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A Lua foi só o início...
20 Julho 2016 | Por Sandra Machado
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Estação Espacial Internacional (Fonte: www.publico.pt)

Talvez você já tenha ouvido falar dela e só não esteja se lembrando. Assim como a Antártida, que é um território para exploração científica compartilhado por vários países, mais acima, a 400 quilômetros de altitude, orbitando o planeta, fica a Estação Espacial Internacional (EEI), ou International Space Station (ISS). É ali, viajando a uma velocidade de 27.600 km/h, que acontece a cooperação para a realização de experimentos em microgravidade entre diversas agências: a Nasa (Estados Unidos), a Roscosmos (Rússia), a CSA (Canadá), a Jaxa (Japão) e a ESA (Europa). Foi também onde esteve o primeiro astronauta brasileiro, Marcos Pontes, em 2006.

Fronteira final apenas para humanos

A Estação Espacial Internacional, maior construção da nossa espécie a orbitar a Terra, dá quase 16 voltas completas ao redor do planeta todos os dias. Desde 2 de novembro de 2000 tem estado habitada por pesquisadores. Quanto a se afastar para longe de casa, tudo indica que, por hora, deve demorar. Especialistas como o físico e escritor norte-americano Lawrence M. Krauss, no entanto, desencorajam aqueles que sonham com uma carreira de astronauta: “O conhecimento científico mais interessante sobre o Universo deverá ser obtido por meio de naves espaciais não tripuladas, de robôs e muito menos dinheiro do que o necessário para tirar o homem da órbita terrestre”, afirmou, em artigo publicado na revista Scientific American.

Não se trata, exatamente, de má vontade. Há inúmeros complicadores envolvendo a questão. Mesmo na nossa velha e conhecida Lua, o ser humano não põe os pés desde dezembro de 1972. Em uma estimativa do próprio Krauss, a viagem custaria algo em torno de atuais 200 bilhões de dólares. Mandar homens a Marte teria, ainda, o obstáculo da radiação cósmica. “Durante os 18 meses ou mais necessários para essa missão, provavelmente os astronautas se exporiam a uma dose letal”, afirma o físico, que também condena os gastos de 100 bilhões de dólares da EEI, para ele mais bem empregados nos desafios das mudanças climáticas e da escassez energética. Um detalhe: a estimativa de 18 meses se refere apenas ao trecho de ida...

Diversão ou avanço da ciência?

Entre o desembarque de Neil Armstrong e Buzz Aldrin da Apollo 11 na Lua, em 20 de julho de 1969, e aquele realizado por Eugene Cernan e Harrison Schmitt da Apollo 17, em 11 de dezembro de 1972, apenas 12 homens pisaram na superfície lunar, já que o terceiro homem da tripulação, invariavelmente, devia permanecer no módulo de comando.

Neil Armstrong, Michael Collins e Edwin Aldrin: a águia pousou (Fonte: Nasa on the Commons)

Desde então, a Agência Espacial Americana (Nasa) desenvolveu um cronograma com missões preparatórias, a fim de levar pessoas ao próximo destino espacial. A despeito de opiniões divergentes, a previsão para um desembarque em Marte com a nave Orion, que deve ficar pronta dentro de dois anos, é em 2030. Enquanto isso não acontece, alguns avanços surpreendentes têm trazido a conquista do espaço sideral de volta às manchetes nos últimos meses. Os cientistas conseguiram confirmar a teoria de Albert Einstein sobre as ondas gravitacionais. Dos 1.284 planetas encontrados pela Nasa fora do Sistema Solar, nove são similares à Terra – entre os quais o recém-descoberto Kepler 452B, onde o ano tem a mesma duração que o nosso.

Em 2004, jipes de exploração começaram a buscar evidências de água no Planeta Vermelho (Fonte: Nasa on the Commons)

Um elemento indispensável quando se discute a criação de uma colônia fora deste planeta é a água. Já foi confirmado, no entanto, que existe água salgada no planeta Marte. A sonda Cassini chegou bem próximo a uma das luas de Saturno, chamada Encelado, que possui um oceano quente debaixo de uma crosta de gelo. E também fora do Sistema Solar foram identificadas evidências de nuvens de água – neste caso, ao redor de um corpo celeste batizado de WISE 0855, distante 7,2 anos-luz daqui. O professor de Astronomia e Astrofísica Andrew Skemer, que lidera o estudo na Universidade da Califórnia/Santa Cruz, nos Estados Unidos, informou que a temperatura dessa “estrela falha” ou “anã marrom” gira em torno de 23 graus abaixo de zero. Recentemente, os cientistas observaram o corpo celeste por 13 noites seguidas, utilizando o telescópio Gemini North, a partir da Mauna Kea, ou Montanha Branca, a mais alta do Havaí e ponto de observação com menor turbulência atmosférica do mundo.

