Clara Camarão foi uma indígena da etnia potiguara que lutou e liderou um grupo de mulheres contra as invasões holandesas, em meados do século XVII, em Pernambuco. Seu nome está inscrito no Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria, que homenageia personagens que tiveram papel fundamental na construção do Brasil.
Apesar de sua trajetória ser contestada pela falta de documentos históricos que comprovem suas realizações, pesquisadores destacam que tal lacuna pode ser associada à invisibilidade feminina e ao pouco prestígio de personagens indígenas na História.
No povoado de Tejucupapo, em Pernambuco, todos os anos, um grupo de mulheres encena a batalha que marcou a trajetória de Clara Camarão, reverenciando a luta feminina contra os invasores e, também, contra o preconceito.
Clara Camarão: biografia
Clara Camarão nasceu no século XVII, no Rio Grande do Norte, apesar de ter vivido na capitania de Pernambuco. Recebeu o nome “Clara” quando foi batizada no cristianismo – não há registros de seu nome original indígena. Já o sobrenome se deve à união com o também indígena Poti (nome tupi cuja tradução é “camarão”), conhecido por Antônio Felipe Camarão – que, assim como ela, foi catequizado por padres jesuítas.
Segundo registros, Clara acompanhou o marido em batalhas contra os invasores holandeses. Sua primeira missão oficial, porém, foi liderando uma tropa feminina que escoltava famílias em busca refúgio na cidade de Porto Calvo, em Alagoas, na década de 1630.
Na data provável de 23 de abril de 1646, no episódio conhecido como a Batalha de Tejucupapo, Clara teve grande atuação. Quando os holandeses souberam que as tropas lideradas por Felipe Camarão haviam sido convocadas para proteger Salvador, tentaram invadir Tejucupapo, região no litoral pernambucano. Porém, foram surpreendidos pela tropa feminina.
As mulheres ferveram tonéis de água e adicionaram pimenta. O vapor foi levado pelo vento e atingiu o exército holandês, deixando os combatentes com os olhos ardendo, desnorteados pela pimenta. Foi, então, que elas atacaram. As potiguaras surpreenderam os invasores com a pontaria e a força com que usavam seus arcos, seus tacapes (arma feita de madeira, semelhante a uma pequena espada) e suas lanças – e triunfaram.
A bravura dessas mulheres – que ficaram conhecidas como “Heroínas de Tejucupapo” – fez com que elas fossem chamadas para participar de um dos maiores confrontos contra os holandeses, a primeira Batalha de Guararapes (1648). Derrotados, os holandeses se renderam em 1654, no Recife.
Homenagens a Clara Camarão
Por sua atuação, Clara desfrutou das regalias do título de “Dona”, oferecido a membros da alta nobreza e a grandes chefes militares. Segundo o Dicionário das Mulheres do Brasil, ela também recebeu a comenda de hábito de Cristo, um privilégio estritamente masculino.
No povoado de Tejucupapo, localizado no município de Goiana, em Pernambuco, no último domingo do mês de abril, um grupo de mulheres encena a batalha ocorrida na região, reverenciando as guerreiras que lutaram contra os invasores holandeses. As apresentações, que acontecem desde 1993, são realizadas pela Associação Grupo Cultural Heroínas de Tejucupapo.
Em 2017, o nome de Clara Camarão foi incluído no Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria, que fica no Panteão da Pátria, na Praça dos Três Poderes, em Brasília. A indígena também é homenageada na Refinaria Potiguar Clara Camarão (2009), localizada em Guamaré (RN), a primeira do Brasil que leva o nome de uma mulher.
Fontes:
FAGUNDES, Igor Pereira. A história do Índio Felipe (Poti) Camarão. Dissertação (Mestrado Profissional) em História, Universidade Federal Fluminense, 2016.
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