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O samba é plural
02 Dezembro 2015 | Por Sandra Machado
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joao baianaAs inúmeras possibilidades no modo de se fazer samba permitem afirmar seu status de destaque entre outros ritmos musicais. Especialistas apontam a existência de, pelo menos, três dezenas de variações que se originaram dele. O de gafieira, só instrumental, ficou conhecido nas apresentações de orquestras pelos salões de dança. O raiado, trazido ao Rio pelas tias baianas, se diferencia pelo acompanhamento de pratos raspados com facas e transformados em instrumentos de percussão. Segundo o Dossiê das Matrizes do Samba no Rio de Janeiro, do Centro Cultural Cartola, existem, no entanto, três principais eixos de definição: o partido-alto, o samba de terreiro e o samba-enredo.

O padrão mais antigo, ligado a tradições folclóricas de caráter rural e religioso, ficava mais próximo do maxixe. O segundo, mais urbano, foi o que acabou gerando o maior número de subdivisões, como o samba-canção ou o samba de breque. Essa tensão se revela de forma bastante explícita entre o jovem Ismael Silva e o mais experiente Donga, a quem se atribui a autoria do marco Pelo Telefone, de 1917. Para Ismael, o primeiro samba gravado seria um maxixe. Para Donga, Se Você Jurar, composta por Ismael em 1931, não passava de uma marcha.

dongaComo nem os pesquisadores de música conseguiram chegar a um consenso, a passagem de um estilo para o outro recebeu a denominação de “paradigma do Estácio”, em referência aos pais das primeiras escolas de samba, que se concentravam no bairro. Certo mesmo é que não dá para resistir e não se deixar levar pela cadência bonita, arriscando uns passos, mesmo sem saber dançar, e engrossando o coro de vozes numa boa roda, se a memória para as letras deixar. Ou, como dizem os versos de Eu Sambo Mesmo, do compositor Janet de Almeida, “mexe com a gente, dá vontade de viver”.

Partido-alto

Nascido das rodas de batucada, se caracteriza pelo compasso acompanhado das batidas na palma da mão e pela repetição do refrão. Pode ser definido como uma forma de desafio entre dois ou mais versadores, que recorrem aos versos improvisados. Tem origem nas chulas, no samba rural paulista, no samba de roda baiano e no calango. Dadas suas características, é a variação do samba menos suscetível a gravação, o que pode ser explicado pelo processo histórico de desenvolvimento do gênero.

Tudo indica que a segunda parte fixa na letra do samba foi um fenômeno surgido para atender à demanda do mercado fonográfico. O disco como produto da indústria cultural necessitava de uma autoria determinada, que se sobrepôs à criação coletiva original. Mas, durante essa transformação, a música era praticamente o próprio refrão, enquanto o restante aparecia durante a apresentação, tanto no partido-alto quanto no samba de terreiro. Assim, os bambas eram justamente aqueles que se sobressaíam, tanto nas tiradas rápidas quanto no humor e na criatividade – daí sua respeitabilidade no grupo.

darcyPor isso mesmo, entre as subdivisões do samba enquanto metagênero, o partido-alto se destaca como o que está mais ligado às suas matrizes socioculturais, pela necessidade de realização no ambiente da comunidade, assim como pela sociabilidade e pelo grau de espontaneidade que engendra.

Samba de terreiro

Guarda as características do congraçamento do partido-alto, com uma diferença fundamental: desde os anos 1930, quando começaram a se constituir as escolas de samba, é a modalidade feita para consumo interno. Por isso, a roda de samba do terreiro tem relação com a estrutura da agremiação e também com suas formas de organização social e musical, reunindo basicamente a nata dos compositores da comunidade.

Assim sendo, pode-se dizer que o samba de terreiro é mais uma prática do que propriamente um estilo e, principalmente, autodeterminado: os sambistas o definem como tal. Por isso mesmo, apresenta grande variedade estilística. Os sambas são mais autorais e a temática, geralmente, gira em torno da exaltação da escola, reforçando a identidade coletiva. Com o avanço dos anos, os terreiros foram se transformando nas quadras e, hoje, é livre a circulação do público, inclusive de outras escolas.

Samba-enredo

Feito em razão da apresentação no desfile, sua estética se constrói em função da evolução e da harmonia do conjunto. Destaca a participação da bateria e seus versos primam pela narratividade. Durante a primeira década de existência, as escolas não tinham qualquer compromisso com um enredo definido para sair no carnaval, e salgueirodesfilavam com dois ou três sambas. É consenso entre os historiadores que apenas a partir dos anos 1940 se intensificou a tendência para um maior planejamento em torno do enredo único. Inclusive, em 1946, segundo o jornalista Sérgio Cabral, os versos improvisados foram oficialmente proibidos nos desfiles.

O samba inteiro, e não apenas o refrão, se destina a ser cantado por toda a escola e, no melhor dos mundos, também pelo público. O crescimento da importância do enredo leva a um aumento na extensão das músicas, já que existe a preocupação de se contar uma história com base folclórica, biográfica ou literária. Da mesma forma, dado o crescimento do número de integrantes do carnaval como espetáculo televisivo, em especial a partir da inauguração do Sambódromo carioca, na Avenida Marquês de Sapucaí, em 1984, também o andamento do samba-enredo se tornou mais acelerado, para facilitar o cumprimento do quesito cronometragem.

Outras derivações

O samba de breque tem um ritmo acentuadamente sincopado, entremeado com paradas súbitas, os breaks, que dão nome ao estilo. A estratégia serve para dar tempo ao cantor de inserir algum comentário falado, geralmente alguma piadinha sobre o tema. “Foi uma criação de Antônio Moreira da Silva, mais conhecido como Moreira da Silva ou Kid Morengueira”, lembra o jornalista Pedro Paulo Malta. O estilo teria surgido acidentalmente, quando o cantor, na tentativa de melhorar um samba fraco, inventou de inserir um comentário, em meio a uma apresentação no Méier, em 1936.

Já o samba-canção dá ênfase a uma melodia romântica e teve seu auge na década de 1930. De início circunscrito ao teatro de revista, passou a interessar os compositores do circuito comercial a partir do sucesso da composição Ai, Ioiô, de Henrique Vogeler, Marques Porto e Luis Peixoto, lançada em 1928. O gênero era conhecido, também, como “samba de meio de ano”, pois surgia sempre fora do período do carnaval.

Fonte: Dossiê das Matrizes do Samba no Rio de Janeiro

 
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