Memes são um fenômeno que faz parte da realidade de adultos e de adolescentes, seja em imagens legendadas, em vídeos virais ou em expressões disseminadas nas mídias sociais. Pensando nisso, muitos professores vêm propondo atividades de criação, de interpretação e de análise de memes, até mesmo para avaliar o conhecimento dos estudantes sobre conteúdos curriculares.
Fotos de figuras populares e de animais, personagens mal desenhados, linguagem repleta de erros ortográficos e gramaticais propositais são alguns dos elementos possíveis. Mas, apesar de serem conhecidos pelo viés do humor, os memes também são usados nas redes para discutir conteúdos e demandas sociais, como o feminismo e a questão racial.
O sucesso dessa linguagem é tanto que já existe, desde 2015, um Museu de Memes iniciativa de pesquisadores da Universidade Federal Fluminense (UFF) voltada ao estudo, à catalogação e à preservação de memes. Já foram cadastradas no acervo mais de duas centenas de famílias de memes (conjuntos temáticos específicos).
A origem do termo "meme"
O termo meme vem do grego mimeses (imitação) e foi proposto pelo biólogo e escritor britânico Richard Dawkins, em 1976 – muito antes da popularização na internet. Segundo ele, de forma semelhante ao papel exercido pelos genes na evolução biológica, o meme seria responsável pela transmissão de informações de determinada cultura – hábitos, crenças, teorias etc. – que podem ser apreendidas e transmitidas de pessoa para pessoa.
Para saber mais sobre essa história, acesse o site do Museu de Memes.
Atividades com memes na aula de História
Não é incomum encontrar memes que abordem conteúdos históricos de maneira bem humorada – muitas vezes se apropriando de imagens de memes já existentes –, como na página História no Paint, com mais de 700 mil curtidas no Facebook. Luisa Quarti Lamarão, doutora em História pela UFF e professora do setor curricular de História do Colégio de Aplicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (CAP-UFRJ), também se apropriou desse gênero, em atividades realizadas com alunos do Ensino Fundamental II (7º e 9º anos).
A experiência foi contada no artigo O Uso de memes nas aulas de História, publicado em 2019 em uma edição especial da Revista Periferia, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), sobre memes.
Segundo a professora, a escolha por trabalhar com memes se deu em função do reconhecimento das transformações nas formas de leitura entre os estudantes, além do reduzido tempo (50 minutos) para a realização de avaliações periódicas. “A forma de ler mudou, mas o interesse pelo conhecimento entre a juventude, se devidamente estimulado, irá sempre existir. Assim, no lugar de textos históricos que muitas vezes não despertavam o interesse no jovem, foram inseridos os memes em alusão a algum processo histórico estudado”, destaca Luisa, reforçando que essa nova linguagem demanda uma interpretação imagem-texto que leva a um exercício de leitura de mundo, e não à simples cópia de um conteúdo memorizado.
Usando o meme como ponto de partida de uma discussão, e não apenas ilustração de um tema, a docente elaborou uma avaliação cujos enunciados, do início ao fim, continham memes. Um deles apresentava a imagem de Napoleão Bonaparte com os seguintes dizeres: “Você acha que R$0,20 não é motivo para ir às ruas e mudar tudo/ Sabe qual foi o estopim para a Revolução Francesa? O preço do pão”. Então, a questão – que fazia alusão a manifestações populares ocorridas em 2013 no Rio de Janeiro – pedia que o aluno explicasse o motivo da eclosão da revolução e, também, analisasse o protagonismo das camadas populares em momentos históricos de ruptura.
“Dessa forma, abre-se espaço para reflexões sobre o conceito de revolução e o caráter dos agentes históricos, comumente associados aos chamados ‘grandes homens’. E mais: desfaz a ideia difundida com frequência de que a disciplina curricular História trata apenas de temas antigos e ‘mumificados’, sem relação com o presente”, explica a professora.
Além dessa experiência, que surpreendeu e caiu nas graças dos alunos, a docente fez uma proposta contrária, pedindo que os estudantes criassem memes a partir de imagens, distribuídas por Luisa, relacionadas à Revolução Industrial. “Foi requisitado que, em grupos, eles próprios elaborassem seus memes a partir das discussões sobre o processo e as consequências sociais da industrialização inglesa do século XVIII. O resultado mais emblemático dessa atividade foi o trabalho que colocou como legenda o termo ‘Belas, recatadas e do lar’ para uma imagem de mulheres operárias em greve na Europa”, conta a professora.
