Mesmo que há tempos a linguagem da animação tenha deixado de ser vista como algo exclusivamente voltado para o público infantil, ela ainda mantém uma estreita relação com crianças e jovens. Um exemplo disso é a seleção de filmes da 14ª edição do Festival Internacional de Cinema Infantil (Fici), de 16 a 25 de setembro, que entre 121 produções do mundo inteiro contém 71 animações, feitas com diferentes técnicas.
Para a coordenadora pedagógica do festival, Lilia Levy, essa relação é baseada em um elemento compartilhado pela criança e pelo cinema: a imaginação. “Mesmo com todos os recursos da computação, o cinema ao vivo ainda tem limitações intransponíveis. Os filmes de animação saem da cabeça do artista para a tela através do desenho, oferecendo um clima de fantasia que a criança percebe ser semelhante ao de seus sonhos e pensamentos. Sempre será fascinante e encantador”, diz Lilia.
Na opinião do cineasta Marcos Magalhães, um dos diretores do Anima Mundi, segundo maior festival de animação do mundo, as crianças se beneficiam de uma abertura ilimitada à fantasia e à imaginação. “A linguagem da animação é a mais completa e abrangente que existe porque transcende idiomas e culturas diferentes e comunica num nível mais profundo que outras linguagens cotidianas, como a verbal e a escrita”, reflete.
Segundo Marcos, os efeitos da animação sobre as gerações mais antigas são perceptíveis. “Hoje em dia, quando filmes e personagens de animação já influenciaram diversas gerações após mais de um século de cinema, cada vez mais adultos também são capazes de manter viva e atuante esta forma de percepção infantil que, normalmente, seria abandonada ou desprezada por conta de uma pretensa ‘evolução’ de suas percepções. A animação caminha, então, para educar, inspirar e transformar pessoas de todas as idades”.
Atenção e respeito pela infância
Consciente do potencial da animação junto ao público escolar, a MultiRio vem se dedicando, há anos, a produções que possam contribuir para o desenvolvimento infanto-juvenil. Vencedora de prêmios nacionais e internacionais, a empresa participa, em 2016, das mostras competitivas do Fici (com Aquitã, o indiozinho) e do Anima Mundi (como mesmo Aquitã, o indiozinho, além de Hugo, o monstro e Voa, João), cuja versão carioca está agendada para o final de outubro.
De acordo com o assessor-chefe de animação e artes gráficas da MultiRio, Marcelo Salerno, os princípios que norteiam as animações da empresa são o respeito e a atenção pelo público infantil. “Desde o cuidado na escolha do tema e no tratamento visual, passando pela pesquisa e pela consultoria de especialistas, tentamos atender às diferentes necessidades e situações da infância. Além disso, procuramos manter uma proximidade com a escola, com professores e alunos”, explica.
Para o animador Frata Soares, diretor e roteirista de Aquitã, o indiozinho e gerente de produto da MultiRio, muitas das produções da empresa, como as séries Juro Que Vi e Que Medo!, são tentativas de entender melhor o universo fantástico da infância. “Procuramos ter um olhar diferenciado ao tratar a criança com respeito, sem menosprezar suas capacidades e conhecimentos”, analisa.
Ferramenta na escola, influência para a vida
O fascínio exercido pela animação também é usado a favor da educação pelo projeto Anima Escola, iniciativa do Anima Mundi, que há 15 anos oferece oficinas de animação a escolas municipais. Algumas delas se tornaram produtoras regulares, até com premiações em festivais do gênero. No entanto, Marcos Magalhães ressalta que o principal benefício da iniciativa vem das situações vivenciadas durante o fazer dos filmes. “Segundo os relatos dos próprios professores, a intensidade dos processos vividos pela turma é sempre o melhor indicador do sucesso do projeto”, revela.
Para além das vantagens que a animação oferece como ferramenta pedagógica, sua influência sobre as crianças enquanto espectadoras é ainda mais importante. “Na tela grande, as coisas parecem acontecer de uma forma tão concreta que muitas vezes há um desligamento total da realidade. A criança passa a ser personagem do filme e vive as situações intensamente, chegando a se assustar com a volta da realidade, quando tudo acaba e a luz se acende”, diz Lilia Levy, para quem essa vivência pode ser tão marcante a ponto de provocar mudanças de comportamento e despertar interesses definitivos. “Daí a necessidade de se pensar em um conteúdo adequado, capaz de influenciar positivamente e contribuir na formação pessoal”, completa.
Frata Soares concorda e assume para si e seus colegas um dever extra. “Como para as crianças ainda não há a separação do mundo real e o da fantasia, a conexão é imediata. Por isso torna-se indispensável, por parte de nós, produtores, o cuidado e a responsabilidade com o conteúdo que é transmitido para esse público”, conclui.