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“A História do Brasil precisa de uma revisão crítica”
08 Junho 2018 | Por Larissa Altoé
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Com essa convicção, João Pacheco de Oliveira, antropólogo e professor titular do Museu Nacional/UFRJ, escreveu o livro O Nascimento do Brasil e Outros Ensaios, publicado em 2016 e escolhido pela Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais – Anpocs – como a melhor obra científica de 2017. O Portal MultiRio conversou com o pesquisador sobre sua proposta, o que a motivou e como professores do Ensino Fundamental podem fazer a diferença na formação dos alunos.

Portal MultiRio: Qual a importância para o cidadão comum e para os estudantes de se fazer uma revisão crítica da História do Brasil?

João Pacheco de Oliveira: A História do Brasil é mal contada. Da forma como está, é inútil para compreender o mundo contemporâneo. Essa narrativa transforma o indígena em ilhas que não se comunicam com o todo.

A chegada dos portugueses não foi por acaso; havia mapas anteriores a 1500 que indicavam a existência dessas terras. Na narrativa tradicional, é como se os portugueses tivessem fundado o Brasil e os indígenas fossem meros expectadores. Os indígenas adquirem uma visão positiva enquanto seres da natureza, mas não como participantes ativos da História do Brasil – seres sociais com participação efetiva.

A nação brasileira não é somente um projeto português. Os portugueses eram uma gota d´água entre 2,5 milhões de indígenas. As famílias brasileiras são interétnicas. Não havia praticamente mulheres disponíveis, a não ser as indígenas. Para entender o Brasil, é preciso levar isso em conta. Somos indígenas, negros e imigrantes.

Há quarenta anos, estive na Amazônia e o trabalho indígena ainda era desconsiderado como tal. A retribuição dada pelos fazendeiros para atravessar um rio ou carregar material pesado era uma pequena gratificação, roupa velha ou cachaça. Eu ouvia do fazendeiro quando queria remunerar melhor: “Não pode acostumar mal”.

Atualmente no Brasil, mesmo entre antropólogos, é comum considerar os indígenas como apenas portadores de uma cultura diferente. Eles são mais que isso: trabalham e usam suas terras de modo distinto. Devem ser respeitados como cidadãos.

PM: Ao contrário do que muitos supõem, os indígenas são parte ativa da sociedade brasileira. Como os cidadãos podem contribuir para valorizar essa característica de nosso país?

JPO: Mudando a imagem tutelar e o paternalismo em relação a eles. Devemos nos perguntar como os indígenas podem nos ajudar a entender o Brasil. Nosso país é conflituoso e desigual. Precisamos nos esforçar para sermos mais democráticos, dialógicos e capazes de negociações sociais. Os indígenas lutam por direitos. Há 17 anos, todo mês de abril, o Acampamento Terra Livre reúne cerca de 3 mil deles em Brasília, que vão aos ministérios reivindicar acesso à terra, à saúde, à escola.

PM: Os professores do Ensino Fundamental podem participar da propagação de uma narrativa mais atualizada da História do Brasil? Como?

JPO: Sim, há alguns pontos fundamentais que devem ser abordados, como dizer que a escravidão indígena no século XVI foi imprescindível para a implantação da Colônia do Brasil na América Portuguesa. O trabalho indígena possibilitou a construção de cidades como Salvador, Rio de Janeiro, Recife e Olinda, assim como dos engenhos de açúcar. Os africanos substituíram em massa essa mão de obra nos engenhos apenas a partir da chegada dos holandeses no século XVII. Mesmo depois, os indígenas permaneceram trabalhando em outras atividades essenciais para o cotidiano, como obras públicas (abertura de caminhos), guerras, minas de salitre. Trabalho forçado e não remunerado.

PM: A história da Amazônia se deu de forma diferente do restante do país porque a região é inóspita?

JPO: Não. O preponderante foram os projetos de colonização implantados, que eram diferentes entre si. A Colônia Brasil era de exportação de açúcar, posteriormente, de café, necessitando da construção de cidades grandes. Já a região amazônica se mostrou mais rentável sendo explorada por meio das drogas do sertão, ou seja, produtos extrativos diversos, como a tartaruga, o pirarucu, a salsaparrilha. O objetivo também era a exportação, mas as expedições extrativas não precisavam de bases fixas. As duas colônias portuguesas na América só foram unificadas em 1773 e apenas o Império, no século XIX, integrou realmente a nação brasileira em uma só.

PM: Há quem questione a autodefinição como garantidora de direitos (à terra, às cotas). O que o senhor pensa a respeito? Esse processo é benéfico para a sociedade brasileira?

JPO: Sim, o mundo capitalista atual não força apenas padrões homogeneizadores. As pessoas não aceitam mais serem congeladas em uma única identidade, pressionam para que as diferenças sejam incorporadas. Sou favorável à cota. Houve um processo de genocídio e marginalização, que só pode ser reparado dando-se acesso à saúde, educação e integração à economia. Os indígenas foram violentamente excluídos e tiveram suas chances sociais reduzidas. Em relação à terra, eu digo que derrama-se muito sangue para se conseguir terras no Brasil. No Nordeste, cada terra obtida significa uma morte. Os indígenas não são privilegiados em nossa sociedade, carregam um ônus enorme, preconceitos pesadíssimos. Conheci um deles em Manaus que se dizia descendente de japonês para ser bem aceito e conseguir melhor remuneração.

PM: Os indígenas do século XXI e suas associações representativas continuarão a ter papel importante para a nação brasileira?

JPO: Eles contribuem para pensarmos um Brasil diferente, que não seja cópia da Europa, com adequações ao meio ambiente.

 
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