Em 2016, dengue, zika e chikungunya mataram 794 brasileiros. A maior parte das mortes – 629 pessoas – foi causada pela dengue. Mas população, gestores, pesquisadores e mídia não estão passivos diante dos dados divulgados pelo boletim epidemiológico do Ministério da Saúde e vêm se mobilizando, cada vez mais, no combate ao mosquito Aedes. Enquanto campanhas focam na conduta e nas boas práticas que impedem a proliferação dos criadouros, o papel da tecnologia como aliada cresce em importância. Basta ver a infinidade de novos aplicativos que surgem mais e mais, em diversas cidades.
Alice Garcia Gomes, designer e mestre em Design pela Escola Superior de Desenho Industrial da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), criou o AedesApp, destinado aos alunos do Ensino Fundamental, e falou ao Portal MultiRio sobre o app.
Portal MultiRio – No que o seu aplicativo difere da infinidade de outros que combatem o Aedes aegypti em todo o país?
Alice Garcia Gomes – O principal diferencial é que ele permite ao usuário interagir e visualizar as consequências de suas ações no processo de desenvolvimento do Aedes aegypti, em tempo real. O grande diferencial está no foco ser dado ao processo de desenvolvimento do mosquito (da fase de ovo, larva, até a fase adulta). Assim, é possível compreender o que acontece exatamente quando um recipiente de água parada é deixado ao alcance dos mosquitos.
PM – Por que motivo você pensou no público-alvo dos alunos do Ensino Fundamental?
AGG – O combate à proliferação do mosquito depende da participação ativa e constante da sociedade e, ao mesmo tempo, o processo de reprodução dos Aedes aegypti é complexo, o que torna necessário tempo e dedicação. Por isso, o espaço da escola é muito vantajoso, pois oferece o tempo necessário à aprendizagem. Já a escolha em se trabalhar com a segunda fase do Ensino Fundamental (na qual predominam estudantes entre 11 e 14 anos) abarca alunos que já possuem a maturidade intelectual necessária. Ao mesmo tempo, é uma fase em que diversos conteúdos curriculares são afins ao tema do combate aos mosquitos – como o estudo de ecossistemas, cadeia alimentar, entomologia e método científico.
PM – Faz diferença mostrar toda a fase de desenvolvimento do mosquito?
AGG – É importante mostrar toda essa fase de desenvolvimento porque o mosquito nasce e se desenvolve na água, e a fase aquática é a mais adequada para o controle do vetor, já que é muito mais fácil eliminar larvas na água do que mosquitos adultos no ar.
PM – Caso seja possível comparar a linguagem do aplicativo à linguagem dos games, existe algum risco de que as crianças se concentrem na brincadeira e menos nas boas práticas cotidianas?
AGG – Creio que as boas práticas cotidianas tendem a surgir naturalmente quando as pessoas compreendem a importância do combate ao mosquito e possuem o conhecimento necessário para fazê-lo de maneira eficiente. O medo pode até levar muitas pessoas a tomarem práticas cotidianas de prevenção, mas a falta de conhecimento tornará muitas dessas ações vãs, pois o mosquito tem muitos recursos e está bem adaptado ao nosso ambiente. Sendo assim, creio que o importante é que as crianças aprendam o conteúdo ensinado e, se essa aprendizagem pode ser feita de maneira lúdica, melhor.
PM – Com o projeto pronto em mãos, que dificuldades você está encontrando para desenvolvê-lo?
AGG – O desenvolvimento ainda não teve continuidade, pois falta o aprimoramento de algumas etapas e o estabelecimento de parcerias para que possamos concorrer a editais ou buscar patrocínio privado. Para tirar o projeto do papel, é necessário montar uma equipe de especialistas que desenvolvam as animações e o código do aplicativo.
Ferramentas proliferam
Na Bahia, diante do alto índice de microcefalia, causada pelo vírus zika em gestantes – 180 casos –, a Secretaria Estadual de Saúde estabeleceu uma parceria com a Companhia de Processamento de Dados do Estado da Bahia e desenvolveu o aplicativo para smartphone Caça Mosquito, que pode ser baixado gratuitamente pelo Google Play. O objetivo é fazer um mapeamento por meio de geolocalização, utilizando o GPS do aparelho. Se desejar, o denunciante, que não precisa se identificar, pode enviar uma foto do local onde existam larvas com uma descrição. As informações são encaminhadas aos órgãos municipais da localidade, que enviam os agentes de endemias para eliminar os focos. Aplicativos semelhantes também já foram desenvolvidos na cidade de Paulista (PE) – Xô, Aedes; em Fortaleza – Xô, Mosquito!; em Niterói – Sem Dengue.