Próxima parada: Júpiter

Na madrugada de 5 de julho de 2016, Juno chegou a Júpiter, que fica na sequência logo após Marte, a partir do Sol. Viajando a uma velocidade de mais de 200 mil km/h, a sonda da Nasa é movida a energia solar e custou uma década de trabalho a Rick Nybakken e sua equipe, em um investimento de 1,1 bilhão de dólares. Saiu da Flórida em agosto de 2011 e é capaz de dar uma volta completa ao redor daquele planeta a cada 53 dias. A sonda também vai procurar água na atmosfera do maior gigante do Sistema Solar, além de investigar seu processo de formação, a partir de pesquisas sobre o núcleo da massa e seu magnetismo. Embora não haja tripulação, há três figurinhas Lego de alumínio, com quatro centímetros de altura, dentro do artefato. Em 2018, Juno será destruída, para prevenir que qualquer tipo de contaminação terrestre chegue a Júpiter.

Nos anos 1960, o maior espetáculo já visto

O primeiro ser humano a ver a Terra do espaço – e informar que ela era azul – foi o soviético Yuri Gagarin. Na manhã de 12 de abril de 1961, ele deu uma volta completa em torno do planeta, a uma altitude de 327 quilômetros, o que levou pouco menos de duas horas. A bordo da Vostok 1, que tinha apenas 2,3 metros de diâmetro, saltou de paraquedas em vez de pousar, uma vez que não tinha o controle da nave. Embora o feito tenha colocado a União Soviética em aparente vantagem na disputa da Guerra Fria, a grande virada do programa espacial norte-americano ainda estava por vir.

Edward White foi o primeiro astronauta americano a flutuar fora da espaçonave, em junho de 1965 (Fonte: Nasa on the Commons)

Uma em cada quatro, ou seja, 1 bilhão de pessoas assistiram pela televisão, emocionadas, quando Neil Armstrong e Edwin “Buzz” Aldrin caminharam na Lua, a 384 mil quilômetros de distância. Era 20 de julho de 1969 e, naquela época, a qualidade das transmissões não poderia ser pior. Até hoje, há quem não acredite no feito histórico. Na primeira incursão, ficaram cerca de duas horas na cratera apelidada de Mar da Tranquilidade, onde fincaram a bandeira de seu país, antes de recolher rochas e poeira para análise. Nos dias subsequentes, ainda instalaram aparelhos para estudos remotos, antes de regressar com a Apolo 11, que caiu no Oceano Pacífico, próximo à Polinésia. Todo o projeto custou 22 bilhões de dólares e impulsionou, como nenhum outro, a “política de boa vizinhança” posta em prática pelos Estados Unidos como reação ao avanço do comunismo. Além de ter uma audiência televisiva recorde, as celebridades ainda fizeram uma série de viagens promocionais pelo mundo, incluindo o Brasil, em outubro do mesmo ano.

Longe do glamour cinematográfico

Na verdade, o foguete Saturno 5 não levou a Apolo 11 até a Lua: ele apenas elevou a aeronave até um ponto em que os astronautas puderam, com um acionamento de motor por três segundos, sair do campo gravitacional da Terra e ser sugados pelo do satélite. Para balancear a temperatura da parte voltada para o Sol, os pilotos também faziam a nave girar lentamente em torno do próprio eixo, distribuindo a exposição por todos os ângulos.

Recolhidos do mar por um porta-aviões no dia 24 de julho, Armstrong, Aldrin e Michael Collins estavam malcheirosos, depois de oito dias sem poder tomar banho. Antes de deixar a cápsula, tiveram que vestir um traje de proteção e foram recolhidos a uma quarentena, já que não havia certeza absoluta de que não tivessem trazido consigo algum micro-organismo nocivo à saúde humana. Mas valeu o esforço. Coube a Armstrong a honra de ser o primeiro a pisar na Lua e, também, cunhar a memorável frase: “Um pequeno passo para o homem, um salto gigantesco para a humanidade”.

A sonda Juno em primeiro plano, com Júpiter ao fundo (Fonte: Nasa on the Commons)

Depois de irem à Lua, os norte-americanos apostaram nos ônibus espaciais, com 133 missões militares completadas, com uma média de sete tripulantes cada. Desde o sobrevoo inaugural de Gagarin, estima-se que aproximadamente 600 homens e mulheres de mais de 30 países já tenham estado a serviço no espaço. Ainda é possível chegar a um número aproximado de quantos seres humanos já viram a Terra pela escotilha de uma nave. Mas, de acordo com Naelton de Araújo, não por muito tempo. Formado há 30 anos pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), onde funciona o único curso superior de graduação em Astronomia do país, ele contou ao Portal MultiRio mais alguns aspectos a respeito desse instigante tema.

Portal MultiRio – Voos tripulados para outros planetas compensam o custo e o risco?

Naelton de Araújo – Todo pesquisador sério sabe que a finalidade desse tipo de voo é propaganda. Ele exige naves mais complexas e um custo muito alto. É possível conseguir resultados até melhores em voos não tripulados. Dou curso de Astronáutica – ciência de navegação e exploração do espaço – e costumo dizer que, nesse ramo, 70% é política e apenas o restante envolve técnica.

PM – Que avaliação se pode fazer da participação russa no avanço da tecnologia espacial?

