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Revolta da Vacina foi o maior motim da história do Rio
21 Janeiro 2016 | Por Sandra Machado
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A Revolta da Vacina serviu de inspiração para incontáveis charges, como a de Leonidas, publicada na revista O Malho em outubro de 1904

Barricadas pelas ruas, depredação do patrimônio público e do privado, perdas humanas. Em novembro de 1904, o caos tomou conta das ruas do Rio de Janeiro por quase duas semanas, no episódio que ficou conhecido como a Revolta da Vacina. Mas a inoculação obrigatória contra a epidemia de varíola foi apenas o detonador de um processo de disputas de poder que envolvia diversos setores da sociedade carioca de importância nacional, já que, na época, a cidade era a capital federal e, logo, sede do governo.

A orquestração das manifestações tinha uma origem política de dupla natureza: tanto monarquistas quanto republicanos militares, alguns deles positivistas, buscavam uma forma de desestabilizar a gestão de Rodrigues Alves, civil e presidente em exercício, que era acusado de privilegiar cafeicultores paulistas em sua gestão. Nos anos 1880, o político tinha sido responsável por transformar o Porto de Santos no mais importante do país, graças às reformas realizadas durante o período em que ocupou o governo do estado de São Paulo. A partir da profilaxia implantada, obteve resultados bastante positivos e a efetiva diminuição da incidência da varíola e da febre amarela.

Pano de fundo

A Revolta da Vacina, ocorrida entre 10 e 20 de novembro de 1904, deixou um saldo oficial de 23 mortos e 67 feridos e teve como pretexto a vacinação e a revacinação compulsória de toda a população brasileira, conforme determinado pela Diretoria-Geral de Saúde Pública (DGSP), a cargo do médico sanitarista Oswaldo Cruz. No entanto, no bojo da rebelião – que se refletiu também em Salvador e em Recife –, o que ocorria era um amplo embate entre diferentes mentalidades, relativo a crenças políticas, morais – a vacinação expunha o corpo feminino – e até religiosas, uma vez que a vacina dos médicos não tinha credibilidade entre os seguidores do candomblé.

Presidente Rodrigues Alves

Sabe-se que o serviço de vacinação havia sido introduzido no país cerca de um século antes, sem jamais ter gerado qualquer revolução. De 1883 a 1894, 12.329 imigrantes e nativos do Rio, especialmente os moradores de cortiços, tinham, inclusive, participado de uma vacinação maciça contra a febre amarela. Contudo, a abordagem de Domingos Freire, médico e professor da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro que desenvolvera a vacina, não tinha nada de impositiva. Autorizado pelo ministro da Justiça e Negócios Interiores, José Cesário de Faria Alvim, o médico achou melhor colocar anúncios nos jornais, convidando eventuais interessados em se submeter às inoculações de prevenção da doença.

Naquele momento histórico, o capital financeiro necessitava extinguir qualquer associação da cidade à imagem de atraso, problema que atrapalhava a entrada de investimentos, de maquinaria e de mão de obra especializada vindos do exterior. Para isso, era urgente sanear todo o perímetro urbano, arrasando os morros que impediam a circulação do ar puro, demolindo as construções insalubres que se amontoavam no Centro e combatendo três mazelas que deram ao Rio a fama de cidade pestilenta. Companhias europeias chegavam a anunciar cruzeiros marítimos que seguiam direto para a Argentina, sem a necessidade de fazer a arriscada escala brasileira.

Mobilização geral pela saúde

Como primeira providência, depois de assumir o cargo em março de 1903, Oswaldo Cruz tratou de criar as Brigadas Mata-Mosquitos, como forma de exterminar os vetores de transmissão da febre amarela. A população, por sua vez, não entendia que um simples mosquito pudesse ser responsável pelo contágio, ao passo que a imprensa ridicularizava não apenas as campanhas, mas também a pessoa do sanitarista. Ainda assim, o médico prosseguia, imbuído do seu compromisso com a saúde pública. Mandou espalhar veneno contra ratos e tornou obrigatório o recolhimento do lixo, para enfrentar a peste bubônica transmitida pelas pulgas que infestam esses roedores. Entrava em cena um novo tipo de funcionário público, assim como um novo tipo de biscateiro – o comprador municipal de ratos, que pagava 300 réis por animal apreendido, o que levou muita gente a iniciar uma lucrativa criação doméstica.

A cultura popular logo se apropriou da temática, gerando uma série de canções e espetáculos. Um exemplo é a polca Rato, Rato, Rato, de Casemiro Rocha e Claudino da Costa, que termina com versos que dizem: “Vou provar-te que sou mau, meu tostão é garantido, não te solto nem a pau”. No teatro de revista, Alfredo Silva lançou uma marchinha que pegou no carnaval: “Faço negócio de ratos, sou uma grande ratazana, sustento um mano e uma mana, três filhos e quatro gatos”. Até então, a militância do Dr. Oswaldo Cruz era encarada com o bom humor que é marca registrada do carioca.

No caso da varíola, o desafio aumentava, porque era necessário vacinar a população. Desde meados do século XVI, a doença fazia muitas vítimas no Rio. Por isso mesmo, a vacina descoberta pelo cientista britânico Edward Jenner foi imposta por lei no país, primeiro apenas para as crianças, em 1837, mas depois também para os adultos, a partir de 1846. No inverno de 1904, as autoridades sanitárias se decidiram por um combate emergencial, quando o Hospital de Isolamento São Sebastião alcançou quase duas mil internações.