O resultado foi tão positivo que muitos dos memes criados pelos alunos foram usados em avaliações posteriores, deixando-os empolgados, seguros e confiantes, segundo a docente. “E, nesse momento, o ciclo se fechava, pois os alunos viam-se como protagonistas do processo de aprendizagem, em uma culminância de todo o processo de discussão dos conteúdos históricos: eram ao mesmo tempo produtores e consumidores desse conhecimento”, conclui.
Concurso de memes é estratégia para envolver alunos
Um concurso de memes foi realizado com alunos do projeto Núcleo do Adolescente Multiplicador (NAM), da Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro (SME-Rio), por iniciativa do professor Djalma Roubert Lage dos Anjos, responsável pelo NAM na E.M. José Clemente Pereira (7ª CRE), na Cidade de Deus. “A ideia era tentar fazer algo lúdico para aumentar a participação dos alunos no grupo do Facebook e, ao mesmo tempo, trabalhar questões do isolamento social e do ensino remoto. Foi uma forma de saber como está sendo essa situação para eles”, explica Djalma.
O concurso foi realizado no mês de julho e teve como vencedora a aluna Thainá da Conceição Monteiro, 15 anos, da E.M. Bernardo de Vasconcellos (4ª CRE), na Penha. “Não tinha dado muita bola ao concurso no início, mas decidir participar. Fico o tempo todo vendo memes, por que não fazer um? Como sabia que ninguém faria um meme com um professor, porque iam achar desrespeito, decidi fazer, com o Nilo. Ele é novo na escola, mas já criamos uma amizade”, conta a aluna, referindo-se ao docente responsável pelo NAM na Bernardo de Vasconcellos. “Como é meu último ano na escola, queria ser mais presente, deixar minha marca, acho que consegui”, complementa.
“Nós, adolescentes, gostamos muito de memes. O meme ajuda muito porque tem gente que não sabe como falar sobre os assuntos. Tem memes só pra se divertir, brincar, sem magoar ninguém; e memes de coisa séria. Tem muitas coisas que fazemos na internet e que poderia ter na escola também, como aulas de grafite pelo computador, que até já fizemos na Bernardo”, sugere Thainá, que diz gastar sua energia envolvendo-se em todas as atividades propostas pela escola.
Memes como ferramenta para introduzir debates na escola
Em 2018, o professor Djalma desenvolveu uma atividade usando memes para falar sobre drogas com alunos do NAM na E.M. Mano Décio da Viola (7ª CRE), na Taquara, que, na época, também eram liderados por ele. “Muitos alunos pediram que trabalhássemos esse tema. Decidi fazer isso por meio de memes, que eles gostavam bastante, para ficar mais lúdico e suave, já que eram alunos do 6º ano”, explica o docente, que imprimiu memes da época e levou para os alunos montarem um cartaz associando determinadas substâncias a sensações e efeitos causados por elas no corpo humano.
“O meme do Caetano Veloso com a frase ‘como você é burro’, por exemplo, vinha com o título ‘dificuldade de raciocínio’ e foi associado aos nomes de várias substâncias, lícitas e ilícitas, que provocavam isso”, explica Djalma, comentando que a atividade foi uma forma de introduzir o debate entre os alunos, de provocá-los a falar.
Memes na aula de Língua Portuguesa
Um trabalho com memes foi desenvolvido, também, na E.M. José Clemente Pereira, pela professora de Língua Portuguesa e, atualmente, coordenadora da unidade, Adriana Braga. Na proposta, os alunos do 9º ano criaram memes sobre temas como alimentação saudável, importância do sono, empoderamento feminino e sexualidade, no âmbito de um projeto da escola sobre qualidade de vida.
“Dividi a turma em grupos e pedi que criassem memes com os rostos deles mesmos, produzindo a fotografia, inclusive. Primeiro, falei sobre o que são memes, como e por que eles “viralizam”. Então, trabalhamos a produção textual e a adequação vocabular. Muitos alunos disseram que ‘fazia parte ter erros de Português’, mas argumentei que, na escola, nosso papel é ter cuidado com a norma culta”, relembra a professora. “Além disso, abordei a questão ética, ressaltando que o humor pelo humor não é bacana, para que não houvesse excessos e desrespeito com eles mesmos e com os colegas”, completa Adriana, que também é formada em Jornalismo.
Os trabalhos foram expostos em um mural na escola e, segundo a docente, os alunos adoraram se ver nas imagens.
“Temos feito um esforço para pensar em atividades diferenciadas, que despertem o interesse e motivem os alunos. Em tempos de isolamento social, o trabalho com memes se encaixa perfeitamente”, conclui.