Em Salvador, o Núcleo de Tecnologia da Informação da Secretaria Municipal de Saúde desenvolveu uma ferramenta para notificar, em tempo real, os casos suspeitos de dengue, chikungunya e zika vírus, que está disponível para Android e iOS. As informações coletadas fornecem as coordenadas geográficas do local e servem para nortear as ações de contingência do vetor. O programa também permite o registro on-line dos casos suspeitos e gera um mapa da situação das patologias em cada bairro do município. No ano passado, o Mosquito Zero foi o único no país selecionado pelo Governo Federal para receber recursos.
Alcance expandido
Alguns aplicativos já são pensados para atender uma magnitude geográfica ampliada. É o caso do Sem Dengue, desenvolvido pela Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo, no qual o usuário envia a foto diretamente ao setor público para providências e que já está disponível para mais 29 cidades, como Niterói, Pelotas e Teresina. De maneira semelhante, o Observatório do Aedes aegypti não apenas permite direcionar as denúncias para prefeituras de todo o Brasil como acompanha se as providências de combate foram tomadas. Desenvolvido por pesquisadores da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, que contaram com a ajuda de técnicos mineiros, gaúchos e capixabas na construção do software, o programa se parece com um aplicativo de trânsito, que a partir das inserções da população ajuda a construir um roteiro das regiões com maior incidência. O sistema realiza um cruzamento para saber onde existe surto de doenças, enquanto bolsistas de iniciação científica atuam como monitores na cobrança às autoridades.
Em Olinda, estudantes do Ensino Médio saíram a campo para mobilizar a vizinhança da Escola Estadual Desembargador Renato Fonseca. Com o avanço dos bons resultados desse trabalho, que começou em 2014, no ano passado partiram para uma ofensiva mais contundente, pesquisaram no YouTube e desenvolveram uma ferramenta para os sistemas Android e iOS que foi batizada em homenagem ao bairro: Caça ao Aedes no Jardim Brasil. Mais uma vez, funcionou tão bem que a plataforma começou a receber denúncias de focos até de outros estados – Paraíba e Piauí. Com isso, em novembro de 2016, o grupo de alunos participou da Feira Ciência Jovem, em Recife, concorrendo com mais 270 projetos do mundo inteiro. Reconhecida como Destaque de Pernambuco, a iniciativa, agora, vai representar o país em uma feira de tecnologia em Assunção, no Paraguai, em junho de 2017.
O combate no Rio de Janeiro
A plataforma on-line Info Dengue, criada em conjunto pela Fundação Getúlio Vargas e pela Fiocruz, publica relatórios semanais sobre os casos de dengue no estado do Rio desde 2015, detalhando as regiões mais afetadas. Já a plataforma Aedestrói reúne as formas de proteger a casa em grupos de categorias e dispõe de um botão, chamado de Círculos de Proteção, que agiliza o compartilhamento com amigos, vizinhos e parentes nas redes sociais. Na seção Áreas para Vistoria, a ferramenta sugere até espaços subterrâneos onde se deve caçar os mosquitos. O aplicativo apresenta, ainda, informações sobre o mosquito e os sintomas de diversas arboviroses transmitidas por ele.
Em parceria com as secretarias municipais de Educação, Esportes e Lazer; de Saúde; e de Assistência Social e Direitos Humanos, a MultiRio desenvolveu o app Aqui Mosquito Não Se Cria. Ele oferece uma lista de tarefas (checklist) personalizável para eliminar os focos do Aedes em casa e possibilita criar um alerta para ações a serem repetidas semanalmente. Além disso, reúne informações sobre a dengue, a zika e a chikungunya, ensinando a diferenciar as doenças uma da outra por meio dos sintomas, e fornecendo endereços das unidades de saúde da Rede Municipal para atendimento em caso de suspeita. Para baixar o aplicativo na loja da MultiRio no Google Play Store, basta clicar aqui.
Fontes:
Agência Brasil, Agência Uerj de Notícias Científicas, Blog Saúde, Jornal O Dia on-line, Site O Povo.