Já dizia o arquiteto alemão Ludwig Mies Vander Roh, referência no século XX e inspiração para muitos profissionais brasileiros até hoje: menos é mais. Ele se referia à arquitetura, mas a apropriação pode ser feita para pensar a influência da imigração alemã na cidade do Rio de Janeiro – ainda que esses imigrantes tenham vindo em menor número do que os oriundos de países como Itália, Espanha e Portugal.
No Brasil, os alemães influenciaram a arquitetura, a culinária e a industrialização. A inovação tecnológica veio com o uso racional do solo e os engenhos movidos a água. Foram os alemães, também, que introduziram o cultivo do trigo e a criação de suínos no país.
Na alimentação, trouxeram as carnes salgadas e defumadas, as linguiças, as salsichas, a cerveja e o chope, palavra originada do alemão Schoppen, uma unidade de medida equivalente a cerca de meio litro.
Do Brasil para o Rio
A presença alemã se destaca em vários bairros da cidade. Na Gávea está localizada a sede da Sociedade Germania (Gesellschaft Germania) – a mais antiga associação cultural e recreativa de caráter étnico surgida no país; a Lapa abriga a Escola Superior de Desenho Industrial (hoje integrada à Uerj), primeira instituição a oferecer um curso de Design de nível superior no Brasil, inspirada e criada sob influência alemã; o bairro do Méier recebeu esse nome em referência ao dono das terras daquela região, Augusto Duque Estrada Meyer (acompanhante do imperador dom Pedro II), de ascendência e sobrenome alemães; no Rio Comprido, o Hospital do Amparo foi fundado por alemães em 1912; e também o atual Hospital Central da Aeronáutica , antes Hospital Alemão, e, na época, considerado o hospital de mais alto padrão técnico do Rio de Janeiro. Inaugurado em 1957, o Instituto Cultural Brasil Alemanha, hoje também conhecido como Goethe-Institut, fica no Passeio. E isso sem falar nos bares e restaurantes especializados na culinária típica alemã, como a Adega do Pimenta, em Santa Teresa, o Bar Brasil e o Bar Ernesto, na Lapa.
No Rio, a Alemanha virou até samba, no carnaval em 2013, quando a Unidos da Tijuca homenageou o país no enredo Desceu Num Raio, É Trovoada! O Deus Thor Pede Passagem pra Mostrar Nessa Viagem a Alemanha Encantada, que retratou a cultura e a contribuição alemã em diversos campos de conhecimento. O desfile marcou o lançamento informal do ano Alemanha + Brasil 2013-2014, que visa a promoção de negócios, apresentação de oportunidades e discussão de estratégias de cooperação entre os dois países.
Em 3 de outubro de 2012, data em que se celebra a unificação da Alemanha, o Cristo Redentor brilhou em preto, vermelho e dourado. Mas toda essa influência vem de longa data, quando os primeiros imigrantes germânicos chegaram ao Brasil...
Por que os alemães vieram?
Para entender esse processo imigratório é preciso analisar as condições da Alemanha e do Brasil naquela época. No século XIX, a Europa passou por grandes transformações sócio-político-econômicas. Na primeira metade dos anos 1800, as consequências da Revolução Francesa, da Abolição da Escravatura e da Revolução Industrial resultaram numa difícil condição de vida para os povos de língua alemã.
A industrialização, iniciada na Inglaterra no século XVIII, trouxe efeitos negativos aos artesãos, já que a máquina produzia mais e melhor. A vacinação em massa da população acelerou o crescimento populacional e não havia emprego para tanta gente. A guerra da Alemanha com a França, embora tivesse terminado em 1815 com a derrota de Napoleão, não mudou as péssimas condições pelas quais o país passava tanto nas cidades como no campo. Assim, movida pela esperança de vida melhor, uma parte da população partiu para as Américas.
Pelo lado do Brasil, apesar de precisarmos de mão de obra para a agricultura, esse não foi o fator determinante para a vinda dos alemães. O fato é que o governo pretendia promover o “branqueamento” da população, principalmente no Sul. Havia, também, um interesse político por parte da família real portuguesa, que queria estabelecer laços de amizade com povos germânicos para que Portugal tivesse apoio contra o império francês. Assim, no Brasil do século XIX, abriram-se excepcionais condições para a imigração europeia.
Os primeiros imigrantes
Os primeiros alemães vistos como imigrantes se estabeleceram no Rio de Janeiro a partir de 1808, atuando no comércio de exportação e importação. Até 1822, vinham atraídos, principalmente, pela abertura dos portos, que viabilizou suas atividades comerciais. Eram negociantes, artistas, naturalistas e cônsules, além de mercenários aliciados para as forças armadas brasileiras.
Os imigrantes germânicos, ou seja, dos muitos países que existiam naquela época na atual Alemanha e Áustria, foram predominantes durante a primeira fase da colonização, que durou até 1830. Um dos principais fatores que explicam essa preferência é o fato de a imperatriz d. Leopoldina, esposa de d. Pedro I, ser austríaca e, portanto, de origem germânica.