NA – Quem estipulou um alvo na Lua foram os americanos. Mas os russos ganharam a corrida espacial mais de uma vez. Quando o homem pisou na Lua, eles já estavam fazendo uma estação espacial. Assim como a estação MIR, que chegou a ficar 15 anos no espaço, cada uma das sete estações Salyuts foi muito bem-sucedida, com pessoas habitando por períodos longos, de cerca de um ano. A ISS é neta da Salyut e muito mais russa do que americana.

PM – Que avanços têm sido obtidos para a humanidade, a partir da pesquisa científica realizada em função das viagens espaciais?

NA – Na verdade, a tecnologia eletrônica como um todo: telecomunicações, miniaturização, telefonia, todas são herdeiras da tecnologia espacial. Essas câmeras minúsculas dentro dos smartphones são um bom exemplo. Além de outras tecnologias relativas a filtragem de água, desenvolvimento de células de energia e de baterias mais eficientes, sem contar os avanços para a própria aviação comercial.

PM – Nos anos 1960, o propósito da corrida espacial estava diretamente relacionado à Guerra Fria. E na atualidade, qual a maior justificativa para que os projetos continuem

NA – A tecnologia espacial é dual: tanto serve para colocar um satélite em órbita quanto para lançar uma ogiva nuclear. Isso cria um contexto complexo porque ela serve para produzir armamento e espionar um inimigo, mas também para fotografar florestas em risco. Hoje temos aplicações advindas da tecnologia espacial que são fundamentais.

O trio de miniaturas é formado por pelo rei dos deuses e dos raios, Júpiter; por sua esposa Juno, capaz de ver através das nuvens; e por Galileu Galilei, que em 1610 descobriu as quatro maiores luas do planeta (Fonte: cubajournal.blogspot)

A indústria das telecomunicações é uma das mais poderosas e, para que ela funcione, é preciso colocar satélites no espaço. Os nichos localizados no Anel de Clarke – zona acima da Linha do Equador, batizada em homenagem ao escritor Arthur C. Clarke – e que são reservados para os satélites geoestacionários valem milhares de dólares. Em teoria, existe também uma disputa internacional por “pedaços” do céu. Essa observação da Terra serve, ainda, para auxiliar o planejamento de safras, o estudo da meteorologia, a previsão de catástrofes naturais... Uma aplicação imediata da geolocalização é o GPS, que hoje está em qualquer aparelho de celular. Sem contar todo o investimento no turismo espacial, que está fervendo!

PM – Como anda a evolução do setor?

NA – O turismo espacial se especializou no chamado voo suborbital, em que o avião-foguete é lançado de outro veículo e sobe apenas até o passageiro experimentar a sensação de falta de peso e ver a curvatura da Terra. A SpaceShipOne foi a primeira iniciativa particular e deu certo. Estão em desenvolvimento, também, projetos como a SpaceShipTwo (coprodução do grupo fonográfico Virgin) e outros da SpaceX e da Blue Origin (de Jeff Bezos, fundador da Amazon.com). São empresas privadas que investem em cápsulas e foguetes recuperáveis. A legislação internacional diz que nenhuma nação pode reivindicar território, mas já existe gente “grande” querendo fazer mineração no espaço, que tem fontes inesgotáveis de recursos minerais e de energia solar. Não é mais ficção científica: já existem naves seguras e reutilizáveis.

Figurino moderno: tripulação de diversos países no ônibus espacial Endeavour, fotografada em 2001 (Fonte: Nasa on the Commons)

PM – Ir ao espaço é muito diferente do que vemos no cinema? Perdido em Marte, de Ridley Scott, parece muito bem fundamentado...

NA – O filme é muito bom. Antes de pensar em colonizar, é preciso, realmente, fazer como ele mostra: construir uma base temporária. Se for verdade que o Projeto Mars One planeja enviar pessoas a Marte em 2030, pode ter certeza de que o primeiro grupo que vai não sobrevive. Até hoje, nem a Lua tem uma base permanente.

PM – Há quem desconfie de que o homem não esteve na Lua, porque as imagens da primeira transmissão de TV são muito ruins...

NA – Isso tem uma explicação. Eles até recebiam um sinal bom, captado pela Nasa na Austrália. Acontece que não fizeram um sistema compatível para nenhum padrão de sinal comercial e, assim, o que o mundo viu, na verdade, foi gerado a partir de uma câmera filmando aquele monitor no qual chegavam as imagens. Recentemente, o material original quase foi apagado por acaso...

PM – Se alguém pagasse sua passagem de 250 mil dólares, você teria coragem de fazer um voo suborbital?

NA – Claro que iria numa dessa! Quando eu contei que queria estudar Astronomia, disseram que eu ia morrer de fome, olhando estrelas. Não foi bem assim, até porque as disciplinas são bem parecidas com as do curso de Física. Reconheço que a vida de um astrônomo tem menos glamour do que parece. Além do mais, a gente vive estragando o prazer dos outros, dizendo o que é possível de acontecer como em um filme e o que jamais acontece.

Fontes: Scientific American Brasil, Revista Galileu, Revista Época, Revista Brasileiros, Site HypeScience, Nasa Commons

 
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