Quem se recusasse à vacinação poderia não apenas ser multado, mas também sofrer uma série de sanções no dia a dia. O comprovante era exigido para realização de contrato de trabalho, viagem, casamento, alistamento militar, matrícula em escolas públicas e até mesmo para se hospedar em um hotel. A insatisfação popular ganhava cada vez mais espaço nos jornais e, entre julho e agosto, o número de vacinas aplicadas caiu de 23 mil para apenas seis mil mensais. Com o respaldo da lei federal, as Brigadas Sanitárias passaram a entrar nas casas e vacinar as pessoas à força.

Para piorar a situação, não houve nenhum plano de construção de moradias populares vinculado ao “bota-abaixo” promovido pelo prefeito Pereira Passos, que, só no Centro, mandou demolir mais de 600 cortiços. Sendo assim, famílias inteiras foram desalojadas sem apelação e ficaram sem ter para onde ir. Vivendo de salários irrisórios ou como vítimas do desemprego, acabaram se transferindo para os morros e para a periferia da cidade, o que só fez aumentar o sentimento de rejeição ao poder público.

Cronologia da revolta

Lauro Sodré foi uma das figuras centrais do episódio da Revolta da Vacina. Além de senador, o coronel reformado era professor na Escola Militar da Praia Vermelha. No dia 5 de novembro de 1904, quando um grupo se articulou para fundar a chamada Liga contra a Vacina Obrigatória, ele se tornou, também, seu presidente. Dali a quatro dias, o vazamento do texto com uma regulamentação ainda mais rigorosa da vacinação, conforme publicado no jornal A Notícia, desencadeou a sequência de confrontos pelas ruas da cidade, que logo fugiu totalmente ao controle daqueles que insuflaram a rebelião.

Oswaldo Cruz realizou um trabalho pioneiro em políticas públicas de saúde no país

Cavalaria da Brigada Policial de um lado, turba enfurecida com paus e pedras do outro, o Centro se transformou em uma praça de guerra. Bondes foram incendiados, lojas depredadas, iluminação pública destruída. No terceiro dia do confronto, os manifestantes marcharam, aos milhares, até o Palácio do Catete, sede do governo, que reagiu, convocando tropas de Niterói e até de São João Del Rei. A agitação se espalhou em direção aos bairros ao sul e ao norte, enquanto na região central tiroteios eram frequentes. Os revoltosos arrancaram os trilhos dos bondes, cortaram as linhas telefônicas e invadiram delegacias e hospitais. Bombeiros, Exército e Marinha saíram em auxílio à força policial, que já não dominava a turba.

Enquanto isso, no Clube Militar, começou a ser tramado um golpe que deveria se iniciar pela Escola Militar da Praia Vermelha e pela Escola Tática de Realengo. O plano culminou com um confronto sangrento conhecido como Combate da Rua da Passagem. Na madrugada do dia 15 de novembro, embarcações de guerra abriram fogo contra os revoltosos. A rebelião se encerrou apenas no dia 20, depois de revogada a obrigatoriedade da vacina. O Congresso Nacional decretou, preventivamente, estado de sítio por 30 dias, no Distrito Federal e na Comarca de Niterói. O saldo final contava cerca de 950 detidos na Ilha das Cobras, dos quais 461 foram deportados para o Acre e, em boa parte, não sobreviveram muito tempo às condições hostis na selva amazônica de então.

Mesmo com a revogação da obrigatoriedade de tomar a vacina, as exigências vinculadas à apresentação do atestado foram mantidas. Nos anos seguintes, oscilou bastante a ocorrência da varíola na cidade do Rio de Janeiro: 3.500 vítimas fatais em 1904, nove em 1906, 6.550 em 1908, uma em 1910. Apesar disso, vem dessa fase o nome cunhado por Coelho Neto em um texto publicado por A Notícia, e que até hoje faz o Rio ser conhecido como Cidade Maravilhosa. A única batalha necessária, esta contra a doença, só foi realmente vencida na década de 1970, quando passou a ser considerada erradicada de todo o Brasil.

O Mochileiro do Futuro relembra revoltas populares

Na série produzida pela MultiRio, o protagonista encontra um par de óculos que permitem viajar no tempo e conhecer as principais revoltas ocorridas na História do Brasil. Nos primeiros episódios, que podem ser vistos na Videoteca do Portal MultiRio imagens e gravações históricas revelam como aconteceram a Revolta da Chibata, a Guerra de Canudos e a Revolta da Vacina.

Fontes:

Cadernos da Comunicação – Série Memória. 1904, Revolta da Vacina, a maior batalha do Rio. Rio de Janeiro: Secretaria Especial de Comunicação Social, 2006.

Dicionário Histórico-Biográfico das Ciências da Saúde no Brasil (1832-1930) – Casa de Oswaldo Cruz / Fiocruz.

MATTOS, Revelino. Revolta da Vacina (1904): varíola e vacinação. In: Anais do I Colóquio do Laboratório de História Econômica e Social. Universidade Federal de Juiz de Fora, 2005.

SOIHET, Rachel. Cidade febril. Revista de História Social, Campinas, n. 6, p. 183-187, 1999.

 
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