Durante o Primeiro Império, a entrada desses imigrantes era feita pelo Porto do Rio de Janeiro e, daqui, eles eram encaminhados aos seus locais de destino, principalmente no Sul do país. Isso aconteceu porque o imperador dom Pedro I, movido por questões de segurança nacional, diante das sucessivas disputas territoriais naquela área de fronteira, criou um programa de imigração para lá. Contingentes mais representativos aportaram nessa região a partir de 1824, ano em que foi fundada a colônia agrícola de São Leopoldo, no Rio Grande do Sul.
Nessa época, muitos imigrantes também foram para Nova Friburgo, na região serrana do Rio, onde havia sido instaurada uma colônia suíça. Sem condições de abrigar tantos novos moradores, por volta de 1840, parte deles foi para Petrópolis. Até hoje essa cidade apresenta marcas da presença alemã, que vão desde quarteirões que ficaram conhecidos pelo nome de localidades alemãs (para que os colonos se sentissem à vontade e lembrassem da terra natal) até a Bauernfest – Festa do Colono Alemão –, que exalta as tradições, cultura e gastronomia germânicas.
Na cidade do Rio, a maioria dos alemães morava em regiões mais centrais e urbanas. Boa parte deles foi para Santa Teresa, por ser um local mais alto, mais fresco e, ao que se acreditava, distante do risco da malária. Naquela época, a doença era um grande problema sobretudo no centro da cidade, onde existiam mangues que atraíam o mosquito transmissor. Muitos alemães também foram para o Rio Comprido, visto como uma área residencial tranquila, mas não muito distante do centro. A abertura de novas paróquias nos subúrbios refletiu a dispersão das famílias alemãs e de seus descendentes pela cidade do Rio, expulsas das zonas nobres pela especulação imobiliária.
Reflexos da Segunda Guerra Mundial
Em 1942, navios da Marinha Mercante Brasileira foram torpedeados por supostos submarinos alemães. Com isso, apesar de simpatizar com o Eixo fascista (Alemanha, Itália e Japão), o então presidente Getúlio Vargas se viu obrigado a assinar a Carta do Atlântico, em que rompia relações diplomáticas e comerciais com esses países. A medida trouxe muitas consequências aos alemães e descendentes que viviam no país.
Se antes já havia certa antipatia, depois da guerra declarada tudo piorou. Muita gente foi presa e acusada injustamente, até por interesses pessoais. Alemães que ocupavam cargos mais altos foram afastados, residências foram apedrejadas e destruídas e eles sequer podiam falar a própria língua.
A Escola Allemã (Deutsche Schule), criada em 1862, ficou sob intervenção, passando, depois, a chamar-se Colégio Cruzeiro – hoje com unidades no Centro e em Jacarapaguá. O Hospital Alemão, no Rio Comprido, tornou-se Hospital Itapagipe – nome da rua onde está localizado –, até ser incorporado à Aeronáutica e chamar-se Hospital Central da Aeronáutica. A sede da Sociedade Germania, na Praia do Flamengo, foi confiscada e entregue a União Nacional de Estudantes (UNE).
O Bar Luiz, na Rua da Carioca, especializado em culinária alemã, também sofreu com o clima de revolta instaurado. Aberto em 1887, com o nome de Zum Schlauch, na Rua da Assembleia, depois de algumas variações no nome, passou a ser chamado de Bar Adolph, uma referência ao antigo dono, o carioca Adolph Rumjaneck. A mudança ocorreu devido a uma lei de 1915, que proibia que estabelecimentos comerciais tivessem letreiros com nomes em língua estrangeira. Quando foi para a Rua da Carioca, o bar novamente teve que mudar de nome, já que muitos achavam que se tratava de uma homenagem ao ditador alemão Adolf Hitler.
Essa associação equivocada fez com que, em 1942, jovens estudantes do Colégio Pedro II, no Centro, fossem até o local determinados a depredar o bar, tamanha a revolta frente às mortes de brasileiros no episódio do torpedeamento dos navios. Lá, foram impedidos de agir por intervenção de Ary Barroso, compositor e apresentador de um conhecido programa de calouros da Rádio Tupi, que tomou a defesa do Bar Adolph, explicando o mal entendido. “Diga ao Seu Luiz que é bom ele ir pensando em um novo nome para o bar”, teria falado o locutor da gaitinha após o acontecido.
Todo esse quadro inibiu por alguns anos a presença alemã no Rio de Janeiro, mas, a partir de 1950, mais instituições e sociedades foram criadas e ampliadas.
Alemão no morro
A origem do nome Morro do Alemão – no complexo de mesmo nome, localizado na Zona Norte da cidade – está, na verdade, em um imigrante polonês. Na década de 1920, Leonard Kaczmarkiewicz adquiriu terras na Serra da Misericórdia, na então região rural da Zona da Leopoldina. A população local referia-se ao proprietário como “o alemão” e, assim, a área ficou conhecida como Morro do Alemão.
É inegável: do Império aos dias atuais, o Rio ainda tem um “quê” de alemão.
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