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Johanna Döbereiner, uma pioneira da agricultura sustentável
27 Novembro 2020 | Por Márcia Pimentel
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Joahanna Döbereiner no então Instituto de Ecologia e Experimentação Agrícola. Site Embrapa Agrobiologia

Muito antes de começar a fervilhar a questão ambiental e da sustentabilidade do planeta, uma cientista nascida na antiga Tchecoslováquia e naturalizada brasileira, encarou de frente o mundo masculino das pesquisas agrícolas e persistiu na investigação de um método ecológico para aumentar a produtividade da agricultura.  Trata-se de Johanna Döbereiner, que, no início da década de 1960, optou por seguir na contramão do uso de adubos químicos, estudando a fundo bactérias que conseguiam fixar, biologicamente, o nitrogênio em leguminosas, como o feijão e a soja, sem a criação de passivos ambientais.

Na época, as grandes plantações de soja dos Estados Unidos, baseadas no uso intensivo de fertilizantes nitrogenados derivados do petróleo, vinham ganhando protagonismo no mercado agrícola internacional. Inúmeros produtos industrializados feitos a partir da leguminosa – óleo de cozinha e margarina, por exemplo – vinham substituindo, e de forma rápida, itens como banha de porco, manteiga e óleo de coco, até então utilizados amplamente no dia a dia das famílias ocidentais e brasileiras. Abocanhar uma parte do crescente mercado de soja se transformou em algo desejável e estratégico para muitos países.

"Na década de 1960, ir contra a adubação química era quase um sacrilégio”, explicou Johana à revista Veja, em agosto de 1996. Afinal, esses fertilizantes vinham sendo responsáveis por um aumento exponencial da produtividade das lavouras. Mas, mesmo desacreditada, ela deu início a um programa de pesquisa que investigava bactérias que conseguiam absorver o nitrogênio da atmosfera e transformá-los em aminoácidos que as plantas podiam absorver, dispensando o uso de adubos químicos nas plantações. Resultado: a aplicação de suas investigações transformou o Brasil no segundo maior produtor de soja do mundo. “Nossas pesquisas não só permitiram uma produção mais barata como também mais ecológica, porque não poluía os rios nem o solo", disse à Veja.

A fixação do Nitrogênio

Aproximadamente 78% da atmosfera terrestre é formada pelo gás nitrogênio (N2). Apesar de sua abundância, o N2 é a forma mais inerte do elemento químico, ou seja, não é reativo em situações comuns. Ocorre que o nitrogênio (N) participa de diversas estruturas orgânicas fundamentais à vida, como os aminoácidos. Sem N, as plantas têm dificuldade para crescer e se desenvolver.

Os relâmpagos são uma forma de a natureza dispor N no solo. A descarga elétrica dos raios faz com que o N2 reaja com outros gases atmosféricos, formando a amônia (NH3) e, após outras reações químicas, os compostos nitrogenados que as plantas precisam para se desenvolverem de forma saudável.

O solo também pode absorver compostos de nitrogênio por meio da decomposição da matéria orgânica, como ocorre nas florestas em que a terra é coberta por folhas, frutas e fezes de animais.

Certos microorganismos também favorecem a fixaçao de N pelas plantas. Segundo artigo de Johanna Döbereiner publicado pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), as bactérias chamadas de diazotróficas são capazes de decompor o N2 da atmosfera. Elas são encontradas no solo e costumam invadir as raízes de algumas espécies, especialmente a das leguminosas, vivendo de forma simbiótica e produzindo nutrientes benéficos para a vida vegetal.

