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BNCC: entrevista com Chico Soares, do CNE, e mudanças na prática pedagógica
16 Outubro 2019 | Por Márcia Pimentel
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Prática pedagógica colaborativa em exercício audiovisual, no Ciep Agostinho Neto. Foto Alberto Jacob Filho, MultiRio

A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) começa a ser implementada no ano letivo de 2020. Para o professor José Francisco Soares, que participou ativamente de sua elaboração como membro do Conselho Nacional de Educação (CNE), ainda que algumas questões pudessem ter sido aprimoradas, a BNCC avança em relação aos direitos de aprendizagem e pavimenta caminhos em direção a uma educação mais equitativa.

A BNCC é mais que um currículo comum, obrigatório em todo o país. Também propõe uma grande mudança no olhar do ensino. Em vez do foco se centrar nos conteúdos disciplinares (agora concebidos como componentes curriculares), o que se passa a almejar é a aprendizagem voltada para o desenvolvimento de competências e habilidades, como saber pensar e fazer.

Há quem julgue que a proposta curricular, por ser amarrada e esmiuçada, engessa os professores.“O currículo não tem apenas parte comum, mas também diversificada. Por que não falam disso?”, contrapõe Chico Soares, como é mais conhecido entre seus pares. O conselheiro ainda alega que escolas e professores continuam livres para trabalhar com suas concepções pedagógicas e com seus contextos regionais: “A BNCC refere-se apenas ao que deve ser ensinado. Não fala em como ensinar”. Para ele, boa parte das críticas é fruto da dificuldade em aceitar que todas as crianças, de norte a sul do país, têm o direito de aprender.

Na prática

A BNCC impõe mudanças práticas. No caso da cidade do Rio de Janeiro, todas as escolas da Rede Pública Municipal precisarão revisar seu Plano Politico-Pedagógico e os professores terão que adequar seus planos de aula às novas exigências. As mudanças afetam todas as áreas de conhecimento, embora algumas sejam mais impactadas do que outras.

Entre as alterações, há o entrelaçamento dos componentes curriculares para que o aluno desenvolva as almejadas competências e habilidades. Segundo Lenita Vilela, responsável pela Equipe de Currículo da Gerência de Ensino Fundamental da Secretaria Municipal de Educação (SME), o papel do coordenador pedagógico será fundamental para que esse entrelace aconteça. Em função das mudanças instituídas pela BNCC, a SME também está dando mais peso e valor ao Centro de Estudos previsto em seu calendário pedagógico.

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Sofia Pitta e Lenita Vilela, da Equipe de Currículo da SME. Arquivo pessoal

Para dar suporte às escolas, a SME planeja uma série de cursos de  capacitação de professores e coordenadores pedagógicos e prepara cadernos, por área de conhecimento, que, além de explicarem as mudanças promovidas pela BNCC, contêm um detalhado passo a passo de atividades a serem executadas em sala de aula a cada unidade temática. “São sugestões. Os professores podem ensinar da maneira que se sentirem melhor”, diz Lenita Vilela.

Sobre esse assunto, Chico Soares lembra que o CNE incluiu na norma uma possibilidade de organização diferente para as escolas que têm capacidade de propor e gerir formas diferenciadas de ensino, desde que respeitem as bases curriculares. Leia, na íntegra, a entrevista dele à MultiRio:

MultiRio - Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) eram a base de consulta para a elaboração dos currículos escolares, no país. Por quais motivos decidiu-se criar a Base Nacional Comum Curricular (BNCC)?

Chico Soares - A resposta é simples: por um imperativo legal. Muitos resistiram à mudança para a BNCC, criando uma polêmica desnecessária, a meu ver, porque na época em que os PCNs foram analisados, o CNE se manifestou no sentido de que eles não dispensavam a necessidade de fixar conteúdos mínimos, nem de criar uma base nacional comum dos currículos, em caráter obrigatório para todo o território nacional. Na época da emenda constitucional nº 59, o CNE também emitiu diretrizes nesse mesmo sentido. Tal entendimento foi consagrado pelo Plano Nacional de Educação, que introduziu a expressão “objetivos de aprendizagem e desenvolvimento” e definiu que eles deveriam ser apresentados por ano escolar.

