ACESSIBILIDADE
Acessibilidade: Aumentar Fonte
Acessibilidade: Tamanho Padrão de Fonte
Acessibilidade: Diminuir Fonte
Youtube
Facebook
Instagram
Twitter
Ícone do Tik Tok

A farta cultura árabe em terras cariocas
22 Julho 2014 | Por Sandra Machado
Compartilhar pelo Facebook Compartilhar pelo Twitter Compartilhar pelo Whatsapp

quintaQuem entra hoje no Museu Nacional, na Quinta da Boa Vista, em São Cristóvão, não imagina que a residência da família real portuguesa pertencia, até 1808, a um libanês. Antun Elias Lubbos, ou Elias Antônio Lopes, forma abrasileirada de seu nome, era um comerciante e proprietário de terras que cedeu, de bom grado, o lugar onde morava, porque não havia nenhum outro à altura da corte no Rio de Janeiro. D. Pedro II – que, aliás, nasceu ali – fez uma visita oficial ao Líbano em 1876, o que gerou um aumento significativo do número de imigrantes sírio-libaneses cristãos, em fuga da opressão do domínio turco-otomano, nas décadas seguintes. Anualmente, em 22 de novembro se comemora o dia da comunidade libanesa no Brasil, já que o Líbano se tornou independente nesta data (em 1943), e o Brasil é o país que abriga o maior número de libaneses e seus descendentes no mundo – aproximadamente 8 milhões de pessoas, com destaque de atuação no comércio, na indústria, na construção civil e até na política.

Milhares de estrangeiros chegavam ao Brasil em busca do sonho americano. Segundo Ana Maria Mauad, no livro Histórias de Imigrantes e de Imigração no Rio de Janeiro, a estimativa é de que, entre 1890 e 1929, tenham entrado no país 3.523.591 pessoas. Desse total, 73.690 eram sírio-libaneses, que tinham predileção por se instalar, com suas vendas, perto de fazendas ou de núcleos de imigração. Seu comércio se caracterizava pela variedade de produtos, conseguidos em consignação dos compatriotas, e pelo crédito baseado na palavra empenhada. Tanto o Líbano quanto a Síria permaneceram ocupados pelo Império Otomano até 1920. E como eram as autoridades turcas que forneciam passaportes, no desembarque, sírios e libaneses começaram a ser chamados genericamente de turcos.

male“Um dos marcos consensuais da presença árabe no Rio de Janeiro é o nascimento do gramático Manuel Said Ali, em 1861, de pais já estabelecidos em Petrópolis”, lembra Mohammed ElHajji, professor da Escola de Comunicação da UFRJ e coordenador de O Estrangeiro, plataforma que integra atividades de pesquisa e de extensão sobre imigrantes e refugiados no Brasil. Segundo o professor, os africanos malês (negros escravos muçulmanos que sabiam ler e escrever em árabe) injetaram toda uma cosmogonia no universo simbólico afro-brasileiro. “É bastante conhecido, a este propósito, o relato do conde de Gobineau sobre a venda mensal de quase cem exemplares, em língua árabe do alcorão, no Rio de Janeiro da segunda metade do século XIX, apesar de seu preço exorbitante.”

O auge do movimento migratório de sírios e libaneses para o país ficou entre as décadas de 1920 e 1930, devido, principalmente, às ocupações inglesa e francesa no Oriente Médio e às consequências da Primeira Guerra Mundial na região. Atraídos para a Amazônia durante o ciclo da borracha, se dirigiam também para São Paulo e Minas Gerais. Com a prosperidade, fundaram hospitais, centros culturais e clubes. Um dos mais conhecidos, no Rio de Janeiro, é o Clube Monte Líbano, fundado em 12 de setembro de 1946.

A contribuição sírio-libanesa também se deu no elo cultural mais forte entre os brasileiros, que é a língua pátria. Em especial por meio das palavras que se iniciam com “AL”, como alicate, almofada e alface, mas também em outras, muito comuns, como laranja e limão. “A língua portuguesa, particularmente abundante em construções e vocabulário árabes, é altamente esclarecedora quanto à importância da estrutura desta cultura nas formulações estéticas e subjetivas da sociedade brasileira”, afirma o professor ElHajji, lembrando que, muito antes da imigração sírio-libanesa, durante quase oito séculos a Península Ibérica esteve ocupada por árabes. “Várias fontes históricas apontam para uma presença efetiva de elementos árabes e mouriscos até nas caravelas.”

Muitos dos imigrantes que chegaram ao Brasil adotavam o ofício de mascates, mas quando alcançavam uma relativa prosperidade, abriam suas próprias lojas. Havia, no entanto, entre eles, profissionais formados na Universidade Americana de Beirute. No Rio de Janeiro, os recém-chegados se fixaram inicialmente na região da Rua da Alfândega, no centro da cidade, conhecida na atualidade como Saara – Sociedade de Amigos e Adjacências da Rua da Alfândega. “Eles se estabeleceram no ponto imediatamente sucessivo ao lugar de desembarque – o ponto geográfico mais próximo de sua terra de origem.”

