Susan Greenfield é neurocientista, escritora e pesquisadora da Universidade de Oxford, na Inglaterra. Um de seus temas de interesse é a influência das tecnologias no modo de sentir e pensar dos jovens.
Reconhecida por suas contribuições para a divulgação da ciência e premiada mundo afora, na entrevista à MultiRio Susan Greenfield fala dos impactos, positivos ou negativos, causados pela virtualização do mundo sobre o cérebro de crianças e jovens. Na conversa, ela também apresenta um panorama dos recentes estudos científicos e analisa as possibilidades de cooperação entre as diferentes gerações no mundo digital.
Susan lidera um grupo de pesquisa multidisciplinar relacionado a doenças degenerativas. Ao ser perguntada sobre os benefícios da tecnologia para pacientes com Alzheimer e Parkinson, afirma: “Estimular o cérebro é manter a mente aberta”.
*Entrevista concedida à repórter Flávia Lobo, via Skype, para a série televisiva Em Tempo Real.
MULTIRIO – Quais os impactos positivos das novas tecnologias nas atividades cerebrais e cognitivas de crianças e jovens?
Susan Greenfield – Todos os cérebros humanos vão se adaptar ao ambiente, mas o cérebro jovem tem bem menos restrições do que um maduro, que já possui todas as conexões formadas. Portanto, as vantagens poderiam ser um aumento da coordenação motora e sensorial; um QI (Quociente de Inteligência) maior, pois o tipo de agilidade necessária quando se joga videogames é muito similar à dos testes de QI. Pode ser que, ao exercitarmos essa habilidade de buscar sequências e padrões, nos aperfeiçoemos nisso. O cérebro se aprimora em tudo o que ele treina. Outra aplicação seria para os portadores de necessidades especiais. Para determinadas pessoas com problemas físicos ou mentais, ter um ambiente mais simples ou mais exagerado, em que possam treinar como na vida real, também será benéfico. Quanto mais fazemos algo, mais nos tornamos melhores e, é claro, o mundo cibernético permite esse tipo de repetição.
MULTIRIO – E os negativos?
Susan Greenfield – Depende de como você define inteligência. Se é ser bom em testes de QI, os efeitos são positivos, com certeza. Mas ser bom em processar informações não significa ter conhecimento, e eu acho que está aí a confusão. Você pode ter um filho que não é um gênio em computadores, mas que dá respostas rápidas e corretas. A inteligência humana vai muito além disso. Um excelente físico, Niels Bhor, disse há bastante tempo para um de seus colegas: “Você não está pensando, está apenas sendo racional”. Acho que as pessoas igualam o QI ou a performance em videogames à inteligência, mas precisamos ampliar essa definição.
MULTIRIO – O que apontam as últimas pesquisas realizadas sobre esse assunto?
Susan Greenfield – Acho que dá para dividir o impacto da tela em três áreas abrangentes, que precisamos distinguir separadamente. Comecemos pelos videogames. Embora eles possam ser bastante úteis para portadores de necessidades especiais, pilotos de drones e cirurgiões que fazem laparoscopia, jogar videogames parece estar relacionado a problemas como o transtorno de déficit de atenção. Além disso, cerca de 10% dos usuários revelam um comportamento dependente, vinculado ao fato de que, durante a atividade de jogar videogames, há uma importante substância química liberada no cérebro, a dopamina. Essa substância está relacionada a todas as drogas que causam dependência, à gratificação e a uma enorme euforia e à excitação. Também há uma ligação possível com a agressividade. O que não quer dizer que alguém seja violento, mas que é um pouco mais hostil no modo de se relacionar com os outros. Também sabemos que os videogames podem intensificar a imprudência, levando o indivíduo a assumir mais riscos.
Passemos para as redes sociais: recentes descobertas indicam um aumento do narcisismo, uma redução da autoestima, um senso de identidade mais frágil, que agora é construído externamente. E, mais uma vez, problemas na relação com os outros. Há artigos científicos no meu website relacionados a tecnologias de tela. Fiz questão de inserir uma longa lista, que não é definitiva, com evidências do que estou falando.
Quanto à questão dos programas de busca na internet, mais uma vez foi comprovado que as pessoas passam a ter lembranças de forma diferente, porque elas não precisam mais internalizar uma memória. É só olhar no Google. Parece haver uma transição no modo de assimilar informações, mas quero enfatizar, de novo, que informação não é conhecimento. Na verdade, geramos pessoas muito boas em produzir informações a partir de informações recebidas, mas isso não ajuda a fazer conexões, a estabelecer elos, como uma boa professora nos ajudaria.
MULTIRIO – Como nosso cérebro passou a lidar com a percepção de tempo e espaço a partir das novas tecnologias?
