Apáticos, sem motivação, estranhos e/ou com dificuldades de trabalhar em grupo. Assim, muitas vezes, são citados os alunos mais introvertidos. Do outro lado, estão os que participam da aula verbalmente, interagem com o professor durante as explicações e apresentam trabalhos individuais ou em grupo com desenvoltura – os extrovertidos. Será que a escola é projetada para ambos os estudantes? Educadores estão considerando os diferentes tipos de personalidade na hora de planejar aulas e propor atividades?
Para o psicólogo Ricardo Eleutério dos Anjos, doutor em Educação Escolar, a relação professor-aluno é um dos principais elementos que contribuem para o processo de ensino e aprendizagem, e uma educação voltada aos diferentes tipos de personalidade é um premente desafio do educador.
Em entrevista ao Portal MultiRio, ele explica que, apesar de algumas pessoas terem uma tendência à introspecção, serem mais “fechadas”, enquanto outras são mais “abertas” e impulsivas, isso não é algo inato. Ou seja, o indivíduo não nasce introvertido ou extrovertido. Da mesma forma, segundo o psicólogo, não se pode dizer que existe um tipo “puramente” introvertido ou extrovertido.
“Em linhas gerais, uma atitude introvertida de um aluno pode proporcionar reflexão, concentração e escuta. Daí alguns preferirem estudar em locais quietos, onde possam se concentrar e aprofundar assuntos. Por outro lado, uma atitude extrovertida se caracteriza por formas de agir, sentir e pensar mais explícitas, impulsivas e exibicionistas. Mas essa dinâmica vai ser definida por necessidades e interesses que são formados na atividade social do indivíduo, nas condições concretas da vida de cada um. Como diz o psicólogo russo Alexei Leontiev, a personalidade não nasce, ela se faz.”
Ainda na visão do especialista, quando não se compreendem essas dinâmicas da personalidade, é possível que surjam alguns estereótipos.
“Uma atitude extrovertida pode ser interpretada como uma atitude arrogante, enquanto uma tendência introvertida pode ser interpretada como apatia do aluno. O problema é, portanto, quando naturalizamos essas formas de conduta, como se fosse algo inerente e estático da pessoa.”
O excesso de trabalhos em grupo
Autora do livro O poder dos quietos e de textos sobre introversão e timidez publicados no jornal The New York Times, Susan Cain destaca, em sua palestra do TED (acrônimo de Technology, Entertainment, Design; em português: Tecnologia, Entretenimento, Planejamento), que a grande quantidade de trabalhos em grupo proposta em sala de aula – mesmo em Matemática ou Redação, que poderiam depender de “voos solo de pensamento” – demonstra uma expectativa de que as crianças ajam como membros de um comitê, e faz com que as que preferem simplesmente trabalhar ou ficar sozinhas costumem ser vistas como estranhas ou, pior, como problemas. A autora questiona, ainda, o porquê de se fazer com que os introvertidos sintam-se culpados por vez ou outra querer estar sozinhos.
“A solidão é, muitas vezes, um ingrediente crucial para a criatividade. [...] A solidão importa e para algumas pessoas é como o ar que respiram. E, de fato, sabemos há séculos do poder transcendente da solidão. Só agora é que começamos, estranhamente, a esquecê-lo.”
Na visão da autora, escolas são geralmente projetadas para os extrovertidos e sua necessidade de muita estimulação. Em seu livro, ela faz um apelo.
“Parem com a loucura de trabalho em grupo constante. Precisamos de muito mais privacidade, liberdade e autonomia no trabalho e na escola. Claro que precisamos ensinar às crianças a trabalhar juntas, mas também temos que ensiná-las a fazer isso sozinhas, o que é particularmente importante para crianças extrovertidas. Elas precisam trabalhar sozinhas porque, em parte, é daí que vem o pensamento profundo.”
Em busca do equilíbrio
Para Ricardo Eleutério, se a professora ou o professor entender que o bom aluno é somente aquele que faz perguntas e participa ativamente de toda a aula, aí, então, a escola estará se voltando aos extrovertidos.
“Com a tendência pedagógica pautada no empreendedorismo, o que a educação escolar espera do aluno são atitudes extrovertidas. Essa visão pragmática desdenha uma atitude introvertida, como se isso fosse ruim. Mas não podemos nos esquecer de que uma atitude introvertida é indispensável para a apropriação de determinados conteúdos que exigem reflexões, um distanciamento momentâneo das várias atividades da vida cotidiana”, explica o psicólogo.
“Os processos de introversão e extroversão devem ser compreendidos na sua contradição e num movimento dialético. O ser humano precisa desenvolver ambas as capacidades para que se desenvolva de forma integral e completa. Assim, o papel da escola seria o de promover a superação dessa
dicotomia”, conclui.
Como incluir e valorizar igualmente todos os alunos
No capítulo Como educar crianças quietas em um mundo que não consegue ouvi-las, Susan Cain propõe aos professores alguns pensamentos, listados a seguir:
– Equilibre seus métodos de ensino para servir a todas as crianças da turma. Extrovertidos tendem a gostar de movimento, estímulo, trabalho colaborativo. Introvertidos preferem palestras, tempo de descanso e projetos independentes. Faça uma mistura justa.
– Um pouco de trabalho colaborativo é bom para introvertidos, e até mesmo benéfico. Mas ele deve acontecer em grupos pequenos – pares ou trios – e ser cuidadosamente estruturado para que cada criança saiba seu papel.
– Faça com que os alunos extrovertidos aprendam com seus colegas introvertidos. Ensine a todas as crianças como trabalhar de forma independente.
– Não coloque crianças quietas em lugares próximos às áreas de “alta interação” da sala de aula. Elas não vão falar mais nessas áreas; apenas vão se sentir mais ameaçadas e terão problemas para se concentrar. Facilite a participação em aula para os introvertidos, mas não insista.
– Introvertidos, muitas vezes, têm um ou dois grandes interesses que não são necessariamente compartilhados por seus colegas. Às vezes, eles são influenciados a se sentir estranhos pela força dessas paixões, quando, na verdade, estudos mostram que esse tipo de intensidade é um pré-requisito para o desenvolvimento de talentos. Elogie essas crianças por seus interesses, encoraje-as e ajude-as a encontrar amigos que pensem de forma parecida, se não na sua sala de aula, fora dela.
– Não pense na introversão como algo que necessita ser curado. Se uma criança introvertida precisar de ajuda com habilidades sociais, ensine-a ou recomende treinamento fora do horário de aula, exatamente como faria com um aluno que precisa de atenção extra em Matemática ou leitura.
Fontes:
Livro O poder dos quietos, de Susan Cain.
ELEUTÉRIO, Ricardo. A teoria dos tipos psicológicos de Jung e sua contribuição para a relação professor-aluno.