Atualmente, não tem carioca que não conheça um curso de dança do ventre ou que não se delicie com a culinária árabe. Faz tempo que quibes e esfirras foram incorporados ao rol dos salgadinhos que não podem faltar numa boa festa. A alegria carioca tem muito da influência do grupo étnico árabe, sabidamente festeiro, e um ranking, em especial, contribui para confirmar essa hipótese, já que o Rio de Janeiro é a segunda cidade do Brasil em número de sírio-libaneses e seus descendentes. “Toda a história da imigração árabe para o Brasil é constituída de iniciativas e aventuras pessoais ou familiares, e não pela imigração de massa organizada, planejada e subsidiada”, ressalta o professor. “A Saara é uma expressão de resistência por parte de um grupo minoritário, que não era desejado nem previsto nos planos da classe dominante.”

Leia também:

 
Compartilhar pelo Facebook Compartilhar pelo Twitter Compartilhar pelo Whatsapp
MAIS DA SÉRIE
texto
Os indígenas e a construção do Rio de Janeiro

Os indígenas e a construção do Rio de Janeiro

22/10/2018

O carioca deve boa parcela de sua identidade aos Tupinambá e Temiminó.

Rio Multicultural - reportagens

texto
A presença polonesa no Rio de Janeiro

A presença polonesa no Rio de Janeiro

21/01/2015

Em um passeio pela Cidade Maravilhosa, é possível notar a presença e as marcas do país de Nicolau Copérnico, Frédéric Chopin e do Papa João Paulo II.

Rio Multicultural - reportagens

texto
O legado indígena na cidade e no povo carioca

O legado indígena na cidade e no povo carioca

11/08/2014

Você sabe por que a pessoa que nasce no Rio é chamada de carioca? Confira essa e outras incontáveis influências dos primeiros habitantes da cidade em nossa cultura.

Rio Multicultural - reportagens

texto
Chineses no Rio de Janeiro

Chineses no Rio de Janeiro

05/08/2014

A comunidade, presente na cidade desde a vinda da família real portuguesa, tem, hoje, mais de 10 mil imigrantes, que enriquecem a vida carioca com sua cultura milenar.

Rio Multicultural - reportagens

texto
Africanos fazem parte da alma carioca

Africanos fazem parte da alma carioca

07/07/2014

O número de negros – escravos e livres – no Rio de Janeiro do século XIX era o maior entre as cidades das Américas. 

Rio Multicultural - reportagens

texto
Arigatô, Nippon!

Arigatô, Nippon!

24/06/2014

A cultura japonesa integra o dia a dia do cenário carioca, seja na arte, na gastronomia ou nos festejos da cidade.

Rio Multicultural - reportagens

texto
Britânicos hábitos cariocas

Britânicos hábitos cariocas

16/06/2014

Alguns pesquisadores afirmam que a primeira partida de futebol, no Brasil, foi promovida por um escocês que trabalhava em Bangu. Na verdade, os britânicos influenciaram uma série de costumes do Rio do Janeiro.

Rio Multicultural - reportagens

texto
Presença alemã nas esquinas e nos sabores do Rio

Presença alemã nas esquinas e nos sabores do Rio

10/06/2014

Agora é a Copa do Mundo que traz os alemães ao Brasil, mas essa viagem cruzando o oceano é de outros carnavais...

Rio Multicultural - reportagens

texto
Judeus no Rio de Janeiro, uma experiência plural

Judeus no Rio de Janeiro, uma experiência plural

27/05/2014

Com personalidades de destaque nos mais diversos ramos de atuação, imigrantes e seus descendentes vêm influenciando a vida carioca, do comércio à cultura, há gerações. 

Rio Multicultural - reportagens

texto
Espanhóis no Brasil: o início da luta por uma jornada de trabalho mais humana

Espanhóis no Brasil: o início da luta por uma jornada de trabalho mais humana

06/05/2014

Os "braceros", como eram chamados, foram responsáveis pelo início da organização da massa trabalhadora na cidade do Rio de Janeiro, na virada do século XIX para o XX. 

Rio Multicultural - reportagens

texto
Os imigrantes italianos e a Cidade Maravilhosa

Os imigrantes italianos e a Cidade Maravilhosa

15/04/2014

Segundo estudos, mesmo antes da segunda metade do século XIX já havia italianos no Rio de Janeiro, a serviço da corte portuguesa.

Rio Multicultural - reportagens

texto
França-Rio de Janeiro: uma ligação antiga

França-Rio de Janeiro: uma ligação antiga

01/04/2014

No início eram corsários; depois, vieram os artistas; por fim, profissionais especializados, com seus produtos chiques, ao gosto da elite brasileira. Resultado? O charme francês ainda vive entre nós.

Rio Multicultural - reportagens

texto
Rio, uma cidade portuguesa com certeza

Rio, uma cidade portuguesa com certeza

17/03/2014

Aqui, começa a série Rio Multicultural sobre os diversos povos que originaram o carioca do século XXI. Africanos, indígenas e imigrantes contribuíram para a identidade cultural da cidade, mas os portugueses têm papel privilegiado, pois, após o Grito da Independência, nenhum outro fluxo migratório para a cidade foi tão intenso quanto o deles.

Rio Multicultural - reportagens

texto
Hospedaria da Ilha das Flores: porta de entrada virou museu de imigrantes

Hospedaria da Ilha das Flores: porta de entrada virou museu de imigrantes

26/12/2013

O Rio de Janeiro é uma cidade multicultural. Na matéria inaugural da série sobre os imigrantes que deram origem à população carioca, conheça a primeira parada, na Ilha das Flores.

Rio Multicultural - reportagens