Susan Greenfield – Não há mais o conceito de espaço. Podemos nos comunicar com alguém mesmo com a distância de um continente para outro. O tempo também não parece contar, porque dá para fazer isso a qualquer momento. Acho que essas mudanças estão desgastando alguns dos aspectos tradicionais pelos quais vivemos nossas vidas, e podem gerar pessoas que não têm um senso de narrativa, porque uma história ou uma narrativa é construída no tempo, há começo, meio e fim. Quando se pensa, em contraposição a quando apenas se sente algo, há um início, um meio e um fim. É preciso recuar, analisar a situação, refletir sobre ela, ter tempo. Contudo, nas tecnologias de tela, o tempo não existe. As pessoas querem gratificação instantânea, executar mais de uma tarefa simultaneamente, ter tudo ao mesmo tempo, sem uma ordem particular, o que pode causar um sério impacto sobre a própria importância dos processos do pensamento humano.
MULTIRIO – Os defensores da internet e de jogos de computador argumentam que as novas tecnologias tornam as crianças mais inteligentes e com raciocínio mais rápido. A senhora concorda?
Susan Greenfield – O impacto do mundo digital sobre nossos pensamentos e sentimentos é similar à mudança climática. Certamente é mundial, é global, não tem precedentes, é polêmico e, também, multifacetado. Proponho que, quando pensarmos sobre a mudança mental, questionemos a identidade e as relações; a atenção, a dependência e a excitação relativas aos videogames. Ou podemos questionar como aprendemos e como nos recordamos, como diferenciamos a informação do conhecimento por meio dos programas de busca. Com relação à mudança climática, estão pisando no freio, limitando o prejuízo. Não dá para voltar no tempo. Estamos todos tentando dar uma desacelerada. Com a mudança mental, não precisa ser assim. É um momento notável para a humanidade, em que podemos mesmo usar a tecnologia para fazer maravilhas que nunca foram possíveis nas gerações anteriores. Temos a chance de perguntar que tipo de pessoas nós somos, o que queremos fazer com a própria vida e como aproveitar ao máximo o potencial que nos é oferecido.
MULTIRIO – A senhora já chegou a falar sobre atrofia emocional. Explique melhor.
Susan Greenfield – Cada hora de videogame representa uma hora a menos para subir numa árvore, sentir o sol na pele, ficar abraçado a alguém, sentir o perfume de uma flor. Portanto, o principal problema é que, quanto mais vivemos no mundo cibernético, menos interagimos no mundo tridimensional. Normalmente, quando conversamos com alguém no mundo real, a forma de desenvolver uma empatia é olhar nos olhos, tocar algumas partes do corpo do outro. Pela voz da pessoa dá para dizer que tipo de emoção ela está sentindo. Os ferormônios, aquelas substâncias químicas furtivas das quais a gente não se dá conta, vão determinar a química entre duas pessoas. No entanto, não temos acesso ao contato físico, ao tom de voz e aos ferormônios através da tela. Então, se você fica de cinco a dez horas por dia na frente da tela, não está treinando importantes habilidades que estabelecem a confiança interpessoal e a empatia. É isso o que me preocupa.
MULTIRIO – Qual o efeito, para o cérebro, das luzes, das frequências de brilhos e cores usados no ambiente digital?
Susan Greenfield – O que precisamos aceitar é que as tecnologias de tela oferecem um estímulo mais reluzente e rápido do que o mundo real. Se você se acostuma com um mundo de sensações que vão além do normal, onde tudo brilha em excesso, se deparar com o mundo real, mais maçante e maleável, não vai ser tão empolgante. Você fica viciado nessa busca de sensações o tempo todo.
Antigamente, as coisas não nos convidavam a brincar com elas, os soldadinhos de chumbo não nos chamavam para brincar com eles, nem as bonecas; uma árvore não nos convidava a subir nela e a caixa em que vinham os nossos brinquedos não nos pedia para transformá-la em um castelo ou em um carro. Esses objetos tão desinteressantes e monótonos eram, na verdade, as ferramentas para a nossa imaginação. Esses acessórios comuns e de pouco valor estavam apenas ali e nós decidíamos o que aconteceria em seguida. Dava para inventar uma brincadeira. Com que frequência se faz isso nos dias de hoje? Nenhuma.
Hoje, as crianças são bem mais passivas, ou as pessoas são mais passivas, elas reagem ao comando de alguém, à imaginação de alguém, às imagens de alguém – nada mais vem de dentro. De certa forma, é bom que uma criança fique entediada, porque assim ela vai inventar uma brincadeira, desenhar, subir numa árvore, brincar de caubói e de índio ou sei lá o quê. Ao passo que, se ela está sentada diante de uma tela, recebe tudo de mão beijada, nada é gerado internamente.
MULTIRIO – Quais seriam os efeitos no longo prazo, caso as crianças e adolescentes fossem primariamente “moldados” pelas luzes e sons do computador?
Susan Greenfield – Acho que é muito interessante observar como gerações diferentes se desenvolvem. Um imigrante digital – alguém como eu ou qualquer um nascido antes dos anos 1990 – teve uma infância muito mais tradicional, brincando com soldadinhos e bonecos, escalando árvores, desenhando, inventando brincadeiras, em que havia uma educação tradicional, uma figura com autoridade. Com sorte o professor nos ajudava a estabelecer elos e, portanto, nos proporcionava uma forma de enxergar o mundo. Quando alguma novidade aparecia, nós relacionávamos ao que já conhecíamos e a incorporávamos em nossa estrutura conceitual.
