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Educação para a política
31 Agosto 2015 | Por Sandra Machado
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ana350Escritora e ilustradora, jornalista e professora especializada em Educação Infantil, a carioca Ana Maria de Andrade publicou livros que já foram adotados por escolas no Brasil e em Portugal. Distinções importantes atestam seu reconhecimento: Plano Nacional do Livro Didático 2006 (SP), Selo Empresa Amiga da Criança (Fundação Abrinq 2006-2015), Prêmio UFF de Literatura (RJ), Prêmio Sesc de Literatura (DF) e Prêmio Ser Humano (ABRH-RJ) – pelo projeto Ler no Trabalho é Legal –, os três últimos recebidos em 2014. Na entrevista exclusiva a seguir, ela fala sobre sua motivação pessoal em relação à educação para a política.

Portal MultiRio – Assim como outros saberes de ordem prática na vida adulta – economia, nutrição... –, pela sua utilidade, a política também deveria fazer parte dos temas tratados na infância, ao menos no ambiente escolar?

Ana Maria de Andrade – Sem dúvida nenhuma. Comecei a criar histórias para os meus alunos na década de 1990, com o desejo de estimular as crianças a refletirem sobre as questões socioambientais que acabavam de ser discutidas durante a Eco 92. Queria formar nos meus alunos a consciência de que somos responsáveis por tudo que ocorre ao nosso redor. Sempre acreditei que essa compreensão faz toda a diferença no futuro. Crianças com tal formação serão adultos conscientes, participativos e atuantes. Ao procurar livros infantis que falassem sobre temas mais complexos e polêmicos, como, por exemplo, o efeito estufa e a degradação do planeta, percebi que não existiam histórias que abordassem essas questões para as crianças que ainda não sabiam ler de forma autônoma. Então, comecei a escrever histórias que provocassem estas reflexões. Os temas sociais são minha motivação até hoje. Penso que não importa a idade que temos, se somos crianças ou bem velhinhos, as mudanças sempre dependem de nós, para o bem ou para o mal.

PM – Como é sua produção literária?

planetaAMA – Meu primeiro livro, chamado Água Viva, saiu em 2004. Hoje tenho 13 trabalhos publicados, nos quais abordo não somente as questões ambientais, mas da ética e da cidadania. Percebo que, muitas vezes, os professores não sabem como falar sobre esses temas para as crianças da Educação Infantil. Acham difícil e complicado, mas não é – nós é que complicamos. Em todos os meus livros, a criança é o protagonista e o agente de transformação da narrativa. Crio ambientes e personagens que se aproximam do universo infantil, fábulas em que os animais e as plantas se personificam e interagem com as pessoas. Uso a linguagem simples, apropriada para a criança em processo de aprendizagem da leitura e da escrita. Para as imagens, trabalho com técnicas artísticas de fácil reprodução, como origami, recorte e colagem, aquarela e papel machê. Gosto muito da interação entre texto e imagem, dando um gancho aos professores e aos pais para que possam realizar a contação de história e, depois da leitura, atividades de artes plásticas. É muito importante dar esse espaço para a criança criar e expressar os seus sentimentos depois da leitura. Procuro mostrar que, com um objetivo comum e de forma coletiva, a criança não só é capaz de “fazer diferente” e mudar o ambiente onde vive, como também é capaz de influenciar os adultos que vivem com ela. Trabalho a educação em direção inversa à tradicional. Se houver bons estímulos, a criança se autoeduca e reeduca os adultos.

PM – Quais dos seus livros abrem uma discussão política?

AMA – Água Viva fala sobre a poluição de um rio e como as crianças mudaram aquela triste realidade, a partir de um movimento coletivo. Esta obra gerou uma coleção, em parceria com a Franco Editora (MG), sendo o último livro Planeta Menos, lançado recentemente. Nele, conto a história de crianças que percebem o quanto usavam objetos desnecessários e, assim, realizam várias ações em prol do consumo consciente. Já o livro Uma História Diferente Contada de Trás pra Frente narra as intrigas de uma bruxa que acaba sendo investigada por uma CPI e não fica impune. É presa e acaba tornando-se a Bruxa Voluntária do Ano. Com esta brincadeira do texto, escrito na ordem inversa, procuro mostrar que podemos transformar o que parecia um fim em um recomeço. De forma divertida e simples, aproximo a criança do momento atual da nossa política. Aparecem expressões que ouvimos diariamente nos noticiários, como CPI, investigação, voluntariado e outras. Para quem quiser conhecer um pouquinho mais dos meus livros, o site www.anamariadeandrade.com disponibiliza um catálogo virtual.

