Com a preocupação de fazer convergir pesquisa e prática, a neuropediatra Stella Santos abriu as palestras do 7º Fórum Pensar a Infância, na manhã do dia 9 de setembro. Mestre em Neurologia Infantil pelo Instituto Fernandes Figueira/Fiocruz, ela tem um recurso infalível para iniciar o diálogo com os pacientes mais tímidos no Hospital Universitário Pedro Ernesto, onde atua: pergunta ao que assistem na TV. “É a melhor forma de chegar até eles”, afirma, destacando a importância que a cultura e a linguagem do audiovisual mantêm, há décadas, para o público infantil. Embora engrosse as fileiras de quem critica o conteúdo voltado para a violência e para a alienação, a médica reconhece, nas produções audiovisuais, uma influência indireta, sutil e cumulativa que pode ser, também, educativa, além de bastante lúdica e prazerosa.
Dentro da lógica de não demonizar nenhuma tecnologia e – pelo contrário – arregimentar esforços em prol do desenvolvimento infantil, a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) determinou, em 1999, a inclusão de uma seção para audiovisuais e multimídia em todas as bibliotecas e outras instituições, como lembra Stella. O plano de ação objetiva melhorar a saúde como um todo – sob o ponto de vista cognitivo, social e emocional das crianças. “A capacidade de identificação e de imitação do público infantil com o que vê na tela é enorme.”
Amadurecimento gradual
De acordo com a neuropediatra, apenas 25% do cérebro está completamente formado no dia do nascimento. Aos 2 anos de idade, esse índice se eleva até 80%, chegando a 90% na faixa dos 10 anos e a 100% no fim da adolescência. Por isso é tão grande a necessidade de estímulos externos durante a infância. A neuroplasticidade do cérebro modifica sua estrutura física de acordo com a informação que chega de fora. “Aprender uma segunda língua, por exemplo, inaugura uma nova rota de sinapses. Embora seja mais fácil durante a infância, o fenômeno da modificação do sistema nervoso em função da experiência acontece pela vida toda. É uma escolha nossa se tornar o que a gente quer ser.”
Uma vez que o desenvolvimento infantil ocorre por etapas, é recomendável adequar o conteúdo exposto ao espectador mirim. Há quem vete terminantemente os filmes para bebês antes de 2 anos. No entanto, Stella acredita que podem ser exibidos materiais com duração de até 15 minutos, se forem lentos e tranquilos, e também cheios de formas, cores e música, com uma linguagem simples e concreta. Entre 2 e 3 anos, fase em que se inicia a compreensão da função simbólica, são recomendados os vídeos que inspirem a imitação de movimentos e coreografias. Dos 4 aos 5 anos, a criança intensifica as habilidades de memória e atenção e já acredita num modelo mágico do mundo. É uma boa época para apresentar as identidades de gênero, os jogos mais elaborados e buscar trabalhar, nos desenhos animados, a noção de altruísmo e a forma de lidar com agressividade e medos. “A TV oferece modelos para comparação e existe uma inclinação à confusão entre ficção e realidade. É uma boa fase para incentivar a sensibilização ecológica, já que a criança desperta para a relação com a natureza.”
Dos 6 aos 8 anos, os pequenos são capazes de fazer descobertas por conta própria: se dá o início do raciocínio e os personagens ganham importância. Vale investir na dramatização, na criação de histórias e no pensamento abstrato, que aflora. A criança já é capaz de acompanhar um filme de longa metragem, distinguir entre fantasia e realidade e estruturar seu senso crítico. “É interessante trabalhar a noção de medo e de separação, exibir enredos com heróis e, também, com personagens que assustam”, recomenda a especialista.
Até os 9 anos, histórias de luta entre o bem e o mal ou de reinos encantados auxiliam na construção dos valores morais. Não por acaso surge, também nesse período, o enfrentamento com adultos. Entre os 10 e os 11 anos, a tendência do pré-adolescente é se afastar da família, fazer reivindicações e despertar para o consumo, além de atribuir mais importância aos atributos físicos inatingíveis exibidos na TV, que parece ganhar mais credibilidade do que a família e a escola. A identificação se transfere para atores e apresentadores. É recomendável estimular a garotada à discussão dos assuntos do momento, por meio de telejornais, e até à participação em clubes de audiovisual.
De maneira geral, Stella lembra que a neurociência propõe aos pais ir além da exposição ao audiovisual, ou seja, garantir o sagrado direito à infância. “Não se trata de ter crianças enquadradas, sem considerar qualquer experiência pessoal, que também é formadora da personalidade e da aprendizagem.” A médica critica o estabelecimento de uma agenda infantil muito pesada e recomenda mais comedimento, ressaltando o exagero com que os adultos tentam tratar de pequenos distúrbios, com excesso de terapias que não deixam nenhum tempo livre para os pequenos brincarem.
“Eu pergunto à mãe: você conversa com seus filhos? Dá medo constatar que a mãe trabalha, o pai está fora e a TV acaba sendo o educador.” A neuropediatra condena, ainda, a necessidade que os adultos têm de manter a criança ocupada, a fim de se liberarem para suas próprias atividades, muito por falta de conhecimento de uma premissa bem simples: o melhor estímulo é o afeto. “Já que existem tantas estatísticas indicando o tempo absurdo que as crianças passam em frente à televisão, só nos resta buscar uma oferta de qualidade. É pertinente considerar que existem outros estímulos, além da família e da escola. Mas nada substitui o contato humano.”