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O poder transformador da Educação Patrimonial
17 Agosto 2015 | Por Sandra Machado
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2400Muito embora haja iniciativas importantes de preservação do patrimônio por parte do poder público, a grande virada de mesa só vai acontecer no dia em que o cidadão comum se aliar a essa batalha. Diante da inexistência de uma fórmula que opere milagres, o mais próximo que temos de uma varinha de condão, capaz de realizar mágicas, ao menos na formação das crianças, se chama educação patrimonial. Mas, o que vem a ser isso?

Existe mais de uma definição, e todas se complementam. Podemos dizer que educação patrimonial é uma forma de alfabetização cultural, que capacita o sujeito social a fazer uma leitura do mundo que o cerca, de forma a se apropriar de sua herança cultural, usufruindo dela e se tornando capaz de, também, produzi-la para as futuras gerações. Outra possibilidade é definir educação patrimonial como um subsídio no desenvolvimento da capacidade de participação na gestão do patrimônio, com conhecimento crítico e, consequentemente, fortalecimento dos sentimentos de identidade e de cidadania.

A metodologia pode ser aplicada em qualquer espaço social e com qualquer faixa etária. Mas ela beneficia especialmente a criança em sua fase de incorporação aos grupos sociais, quando necessita aprender normas e regulamentos, maneiras de ordenação, percepção e vivência do mundo. Reconhecer que todos os grupamentos humanos produzem formas de expressão peculiares promove, entre as crianças, mais tolerância à diversidade cultural.

1400A Educação Patrimonial consta da proposta geral do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN), criado em 1937, e que deu origem ao atual Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Da mesma forma, o tema permeia, transversalmente, os programas de revitalização do patrimônio cultural – como o Programa Monumenta e o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) das Cidades Históricas - , uma vez que, aliado ao turismo, favorece o desenvolvimento sustentável da localidade. Programas organizados levam ao desenvolvimento econômico dos municípios, o que é fator de melhoria de vida para a população.

O artigo 216 da Constituição recomenda a proteção aos bens culturais de natureza material ou imaterial, compartilhando o compromisso com sua preservação entre autoridades e comunidade. Pela criação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei 9394/96), a diversidade regional passou a integrar, obrigatoriamente, o currículo do Ensino Básico. De lá para cá, não há muitos educadores trabalhando com sistematização de uma metodologia para a disseminação efetiva da educação patrimonial. Ainda assim, alguns nomes se destacam.

Evelina Grunberg cursou a Escola Normal e a Faculdade de Arquitetura da Universidade de Buenos Aires, concluindo sua formação no Instituto Metodista Bennett de Ensino, no Rio de Janeiro. Trabalha com Educação Patrimonial desde 1980 e, nesse meio tempo, exerceu várias funções, entre as quais a de diretora do programa de Educação Patrimonial da Coordenaria de Acervos Museológicos da antiga Fundação Pro-Memória/SPHAN; diretora do Museu Imperial de Petrópolis; e diretora do Museu da Abolição em 6350Recife. Independentemente dos cargos ocupados, ao longo de mais de 30 anos Evelina – que atualmente é aposentada pelo Iphan – vem realizando ações e oficinas de educação patrimonial em diferentes estados da Federação, buscando divulgar e conscientizar a população sobre o patrimônio cultural brasileiro, em instituições públicas ou privadas, em universidades ou comunidades. Aos 73 anos de idade e naturalizada brasileira há 50 anos, ela afirma que ainda acredita muito no seu trabalho. E concedeu uma entrevista ao Portal MultiRio, na qual ressalta a contribuição social advinda da educação patrimonial.

Portal MultiRio – Como começou seu envolvimento com a educação patrimonial?

Evelina Grunberg – Eu trabalhava no Iphan, e minha amiga Maria de Lourdes Horta, no Museu Imperial de Petrópolis. Ela foi à Inglaterra fazer um curso que propunha uma revisão dos moldes de ensino de História, considerando a parte material como elemento motivador. Quando retornou, me encantei com o assunto e organizamos o I Seminário de Uso Educacional de Museus e Monumentos, no Museu Imperial, em 1983. Até então, não se fazia nenhum trabalho educativo. Era tudo muito teórico e nada concreto. O que muda com essa metodologia é a sensibilização para um olhar mais favorável para o patrimônio. A Maria de Lourdes deu o nome de educação patrimonial, que não existia na Inglaterra, assim como não existia nossa visão política de desenvolver, nas crianças, a consciência sobre o momento histórico em que estão inseridas.

