A Jornada de Planejamento e Formação Pedagógica 2022, que aconteceu entre os dias 2 e 4 de fevereiro, contou com lives e palestras voltadas para o Ensino Fundamental e a Educação de Jovens e Adultos (EJA) e para a Educação Infantil.
A palestra de abertura foi com o educador António Nóvoa, reitor honorário da Universidade de Lisboa.
Confira os temas que foram abordados com foco na Educação Infantil:
Os desafios da Educação Infantil na atualidade, por Aristeo Leite Filho
Doutor em Ciências Humanas – Educação, professor da Faculdade de Educação da Uerj e coordenador do Fórum Municipal de Educação do Rio de Janeiro, Aristeo Leite Filho falou sobre os desafios da Educação Infantil na atualidade.
A diferenciação entre os temos “educação” e “ensino” foi o ponto de partida da palestra.
“O termo ‘educação’ não foi colocado na legislação por descuido, ele se diferencia do ‘ensino’. O ensino é uma das formas de educar. Educação está num sentido mais amplo. Precisamos abandonar a ideia, sobretudo na Educação Infantil, de que a escola ensina e a família educa. Na Educação Infantil, temos que ensinar e que educar e, mais do que isso, cuidar das crianças e ter cuidado com cada um dos profissionais da equipe”, defendeu.
Para que a interação seja satisfatória, alegre e leve na Educação Infantil, segundo Leite, é preciso haver espaço – e não apenas físico, mas um ambiente e um clima institucional – que permita que as crianças tenham livre expressão.
“É fundamental que haja espaço para a manifestação e a expressão dos diferentes sentimentos – alegria, tristeza, ansiedade, preocupação, dor etc. Não reprimir sentimentos fortalece a ideia da livre expressão”, pontuou, dizendo que crianças aprendem o que vivenciam.
De acordo com Aristeo Filho, creches e EDIs devem ser um espaço que favoreça experiências que a acontecem por meio da convivência entre os indivíduos e que permita descobertas, no sentido mais amplo – pequenas questões do cotidiano, fenômenos naturais etc.
O professor da Uerj enfatizou que a Educação Infantil é um direito das crianças e que os educadores devem ser os primeiros profissionais a assegurar, garantir, proteger e divulgar esse direito. Destacou, ainda, que crianças precisam ser respeitadas como tal.
“É preciso entender que crianças nascem com vontade própria, com capacidade de aprender e de se desenvolver, nascem com sexualidade. Criança é gente, precisamos defender essa ideia. Elas precisam ser respeitadas. Não é na força, na violência e no controle que vamos fazer com que elas se eduquem para se constituírem os indivíduos que desejamos que elas sejam. Esse modelo fracassou, até porque a educação autoritária tem boas intenções, mas que não funcionam”, ressaltou.
O educador reforçou que a Educação Infantil tem uma identidade própria, apesar de ser muito comum a antecipação de práticas escolares das séries iniciais do Ensino Fundamental na Educação Infantil, por dificuldade de encontrar encaminhamentos e práticas a serem desenvolvidas.
“As crianças são crianças na Educação Infantil. A partir do Ensino Fundamental, começam a entrar no mundo escolar propriamente dito. E isso as caracteriza como alunos e alunas. Precisamos pensar em práticas, percursos, vivências e convivências na perspectiva de respeitar crianças como crianças. Fazê-las deixar de serem crianças é apostar em práticas ‘escolarescas’ que impõem procedimentos pedagógicos rígidos, inadequados à faixa etária. Excessos, inclusive, de atividades pedagógicas”, criticou Aristeo Filho.
O especialista afirma que a antecipação da escolarização não traz nenhuma vantagem para o desenvolvimento infantil das crianças, muito menos para o rendimento escolar delas nos primeiros anos do Ensino Fundamental.
