta a psicóloga.

 
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