Fanzine, história em quadrinhos (HQ), revista, jornal, livro, programa de rádio ou de TV, campanha publicitária, fotografia, vídeo, podcast, game, blog, site, perfil em rede social. É longa a lista de produções que os alunos da Rede Municipal vêm realizando nos últimos anos. Professores não apenas utilizam equipamentos digitais para passar o conteúdo como também incentivam, durante as aulas, o exercício do senso crítico em relação ao cinema e ao noticiário. A tudo isso se chama mídia-educação, que em 2015 virou objeto da pesquisa “Projetos de mídia-educação nas escolas da Rede Pública Municipal do Rio de Janeiro e aprendizagem escolar”, realizada pelo Instituto Desiderata e pelo Grupo de Pesquisa, Educação e Mídia (Grupem) da PUC-Rio, em parceria com a Secretaria Municipal de Educação (SME).
Em 2016, continua a investigação sobre as práticas pedagógicas em que os alunos se apropriam das mídias, como produtores ou consumidores, assim como a avaliação de seu impacto sobre a aprendizagem. Por ora, já se sabe que 80% das escolas têm como prática pedagógica a análise específica de filmes, fotografias e matérias jornalísticas, enquanto rádio e internet são avaliados com uma frequência menor. Cineclubes, encontros de cinema e notícias utilizadas como fonte primária de informação pelos professores são os mecanismos facilitadores desse processo. Livros não didáticos (94,3%) e música (92,2%) também são dispositivos para abordagem de conteúdos escolares recorrentes em sala de aula. Cerca de 40% das escolas produzem materiais escritos – entre revistas, HQs, livros, jornais e fanzines – em frequência considerada boa: diária, semanal, mensal ou bimestral.
Rosália Duarte, coordenadora do Grupem e professora do Departamento de Educação da PUC-Rio, concedeu uma entrevista em que faz uma retrospectiva do trabalho já realizado, enquanto avalia as próximas perspectivas do projeto.
Portal MultiRio – Qual foi a motivação para a realização da pesquisa conjunta?
Rosália Duarte – Meu grupo vem trabalhando com mídia-educação há 15 anos. O Instituto Desiderata também já vinha desenvolvendo um trabalho na Rede Municipal sobre adolescentes. Nós nos juntamos à Simone Monteiro, da Gerência de Mídia e Educação da SME-RJ, pela afinidade de interesses. Não é possível pensar sobre o adolescente, hoje, sem considerar a mídia.
PM – Quais foram as principais conclusões da primeira fase?
RD – Os resultados nos permitem dizer que a política de mídia-educação é de Estado e não de governo, ou seja, não é um fenômeno transitório. Eles sugerem uma longevidade que vem sendo construída há pelo menos 30 anos. Quando a mídia-educação surgiu, nos anos 1980, as primeiras diretrizes da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) e de outros organismos internacionais recomendavam aos professores realizar análises de produtos midiáticos com os alunos, ensinando como dialogar com o conteúdo da mídia. Com o tempo e as mudanças tecnológicas, a mídia-educação passou a ser vista como um projeto mundial, em que os jovens deixam clara sua necessidade de se apropriar das linguagens midiáticas e de se tornar, também eles, realizadores. A mídia está muito presente tanto na cultura quanto no cotidiano das crianças e dos adolescentes. Atualmente, a média é de 70% das escolas da Rede Municipal de Ensino que fazem, regularmente, análise de produtos de mídia. E 91% delas têm projetos de mídia-educação com bons resultados.
PM – Como será a segunda fase da pesquisa e qual a previsão de conclusão?
RD – Nosso objetivo, agora, é olhar de perto as escolas que têm práticas mais consolidadas e como se manifesta esse repertório cultural. De início, escolhemos seis unidades, que serão objeto de uma pesquisa qualitativa por quatro meses, mas esse número ainda pode aumentar. A apresentação dos resultados deve acontecer em novembro de 2016.
PM – A qualidade da conexão de internet nas escolas ainda deixa a desejar. A que se deve isso?
RD – É uma questão de infraestrutura. A Secretaria Especial de Ciência e Tecnologia da cidade do Rio de Janeiro está tentando entender o porquê de a banda larga ter má qualidade – na maioria das escolas, ela é de apenas 2 mega, que não sustentam o acesso de 30, 50 usuários simultaneamente. Mas eu chamo a atenção para um aspecto: a cultura digital ainda não faz parte da nossa lógica educacional, ou a comunidade escolar já teria pleiteado melhores condições do serviço. Não é possível pensar em educação escolar sem internet. Hoje, o professor usa o computador para estudar e preparar a aula em casa. Precisamos melhorar essa combinação deletéria da falta de cultura digital no processo pedagógico com a falta de infraestrutura.
PM – De que forma se pode comprovar que os resultados melhores das avaliações dos alunos se relacionam ao uso das mídias e aos projetos de mídia-educação?
RD – Todas as escolas com consistência, permanência e abrangência desses tipos de projeto têm bons resultados no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb). Nossa primeira suspeita é de que a aposta na mídia-educação traz, sim, um melhor retorno. Ou, então, pode ser que a escola, com seus problemas de aprendizagem já resolvidos, se sinta mais à vontade para experimentar. É o que vamos avaliar na segunda etapa da pesquisa.