“Crianças que chegam ao Ensino Fundamental sabendo se expressar, sabendo narrar vivências, curiosas, investigadoras, bisbilhoteiras, certamente, terão possibilidades inúmeras de novas aprendizagens na sua escolaridade formal, na sistematização dos conhecimentos sobre a língua escrita ou sobre conteúdos escolares quaisquer das séries iniciais”, garantiu.
A Educação Infantil Intersetorial e Inclusiva, por Marcia Gil
Marcia Gil, psicóloga, mestre e doutora em Educação pela Uerj – onde atua no Núcleo de Estudos da Infância –, atuou como professora da Prefeitura do Rio por 32 anos.
Ela iniciou a palestra destacando a finalidade da Educação Infantil, segundo a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB): o “desenvolvimento integral da criança até cinco anos de idade em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social”.
Então, Marcia Gil criticou a ideia da “criança universal”, que, segundo ela, muitas vezes fora disseminada durante a formação de professores.
“O que existe são crianças reais do nosso cotidiano, que têm marcas da cultura atual e vivem as relações atuais. Precisamos desconstruir a ideia de que temos uma solução mágica que acolhe todas as crianças e resolve todas as situações. Isso não existe”, afirmou, enfatizando que cada criança é singular.
Segundo a psicóloga, em se tratando dos primeiros anos de vida de uma criança, é importante se pensar no aspecto da arquitetura do cérebro.
“É, justamente, no período da Primeira Infância que as primeiras trajetórias neuronais vão se constituindo e evoluindo na velocidade das experiências vividas pelas crianças. Portanto, a qualidade e as possibilidades de ampliar o repertório dessas experiências é fundamental quando se pensa no desenvolvimento das crianças. Experiências são grandes precursoras das aprendizagens”, explicou Marcia Gil.
A educadora afirmou que, culturalmente, tem-se o hábito de olhar a criança primeiro pela deficiência e, então, de olhar para ela com piedade e/ou achando que ela não conseguirá desempenhar determinadas tarefas.
“A discussão é a de validar as existências, o que significa considerar as diferenças das crianças e entendê-las como elas são. Quando há crianças incluídas na nossa turma, o que passa na nossa cabeça, além das dificuldades da prática pedagógica? Alguma coisa mais nos deixa angustiados? O preconceito ainda faz parte da nossa visão? Entender que se tem preconceitos é o primeiro passo para desconstruí-los”, ressaltou.
“Se eu trago a ideia do ‘não’, se olho na perspectiva do ‘menos’, essas crianças ficam muito marcadas por uma ideia de poucas experiências. Se penso, por exemplo, que não adianta levar um aluno porque ele não terá a mesma experiência dos outros, vou tolindo as experiências dele e criando problemas pro seu processo de desenvolvimento”, completou.
Marcia Gil enfatizou que a prática pedagógica deve abarcar todas as crianças e que, ainda que existam dificuldades, é tarefa do professor pensar sobre o que pode ser feito para potencializar as capacidades das crianças. Para isso, ela propôs que os educadores observem como as crianças aprendem e como se desenvolvem, para poder pensar nas propostas e nas experiências que melhor poderão contribuir para cada uma delas.
“É muito importante registrar e acompanhar as aprendizagens e o desenvolvimento das crianças, por meio da escrita e do registro por fotos e por vídeos da produção das crianças. Os registros nos ajudam a organizar o que vamos aprendemos com elas. Esse acompanhamento é um grande instrumento para conhecermos a criança, aprimorarmos a forma de atendê-las e, assim, reorganizar as ações pedagógicas”, orientou.
Entre os desafios para uma Educação Infantil intersetorial e inclusiva, Marcia Gil elenca o rompimento de concepções segregadoras, homogeneizadoras e preconceituosas em relação a crianças com deficiências; a eliminação de barreiras – arquitetônicas, comunicacionais, sociais e atitudinais; e o trabalho coletivo entre escola, família, Saúde, Assistência Social e outras pastas.
“A criança é responsabilidade de todos.”