De tempos em tempos, vemos a mídia fazendo uma matéria falando dos perigos do uso dos videogames e colocando em questão a violência dos jogos de ação. São sempre opiniões diversas que pouco ou quase nada ajudam na decisão dos pais.
Precisamos, inicialmente, entender que a indústria dos videogames acompanha e reflete o momento em que vivemos. Por isso, videogame não é mais violento do que a televisão, os jornais ou qualquer outra mídia. Na verdade, se seguirmos o que diz a pesquisadora Elizabeth Rondelli, do Núcleo de Estudos e Projetos em Comunicação da UFRJ e uma das organizadoras do livro Linguagens da Violência, concluiremos que “os meios de comunicação operam como macrotestemunha social e dão uma visibilidade exagerada da violência para o público. A mídia interfere no fato, dramatiza e exagera na cobertura do episódio violento".
Por outro lado, um estudo feito pela RSNA (Radiological Society of North America) com 44 adolescentes, os expôs a rodadas de 30 minutos de jogatina, alternando entre um título violento (Medal of Honor: Frontline) e outro não tão violento (Need For Speed Underground). Quando expostos ao primeiro, os pesquisadores notaram um aumento de atividades na área do cérebro responsável pelas emoções e um declínio nas áreas responsáveis pelo autocontrole, pelo foco e pela concentração. Esta pesquisa, embora não diga diretamente que os jogos influenciam, reabre as discussões acerca da má influência dos videogames.
Para confundir ainda mais, a cada mês vemos uma pesquisa contradizer a outra, e voltamos, novamente, à estaca zero.
Minha experiência mostra que os videogames só influenciam adolescentes se estes já possuem alguma característica perturbadora, ou seja, o problema não está no jogo, na televisão ou no cinema, e sim no próprio indivíduo.
Com todo este foco nos tiroteios, os pais acabam por não perceber o que é realmente violência nos jogos. Assim como no Brasil a real violência está na fome e no sofrimento de milhares de pessoas nas filas dos hospitais, a real violência dos jogos está nas mensagens que poucos jogos tentam passar.
Este é o caso de jogos, na grande maioria para computadores e disponíveis para download pela internet, que tentam divulgar ódio, racismo, promover conflitos ou fazer propagandas de interesses diversos. E que, mesmo tratando de temas considerados violentos, não são diferentes dos abordados por filmes que passam diariamente e a qualquer hora em nossa televisão.
O poder de persuasão dos videogames
A primeira coisa que precisamos saber é que a indústria dos jogos hoje é maior do que a do cinema e está em pleno crescimento. Com a chegada da TV digital, de tecnologias mais avançadas de celulares e de computadores com preços a cada dia mais acessíveis, a tendência é só aumentar.
Hoje, a indústria americana gira com dois dígitos de bilhões de dólares empregando em um só projeto mais de 200 profissionais por até dois anos. Caso o jogo venha a ser bem-sucedido, o projeto continua até que as vendas caiam. Desta forma, jogos como Counter Strike sobrevivem ao tempo, passando de uma década.
O resultado é um mercado de trabalho aquecido e muitas oportunidades de emprego em vários pontos do planeta. É um mercado totalmente globalizado e à frente de seu tempo. Você pode trabalhar em casa para uma empresa localizada em qualquer ponto do planeta ou mesmo ser contratado para trabalhar em outros paises.
Outro ponto que devemos ter em mente é que todo jogo é construído para ser convincente e que, em alguns anos, não haverá como diferenciar os gráficos 3D das imagens reais. Somadas a isso, técnicas de inteligência artificial e simulações físicas avançam, dando ainda mais realismo.
Também precisamos saber que nem sempre os gráficos precisam ser realistas para serem convincentes. Pesquisas realizadas com o apoio de Paul, sócio de Bill Gates, mostraram, em uma publicação na revista Scientific American, que, mesmo com gráficos muito simples, nossa mente os trata como realidade. Para chegar a esta conclusão, colocaram um paciente em tratamento de queimaduras jogando um videogame bastante simples. Durante o tratamento, que é extremamente doloroso, observou-se uma redução enorme no índice da dor. Chegaram, então, à conclusão de que, mesmo com gráficos simples, nossa mente imersa no ambiente virtual tratou o que via como realidade e prioridade sobre a dor.
É lógico que, com gráficos realistas, fica ainda mais difícil para nossa mente distinguir o que é virtual do real, e é exatamente aí que começamos.
As técnicas que irei apresentar fazem parte de um número crescente de jogos disponíveis tanto nas plataformas dos computadores pessoais como para consoles. Novamente quero deixar claro que o uso destas técnicas não tem por objetivo convencer pessoas a praticar crimes ou transmitir mensagens subliminares. O objetivo único dos desenvolvedores é o de tornar o ambiente realista para que os jogadores tenham a melhor experiência possível e se divirtam. Lembro, ainda, que muitas destas técnicas não são exclusivas dos videogames, e podem ser encontradas no cinema e em programas de TV.
Técnica 1: capturar sua atenção
Um videogame é um produto como qualquer outro. Não se difere de um brinquedo ou até mesmo de um sabão em pó. Para ser bem-sucedido, precisa ter uma fábrica com muitos funcionários, passar por uma complexa rede de distribuidores, ter um grande investimento em marketing e, finalmente, chegar ao consumidor. São milhares de dólares gastos em eventos, propagandas e embalagens para torná-los mais atrativos em prateleiras a cada dia mais disputadas. Mesmo com o avanço da internet e a tendência de venda direta ao consumidor através de download, as lojas são, ainda, o ponto preferido dos compradores.
