Silêncio e solidão. Mesmo com estes companheiros de infância – e, bem provavelmente, com a ajuda deles... –, Cecília Meireles aprendeu a construir uma ponte entre seu rico mundo interior e a realidade, chamada poesia. Quem não conhece este trecho de O Romanceiro da Inconfidência, de 1953? “Liberdade, essa palavra que o sonho humano alimenta, que não há ninguém que explique e ninguém que não entenda...” E quem nunca viu um gato que “volta apressado, com certo ar de culpa”?
Professora, escritora e ensaísta, Cecília Meireles nasceu no Rio de Janeiro em 1901, filha de Carlos Alberto de Carvalho Meireles e de Matilde Benevides Meireles, três meses depois da morte do pai. Perdeu a mãe antes de completar três anos de idade e foi criada pela avó materna, que, muito religiosa, exerceu uma forte influência em sua forma de ver a vida. Foi, também, a única sobrevivente dos quatro filhos do casal e atribuía a essas perdas o aprendizado das relações entre o efêmero e o eterno. “A noção ou o sentimento da transitoriedade de tudo é o fundamento mesmo da minha personalidade. (...) Às vezes, um poema viaja comigo muito tempo sem ser escrito. Se não lhe dou muita importância, vai embora.”
Depois de uma trajetória escolar brilhante, assim que ficou adulta começou a escrever e a publicar livros de poesias, no Brasil e em Portugal, sempre envolvida em diferentes atividades simultaneamente. Trabalhou como professora primária na Escola Municipal Deodoro, na Glória. Preocupada com a educação no Brasil, subscreveu o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova¹. Atuou, também, como jornalista em diferentes periódicos, e teve uma coluna sobre o assunto no Diário de Notícias, entre 1930 e 1931. Três anos mais tarde, criou a primeira biblioteca para crianças na cidade do Rio, que funcionou no Centro Infantil do antigo Pavilhão Mourisco², em Botafogo, durante quatro anos.
De 1935 a 1938, lecionou Literatura Luso-Brasileira, além de Técnica e Crítica Literária, na Universidade do Distrito Federal, atual Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Em 1940, foi docente de Literatura e Cultura Brasileira na Universidade do Texas, nos Estados Unidos. Mesmo tendo se aposentado como diretora de escola em 1951, continuou a produzir programas culturais para a Rádio Ministério da Educação, no Rio de Janeiro. Especialista em folclore, realizou inúmeras viagens a América do Norte, Europa, Ásia e África, dando palestras sobre o assunto, bem como sobre literatura e educação.
A poesia de Cecília Meireles se transformou em música por iniciativa de diferentes artistas, entre os quais Camargo Guarnieri, Francisco Mignone e Fagner. Não apenas seus textos foram publicados em diversos idiomas, como ela também traduziu peças teatrais e obras literárias de Federico Garcia Lorca, Rabindranath Tagore, Rainer Maria Rilke e Virginia Woolf. A fim de ler Goethe no original, aprendeu alemão, entre outros tantos idiomas, do sânscrito ao hebraico. Em 1953, foi agraciada com o título de Doutora Honoris Causa pela Universidade de Déli, na Índia. Nos anos 1960, recebeu o Prêmio de Tradução/Teatro, concedido pela Associação Paulista de Críticos de Arte, e ganhou o Prêmio Jabuti de Tradução de Obra Literária pelo livro Poemas de Israel, concedido pela Câmara Brasileira do Livro. “Viajar, para mim, nunca foi turismo. Viagem é alongamento de horizonte humano”, ensinava.
Tanto quanto de escrever, Cecília gostava de recuperar palavras esquecidas. Como Solombra, título do último livro, ganhador do Prêmio Jabuti de Poesia de 1964. “Tenho pena de ver uma palavra que morre. Solombra, por exemplo, é o nome antigo de sombra”, explicou.
Com o primeiro marido, o pintor português Fernando Correia Dias, teve três filhas: Maria Elvira, Maria Mathilde e a mais conhecida, a atriz Maria Fernanda. Viúva, se casou com o engenheiro agrônomo Heitor Grilo, que conheceu numa entrevista. Morreu de câncer em 1964 e, no ano seguinte, o governo do então estado da Guanabara batizou de Sala Cecília Meireles um importante salão de concertos carioca, situado no Largo da Lapa. O nome da E.M. Cecília Meireles (5ª CRE), em Vila Cosmos, também homenageia a escritora.
“Educação, para mim, é botar, dentro do indivíduo, além do esqueleto de ossos que já possui, uma estrutura de sentimentos, um esqueleto emocional. O entendimento na base do amor.”
¹Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova: Publicado em 1932, o documento reivindicava uma escola pública de qualidade para todos entre 7 e 15 anos de idade. Participaram da redação 26 intelectuais, entre os quais Anísio Teixeira, Roquette-Pinto e Cecília Meireles.
²Pavilhão Mourisco: Edifício projetado pelo arquiteto Alfredo Burnier e construído na primeira década do século XX, funcionava como um salão de chá e restaurante. A biblioteca infantil de Cecília Meireles foi fechada em 1937 pelo Estado Novo. A construção foi destruída em 1952 para a abertura do Túnel do Pasmado.
Fontes:
Última entrevista, realizada por Pedro Bloch para a revista Manchete (edição nº 630, maio de 1964)
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