PM – Como foi que a metodologia se espalhou pelo Brasil?

EG – A Maria de Lourdes seguiu para um mestrado na Inglaterra e, na volta, assumiu a coordenação dos museus do Iphan. Pensamos: como a gente vai divulgar isso? Nos museus é pouco. Escolhemos a educação formal porque o professor é um multiplicador. Pelo contato com o arquiteto Luiz Antônio Volcato Custódio, começamos a promover as oficinas, primeiro no Rio Grande do Sul, quando realizamos o I Seminário de Museus e Monumentos da Região Missioneira, no fim dos anos 1980. Dali passamos a produzir material didático específico, tanto para as crianças quanto para os professores. Os convites começaram a surgir.

PM – Qual a diferença da educação patrimonial para o que era feito anteriormente?

EG – Vou lhe dar um exemplo. Uma vez por ano, as crianças gaúchas participam de uma excursão às ruínas de São Miguel das Missões. Chegavam lá e ficavam correndo no gramado, de um lado para o outro. O Iphan não tinha nada pronto para oferecer aos professores como base de uma visita guiada. Comecei a bolar um material simples, uma folhinha, para orientar o professor, e outra para o aluno. Isso há mais de 30 anos. Mas o material impresso só ficou finalmente pronto há três.

PM – O que fica protegido pela educação patrimonial?

EG – Existe um bem consagrado, que é aquele protegido por lei, e outro não consagrado, ligado apenas ao “saber fazer”. Este é o conhecimento de uma forma determinada de fazer alguma coisa. Que pode estar até em uma receita culinária, ou em uma cantiga de lavadeiras. Se não forem perpetuadas, desaparecem.

PM – Como são as oficinas?

EG – Em geral é um evento de três dias, com média de público em torno de 300 professores, dependendo da cidade. Cada oficina começa com a definição de cultura: cultura é tudo o que o homem produz. Nas primeiras oficinas, as secretarias municipais de educação não se envolviam, mas sua participação é fundamental. O professor já tem uma vida atribulada. Nosso principal intuito é mostrar que o bem cultural é um recurso educacional. Ninguém ensina o aluno a pesquisar: em geral, ele só copia informações de um livro e tira 10. Os objetos são atores no palco da memória, nossa obrigação é botá-los para falar. A partir de um moedor de café, o professor pode começar a descrever como foi todo o ciclo da cultura cafeeira no Brasil. Não adianta só discutir, como faz a academia, tem que aplicar essa perspectiva ao que é concreto.

edu patri homePM – Que publicações serviram de apoio a este trabalho?

EG – Em 1999, lançamos o Guia Básico de Educação Patrimonial, em coautoria com a Maria de Lourdes, Priscila Farias e Adriana Monteiro. Oito anos depois, lancei, mais uma vez pelo Iphan, o Manual de Atividades Práticas de Educação Patrimonial, que está disponível na internet. Nele, o educador encontra reflexões sobre o riquíssimo patrimônio cultural brasileiro e sugestões de atividades que podem ser trabalhadas não apenas em escolas, mas também em museus, associações comunitárias ou qualquer iniciativa de educação informal.

PM – A educação patrimonial pode ser um antídoto contra alguns problemas urbanos, como o vandalismo?

EG – Tive uma experiência no projeto da Escola Aberta, uma parceria entre a Unesco, o governo do Estado de Pernambuco e a Secretaria Estadual de Educação de lá. Aos sábados e domingos, as escolas que ficavam fechadas passaram a abrir para aulas de dança, xadrez, atabaque, origami. Esses prédios nunca mais foram pichados. É como se a gente estivesse dizendo para as crianças: isso aqui é seu, não é do governo. Precisamos partir da realidade do aluno, da vida dele, até no que diz respeito à relação com o próprio corpo e com a autoestima. Qual o patrimônio de um menino de rua? Ensinar preservação do patrimônio é trabalhar primeiro ele mesmo, até chegar ao patrimônio social, desenvolvendo aos poucos um sentimento. Existem exercícios para treinar este olhar.

Fontes: Entrevista com Evelina Grunberg, site Casas do Patrimônio
Sobre Educação patrimonial, Turismo e Preservação dos Bens Culturais: Entrevista de Evelina Grunberg, publicada na Revista Iberoamaricana de Turismo, Penedo, vol. 4, n. 1, p. 125-9, 2014.

 
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