Acho que a grande diferença é que para o nativo digital – alguém que nasceu depois dos anos 1990 e só conhece a cultura cibernética, que cresceu com smartphones, laptops e X-boxes – há sinais menos claros de autoridade. Na internet, temos uma rede mais indefinida e bem mais frágil para fornecer uma estrutura que nos ajude a entender e a trilhar o mundo. É também uma rede muito menos exata, o que significa que, agora, acreditamos em tudo piamente porque recebemos informações de forma tão compacta e rápida que nem dá tempo de inseri-las num contexto, ou de relacioná-las com outros elementos da nossa estrutura conceitual. O resultado é que essa informação vai ficar isolada, ser considerada por si só e, portanto, terá bem menos significado. Se tudo chega de forma compacta e rápida, seja através do YouTube, do Google, do Facebook ou do Twitter, reagimos imediatamente a esses dados independentes e isolados e passamos logo para o que vem adiante.
Acredito que esta é a maior diferença entre as gerações: o imigrante digital tem uma estrutura bem mais robusta para avaliar o que está acontecendo, enquanto o nativo digital vive bem mais o momento. Mas, é claro, o imigrante digital também fica bem menos à vontade, é mais inepto com relação às tecnologias de tela e não consegue aproveitá-las ao máximo. É por isso que seria fantástico se as gerações pudessem trabalhar juntas, para aprimorar a sabedoria e o conhecimento humanos. Os mais velhos contribuiriam com o benefício da sabedoria de suas experiências no mundo real e, ao mesmo tempo, o nativo digital poderia contribuir com a velocidade e a modernização da tecnologia.
MULTIRIO – Como funciona o cérebro do adulto amadurecido num momento analógico, que tem de se adaptar às novas tecnologias, ao mundo digital?
Susan Greenfield – Uma questão interessante é como as tecnologias de tela poderiam ser úteis no combate às doenças cerebrais. Com relação ao autismo, já sabemos, por exemplo, que um projeto no Reino Unido chamado Echoes Project pode ser muito útil para ajudar aqueles que têm problemas em estabelecer ou entender a empatia. Por outro lado, a minha opinião sobre doenças neurodegenerativas, como o mal de Alzheimer, é a de que alcançaremos um verdadeiro progresso quando entendermos, antes de qualquer coisa, por que as células morrem. É claro que é bom o cérebro ser exercitado e estimulado, independentemente do mal de Alzheimer.
Quanto mais o cérebro trabalha e se exercita, mais interessante a vida se torna e mais percepções temos. Mas há formas mais interessantes de pôr isso em prática do que ficar sozinho no computador, fazendo exercícios para o cérebro. É possível aprender um outro idioma, debater com alguém, sair para o mundo real e, se possível, ter uma vida apropriada. Acredito que estimular o cérebro é manter a mente aberta. Em outras palavras, se você pode se locomover, saia e vá para o mundo real. Portanto, não considero necessariamente as tecnologias de tela como a primeira resposta para o mal de Alzheimer ou de Parkinson, mas elas seriam muito úteis para os que têm problemas com o mundo exterior, como os autistas.
MULTIRIO – Quais os efeitos sobre o cérebro do uso exagerado de aparelhos conectados à internet?
Susan Greenfield – O próximo passo será ter mais tecnologias móveis. De certo modo, daqui a alguns anos, usar um laptop ou um desktop se tornará antiquado. Cada vez mais, as pessoas preferem usar tecnologias móveis como iPads e celulares. Com o lançamento do Google Glass, acho isso será ainda mais difundido, por toda parte teremos essa realidade ampliada. Além dos cinco sentidos, receberemos informações adicionais. Acho que isso vai se tornar um vício. A partir do momento em que começarmos a usar esses óculos, vai ser estranho ficar sem eles, nos sentiremos desprovidos, será como fechar os olhos, tapar os ouvidos, nos privarmos de algo. Eles se tornarão um símbolo de status e todo mundo vai querer um.
É assustador pensar que as pessoas ficarão hiperconectadas assim, o tempo todo. Será como estar permanentemente no Facebook, sem precisar fazer esforço algum para publicar algo ou se conectar ou continuar assim. Você vai ficar lá, preso o tempo todo, hiperconectado o tempo todo; vai levar, off-line, um tipo de vida on-line, porque tudo que fizer será para a aprovação de outros, em vez de ser para ter uma experiência direta.
A partir dessa premissa, podemos imaginar que, algum dia, esses dispositivos, em vez de serem óculos, estarão embutidos no nosso corpo. Além dos nossos cinco sentidos, também vamos ficar hiperconetados. Escrevi um romance sobre isso, chamado 2121, que, na verdade, força a imaginação a pensar como seria no futuro, daqui a uns cem anos, se fizermos isso. Acho que o impacto sobre o cérebro será que não teremos mais um senso de identidade sólido, não teremos mais uma vida privada e pessoal, ou narrativa, mas faremos parte de um conjunto maior. E, em consequência, seremos reduzidos, apenas uma peça da engrenagem de uma máquina mesmo. É algo sobre o qual precisamos estar alertas e refletir a respeito.
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