MultiRio - Do seu ponto de vista, o que avança com a BNCC?

Chico Soares - A BNCC é, acima de tudo, a especificação dos direitos educacionais das pessoas, pois descrimina claramente o que todos devem aprender para ter uma vida plena. É um instrumento de diminuição das desigualdades educacionais e de afirmação de uma proposta de nação, centrada na inclusão educacional de todos. Não especificar direitos é uma forma de não os garantir. Infelizmente, muitos têm dificuldade em aceitar o direito do outro.

MultiRio - Em relação à Educação Infantil, a BNCC foi organizada em três grandes eixos: Direitos de Aprendizagem, Campos de Experiência e Objetivos de Aprendizagem. Já o Ensino Fundamental foi organizado em Competências, Unidades (ou Áreas de Conhecimento), Objetos de Conhecimento e Habilidades. Essa nova organização busca responder a qual necessidade? Muitos reclamam que ela é detalhada demais e que isso engessa escolas e professores.

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Chico Soares, do Conselho Nacional de Educação. Foto Marcelo Camargo, Agência Brasil, creative commons/>

Chico Soares - Estas são apenas formas de organização que pareceram adequadas, na época da formulação da BNCC. Decidiu-se esmiuçar bem a base curricular porque o Brasil é grande demais e possui realidades muito distintas. A qualificação do pessoal da Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro, por exemplo, é bem diferente da de inúmeros pequenos municípios espalhados pelo país. Então, optou-se por amarrar bem os objetivos de aprendizagem para que ficasse claro o que todos têm que ensinar. No entanto, o CNE, atento às diversidades nacionais, incluiu na norma, uma possibilidade de organização diferente para atender àquelas escolas e sistemas de ensino que tenham capacidade para propor progressões diferentes, desde que atendam a todos os direitos e objetivos de aprendizagem instituídos. Isso está garantido no parágrafo primeiro da resolução do CNE sobre a BNCC do Ensino Fundamental. Além disso, o currículo não tem apenas parte comum, mas também diversificada. Por que não falam disso?

MultiRio - Em que a BNCC impacta a prática pedagógica? Ela requer um novo olhar do professor?

Chico Soares - A BNCC define os aprendizados essenciais como os conhecimentos, habilidades, atitudes e valores que cada pessoa deve desenvolver para ter uma vida plena. São, portanto, vários tipos de aprendizados que precisam de pedagogias apropriadas. Em particular, o desenvolvimento das habilidades (o saber fazer, o saber pensar, o raciocínio lógico, a criatividade, a cooperação e a comunicação) exige práticas pedagógicas apropriadas, diferentes daquelas que podem ter sucesso no ensino dos conhecimentos disciplinares. Ou seja, como há objetivos de aprendizagem novos, práticas pedagógicas novas devem fazer parte da rotina da escola. Alguns exemplos: elaborar debates estruturados, discutir os eventos e as questões atuais, fazer uso de jogos cooperativos, promover a aprendizagem baseada em projetos, em serviços à comunidade, em oficinas, em laboratórios...

MultiRio - Na sua opinião, além da reforma no currículo, que outras ações devem ser discutidas, pensadas e engendradas pelo poder público para melhorar a Educação?

Chico Soares - A sociedade brasileira precisa se dar conta de que a Educação requer mais recursos, mesmo depois da melhoria da gestão e da diminuição dos desperdícios, como o produzido pela evasão dos estudantes. E entender que esses recursos precisam ser mais injetados nas unidades de ensino e não nos programas centralizados. A escola também necessita de mais autonomia e transparência, além de docentes dedicados a ela em tempo integral. Fora isso, o corpo técnico-profissional da escola precisa tomar os objetivos de aprendizagem do currículo como orientação para todas as decisões e trazer para a sua rotina a ideia de que quaisquer atividades devem ter uma intencionalidade pedagógica. A aprendizagem dos alunos tem que ser o valor supremo. Finalmente, a escola deve se preocupar em incluir, educacionalmente, todos os estudantes, atendendo àqueles que trazem menos de casa. Precisa mudar a situação perversa atual em que as desigualdades são aumentadas dentro dela.

 
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