PM – Maus políticos podem ser entendidos, também, como um “produto do meio”?

franciscoAMA – Podemos fazer uma relação direta entre o comportamento dos maus políticos e os princípios éticos que receberam na infância, tanto em família quanto na escola. Quando negligenciamos pequenas atitudes incorretas, enquanto pais e professores, estamos dizendo à criança que é permitido fazer o errado. Este "comando" será a porta de entrada para faltas mais graves no futuro. Educar não é fácil, dá trabalho, é um esforço diário. Mas, a partir do momento que assumimos essa responsabilidade, é preciso que haja compromisso, seriedade e empenho. Ensinar à criança que não é certo mentir, desrespeitar o amigo, pegar o que não é seu ou tirar vantagem em benefício próprio são alguns exemplos de princípios básicos para a formação do bom caráter. Essas são situações que acontecem diariamente na escola. Quando reunimos 20 crianças dentro de uma mesma sala, temos ali 20 famílias diferentes, 20 formas de agir diferentes, cada uma com a sua cultura, com os seus princípios e valores. O professor não pode fingir que não vê. Ele é o líder, os seus alunos serão o reflexo dele. Ele precisa ser não somente o exemplo de integridade, como também o facilitador para a elaboração das normas de conduta ética da sua turma. Essa orientação deve se estender às famílias. Família e escola devem andar de mãos dadas, na mesma direção, e não em sentidos opostos.

PM – E como é possível dar mais publicidade a essa discussão?

AMA – Escrevi o artigo Política na Infância, publicado pela Editora Vozes (Petrópolis), no qual reflito sobre algumas das pequenas negligências que cometemos com as crianças no dia a dia. É muito comum falarmos: “fingi que não vi”, “uma mentirinha só não faz mal”, “não pode, mas vamos dar um jeitinho”... A princípio, podem parecer falas inofensivas, mas, na verdade, elas são o início da formação ética na criança. Devemos não somente orientá-la no momento de uma má atitude, mas também elogiar no momento de uma boa ação. No livro O Menino Francisco, lançado este ano pela Editora Jovem (RJ), ressalto o valor da palavra “obrigado”. A criança deve aprender a agradecer por tudo de bom que recebe, e também ser reconhecida por tudo que faz de bom para outras pessoas. Assim, se tornará um adulto consciente dos valores essenciais, como a cooperação, a solidariedade e o bem comum.

PM – Na sua opinião, o que falta acontecer para que melhore a relação do brasileiro com os representantes eleitos?

AMA – Melhor conhecimento a respeito do nosso sistema político é o primeiro passo. Na minha adolescência, tínhamos aula de Organização Social e Política Brasileira, disciplina conhecida como OSPB. Percebo que, hoje, muitos adultos não possuem conhecimentos básicos, e menos ainda os jovens. Essa disciplina foi excluída da grade curricular e fez muita falta. Como escolher bem os nossos representantes, se não sabemos exatamente quais são as suas responsabilidades? O segundo passo é aprender a conferir os resultados. Votamos e depois não acompanhamos o que o nosso candidato eleito está fazendo. Ainda pensamos a política como algo distante de nós. Temos que nos conscientizar de que a política é feita por todos, os que foram eleitos são somente representantes e devem prestar contas do que realizam. É preciso ter transparência na relação.

PM – As tecnologias de informação e de comunicação (TICs) estão fazendo alguma diferença nesta reconfiguração?

AMA – Sabendo usar a internet como fonte de consulta e pesquisa, sem dúvida teremos uma excelente ferramenta para acompanharmos melhor os representantes eleitos e participarmos das mudanças políticas e sociais. Os jovens de hoje são menos ingênuos dos que os do passado. São mais críticos e não se deixam enganar com facilidade, pois há mais transparência na mídia. No entanto, estão menos organizados que as gerações dos anos 1980 e 1990. Percebemos uma atuação menor dos grêmios estudantis, dos diretórios acadêmicos e dos estudantes em geral, em torno das grandes causas e ideais políticos. Estamos passando por um momento de acomodação e de uma certa dose de desesperança. Há muito movimento na internet e pouco dentro das escolas e universidades. Penso que, nos próximos anos, a escola exercerá um papel fundamental neste novo cenário. Passada a novidade da internet e a decepção da política, chegará a hora de refazer os conceitos, amadurecer e utilizar os erros e as lições aprendidas a nosso favor. Os professores estão se adaptando a esta nova fase, aprendendo a usar as TICs e testando novas metodologias em sala de aula. Vamos precisar dar tempo ao tempo.

PM – O que se pode esperar das futuras gerações de internautas e de leitores?

AMA – Crianças e jovens nunca leram e escreveram tanto como hoje, pois passam horas do seu dia navegando na internet. A questão para as futuras gerações não é: “Vamos ler o livro e escrever no caderno, ou vamos usar o computador para ler e escrever?”, e sim: “O que estamos lendo e escrevendo e com qual propósito fazemos isso?”. Se vamos usar papel ou telas, tanto faz. Um livro pode se tornar muito mais interessante do que um tablet, dependendo da forma como é apresentado ao aluno. Nesse contexto, o papel do educador será fundamental na formação de leitores nas gerações futuras. Podemos e devemos utilizar todos os recursos que a modernidade nos oferece. Mas, como vamos usar? Isso fará toda a diferença. A escola terá que ensinar o aluno a fazer o bom uso da tecnologia. E, para isso, terá que aprender a se questionar e a reinventar suas práticas. O material de leitura oferecido está trazendo prazer? Como estamos fazendo a leitura do mundo? Estamos formando leitores críticos, produzindo conhecimento de qualidade e construindo uma sociedade melhor em nossas salas de aula? Ou estamos simplesmente oferecendo aulas de leitura enfadonhas e obrigatórias, colecionando livros nas estantes para a biblioteca ficar bonita, fingindo que estamos lendo com aparelhos eletrônicos e acumulando lixo de informação em nossas cabeças? Aqui está o grande desafio...

 
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