Similar a um brinquedo, o game cria uma enorme expectativa e ansiedade e é justamente aí que entra a segunda técnica.
Técnica 2: controle da ansiedade
Não há nada pior para os desenvolvedores do que uma pessoa com uma ansiedade maior ou menor do que a usada pelo jogo. Uma pessoa muito ansiosa faz com que os jogadores pulem as etapas de início do game e, com isso, percam a sequência da história. A primeira coisa que o desenvolvedor precisa fazer, então, é controlar sua ansiedade.
Para isso, fazem uma abertura que vai desde um vídeo obrigatório até um menu cheio de opções, onde se pode escolher desde o sexo do personagem, passando por características físicas, até a escolha de armamentos ou outros utensílios.
Neste momento, são usadas músicas para direcionar sua ansiedade para o estilo do jogo. Se for um jogo onde o medo é o tema, como no caso de Fear e Alone in The Dark, músicas pesadas tocam ao fundo, dando o ritmo.
Técnica 3: a imersão
O objetivo seguinte dos desenvolvedores é desligá-lo do mundo real e levá-lo para dentro do jogo. As técnicas aqui são diversas e incluem os seguintes artifícios:
• Ambientação: antes de começar a ação, é preciso ambientar o jogador. Para isso, posiciona-se o personagem estrategicamente no cenário e ganha-se um tempo para que o jogador possa se localizar e tomar as decisões iniciais. Geralmente usa-se, neste momento, o silêncio ou uma música calma de fundo, fornecendo mapas e uma visão de câmera que favoreça a localização.
• Imersão progressiva por aumento da realidade: os desenvolvedores iniciam com gráficos e simulações físicas menos realistas e vão aumentando com o tempo, sem que você possa perceber.
• Aumento e redução das atividades físicas: com uma distribuição benfeita dos recursos, o desenvolvedor vai aumentando sua necessidade de interação, obrigando você a direcionar o controle de sua atividade física para o jogo.
• Aumento e redução das atividades lógicas: com o controle das atividades físicas e, por consequência, um aumento da atenção para o jogo, é hora de um desafio mental onde o jogador deverá lidar com estratégias, desconfiança, coisas escondidas, charadas, entre muitos outros recursos que irão conquistar mais uma parte de seu cérebro e prender sua atenção.
• Controle do áudio: cerca de 70% da imersão dos jogadores são realizadas com o uso estratégico do áudio. Para isso, os videogames trabalham hoje com tecnologia Dolby 5.1 Surround, disponível somente nos melhores cinemas do país. Com a música certa e o controle do volume variando todo o tempo entre o alto e o baixo, associada à ação do momento, pode-se atrair mais uma parte de nossa mente.
• Controle das ações: usando áudio e imagens, os videogames nos dão sustos e permitem momentos de relaxamento. O intercalar entre estas duas etapas atraem o jogador, e mais um ponto de nosso cérebro está atraído.
• Diálogos: alguns jogos em rede permitem a comunicação entre seus jogadores, criando ataques e defesas em grupo, e criam uma rede onde cada elemento garante a manutenção da atenção do outro.
• Comédia, belezas e deslumbramentos: quase todos os jogos, em algum momento, possuem algo engraçado, uma mulher linda e algo deslumbrante e brilhoso. São técnicas básicas para ganhar um pouco mais de sua atenção.
Após cerca de 30 minutos sendo exposto a todas estas técnicas, um indivíduo jogando sozinho e sem ninguém para atrapalhar sua imersão, estará com mais de 50% de sua mente dando prioridade ao jogo.
Uma cena clássica em família mostra como as crianças se deixam imergir. Uma mãe chama o filho, que está a poucos metros, e ele não responde. Atordoada pela cena, ela grita uma ou mais vezes, e cada vez mais alto, até que seu filho retorne do mundo virtual para o real. Não é raro também vermos esta mesma situação com o uso de desenhos animados ou filmes, usuários frequentes de técnicas similares.
Técnica 4: ganhando sua confiança
Um jogo precisa ser confiável e ter credibilidade. Você precisa ser glorificado e ter algum retorno pelas conquistas e vitórias. Para isso, os jogos permitem ter coisas que no mundo real são caras ou muito difíceis de se conquistar: dinheiro, fama, carrões, mansões, iates, motos e tudo mais.
Ganhar a confiança do jogador é a oportunidade que todo jogo precisa para passar a mensagem que deseja. Este é o recurso mais usado por jogos mal-intencionados que rapidamente transformam seu filho em um líder rico e bem-sucedido.
Dentre as técnicas citadas até aqui, esta é, sem dúvida, a mais perigosa. Valores familiares transmitidos por anos estarão em jogo. É preciso acompanhar pelo menos uma partida, procurando entender e conversando sempre que houver distorções.
Se você obedece à indicação de faixa etária disponível na embalagem do produto, não há grandes preocupações e nem a necessidade de acompanhar o seu filho. Afinal, teoricamente, a Justiça já fez este papel.
Eduardo Azevedo é graduado em Ciência da Computação e mestre em Educação