Uma das peculiaridades da alimentação humana é que não se trata apenas de satisfazer necessidades biológicas, mas também atender aspectos culturais, econômicos, simbólicos e afetivos. Nos momentos de festa, o churrasco ou a feijoada são compartilhados como ponto alto do encontro social. A opinião é de um grupo de profissionais do Instituto de Nutrição Annes Dias (Inad), subordinado à Secretaria Municipal de Saúde.
Juliana Paulo e Silva, Suzete Marcolan, Hugo Marques e Cecília Piben são nutricionistas do Inad. Segundo explicam, cada um de nós tem uma história para contar sobre o seu hábito alimentar. “Come para não jogar fora. Quando está nervoso, não come. Se está nervoso, come muito. Come porque dá prazer. A forma de se alimentar pode ser fonte de muitas descobertas, ou um meio de demonstrar carinho e cuidado. Mas também pode servir para chantagens e desafios ou para preencher carências e falta de atenção.” A partir do aleitamento materno, a alimentação merece ser cuidada desde a primeira infância e baseada no exemplo. “É importante que toda a família adote bons hábitos também”, ressalvam.
Ideal seria que, pelo menos na hora das refeições, toda a atenção estivesse voltada para o próprio prato e para quem está próximo, em vez de ser compartilhada com a TV ligada ou com o uso do celular. “Ao sentar à mesa com a família, afastada de estímulos externos, a criança exerce prioritariamente seus sentidos com os alimentos, e se dá conta da quantidade e diversidade do que está ingerindo. Esse ato deve ser inserido no hábito cotidiano das pessoas como evento agradável e de socialização”, lembram os especialistas. “O estilo de vida moderno, caracterizado por longas jornadas de trabalho, pelo acúmulo de atividades profissionais e sociais e pelo tempo decrescente destinado às atividades domésticas, somado ao aumento do poder aquisitivo das famílias, inclusive para compra de alimentos, leva as refeições a serem preteridas diante de tantas outras prioridades.”
Questão de saúde pública
No momento, o Ministério da Saúde está elaborando um novo Guia Alimentar da População Brasileira e aceita sugestões do público até o dia 7 de maio. Atualmente, a tendência à obesidade cresce entre crianças e adultos, em nível mundial. Doenças crônicas não transmissíveis (DCNT) – hipertensão, diabetes, doenças cardiovasculares e câncer – estão relacionadas aos maus hábitos alimentares, como a ingestão excessiva de fast food e de produtos industrializados, cuja composição inclui muitos conservantes e poucos nutrientes. “A indústria vem desenvolvendo estratégias para agregar valor a esses produtos, tais como criar embalagens práticas e atraentes, aumentar o prazo de validade dos alimentos, alterar características sensoriais de cor, sabor, aroma e textura, entre outras.” Os nutricionistas fazem um alerta: “Quanto aos adultos, é muito mais prático recorrer aos alimentos semiprontos, que podem ser servidos em pacotes e caixinhas, mas que são justamente os que escondem os malefícios da industrialização exagerada da comida”.
Segundo explicam os especialistas, a educação nutricional acontece transversalmente em diferentes disciplinas – Ciências, Matemática, Geografia, História e Língua Portuguesa. Orientações gerais foram definidas pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação no ano passado. “A Resolução/CD/FNDE nº 26, de 17 de junho de 2013, capítulo 1, em seu artigo 2º, determina 'a inclusão da educação alimentar e nutricional no processo de ensino e aprendizagem, que perpassa pelo currículo escolar, abordando o tema alimentação e nutrição e o desenvolvimento de práticas saudáveis de vida na perspectiva da segurança alimentar e nutricional'. A formação dessas práticas se processa de forma gradual, principalmente durante a primeira infância, sendo esta uma fase oportuna para a construção de uma alimentação saudável para o resto da vida.”
Considerada espaço propício à construção da cidadania e, consequentemente, de discernimento para fazer escolhas, cabe à escola garantir um ambiente que possibilite opções mais saudáveis. “Uma dessas ações é o fornecimento de refeições equilibradas sob a perspectiva da nutrição, por meio do Programa de Alimentação Escolar (PAE). Os cardápios são compostos, em sua quase totalidade, por gêneros in natura, sendo excluídos produtos como doces, bombons, frituras e formulados. A principal refeição servida é o almoço, composto por um cereal, uma leguminosa, uma proteína, uma hortaliça e uma fruta, ultrapassando sempre a recomendação mínima de 15% das necessidades nutricionais diárias do aluno”, reforçam os nutricionistas, lembrando que a regulamentação da venda de produtos nas dependências das escolas é fundamental.
A alimentação e o equilíbrio entre movimento e repouso
A harmonia com a balança depende de uma série de fatores que nada têm a ver com a ingestão de alimentos. “O alcance de todas as fases do sono, propiciadas em tempo suficiente e em condições ambientais favoráveis, regula o ciclo circadiano da criança, fazendo com que seus hormônios sejam produzidos e secretados de forma mais adequada, o que controla a saciedade e o estado nutricional, entre outras funções.”
Além do repouso, o exercício é igualmente importante. “Porque é correndo e brincando ao ar livre, na prática de esportes ou nas aulas de Educação Física, que o corpo queima as calorias em excesso. A prática diária de atividades físicas proporciona bem-estar, alegria e favorece o rendimento escolar.”
A mentalidade atual e suas facilidades, desde o delivery até a loja de conveniência, também contribuem para um padrão de acomodação que, muitas vezes, é aprendido em casa. “Quando comparamos o lazer das crianças de hoje com o de gerações anteriores, percebemos que passeios de bicicleta, futebol no quintal e brincadeiras como pula-corda, amarelinha, pega-pega e roda foram substituídas por televisão, jogos de computador, videogames e internet, levando ao sedentarismo.”