Estudando tal processo de Fixação Biológica do Nitrogênio (FBN), Döbereiner desenvolveu técnicas de inoculação desses microorganismos em sementes, em especial a de soja, dispensando o uso de fertilizantes químicos, do plantio à colheita. Isso porque as bactérias inoculadas nas sementes capturam o N2 para sintetizá-lo na forma de amônia (NH3). Veja, abaixo, como ocorre a colaboração entre planta e bactéria, segundo artigo de Frances Jones para a Revista Pesquisa Fapesp.

dob fixacao4Revista Pesquisa Fapesp, ed. 285, nov/2019, detalhe

Reconhecimento internacional

Na década de 1960, Döbereiner já liderava a pesquisa no Instituto de Ecologia e Experimentação Agrícola vinculado ao Serviço Nacional de Pesquisas Agronômicas do Ministério da Agricultura. O Instituto, após várias reformulações ministeriais, desembocou na atual Embrapa Agrobiologia, localizada em Seropédica, instituição de referência na pesquisa de bactérias fixadoras de nitrogênio, recuperação de solos degradados e em técnicas agrícolas sustentáveis e orgânicas. Do Instituto de Ecologia à Embrapa Agrobiologia, Döbereiner sempre foi figura central, tendo descrevido nove bactérias diazotróficas junto com sua equipe de trabalho.

Nos anos seguintes, foram isoladas (da cana-de-açúcar e de cereais como milho, arroz e sorgo) três novas espécies de bactérias Azospirillum, que não somente colonizam a rizosfera (região em que solo e raiz se tocam), como também são capazes de infectar a planta para fornecer nitrogênio de forma mais eficiente

Antes da criação da Embrapa Agrobiologia, Döbereiner já era uma figura internacionalmente reconhecida por suas pesquisas. Estender a FBN para plantas não leguminosas já havia se tornado um desafio para vários centros de pesquisa ao redor do mundo. Encontrar estirpes de bactérias capazes de infectar, beneficamente, outras espécies de vegetais, como os cereais, passou a ser um objetivo.

Quando Döbereiner ganhou o Science Prize (Prêmio Ciência) da Unesco, em 1989, a defesa da sustentabilidade já era uma de suas marcas. No final de 1995, quando completou 71 anos, a comunidade científica internacional promoveu, em Angra dos Reis, o seminário Sustainable agriculture for the tropics: the role of biological nitrogen fixation (Agricultura Sustentável para os trópicos: o papel da fixação biológica do nitrogênio). Os anais do seminário foram publicados em número especial da revista Soil Biology & Biochemistry, “honraria que poucos expoentes da ciência mundial obtiveram”, segundo o Portal da Embrapa Agrobiologia.

Biografia: início difícil

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Prédio destruído na cidade de Aussig, após bombardeio dos EUA, em junho de 1945. Iniciava-se a perseguição da população tcheca de língua alemã. Museu de Nústi Nad Labem, Historica Wiki, CC

A cientista nasceu em 28 de novembro de 1924, na cidade de Aussig (atual Nusti Nad Labem), na antiga Tchecoslováquia, país criado no fim da I Guerra Mundial, em 1918, e que existiu até 1992. Ainda era bem pequena quando a família se mudou para a capital do país, onde o pai, Paul Kubelka, começou a lecionar Química na Universidade de Praga.

Assim que se iniciou a II Guerra Mundial, sob o pretexto das “privações sofridas pelas populações de etnia germânica”, Adolf Hitler invadiu a Boêmia e a Morávia, região da Tchecoslováquia onde residiam cerca de três milhões de pessoas que falavam alemão. A todas elas, incluindo a família Kubelka, concedeu a nacionalidade alemã, ato que lhes custaria muito caro, posteriormente.

Com o fim da Segunda Guerra Mundial, em 1945, essa população passou a ser perseguida em sua terra natal, sendo presa ou sumariamente expulsa, quando pega pelas milícias tchecas. Cerca de 240 mil pessoas morreram em meio às perseguições. Johanna Kubelka (ela só ganha o sobrenome Döbereiner quando se casa) foi expulsa da Tchecoslováquia pouco após a morte de sua mãe, Margarethe, em um campo de concentração, tendo se refugiado na Alemanha Oriental, junto com os avós. Lá, na pequena cidade de Sadisdorf, conseguiu emprego em uma fazenda, onde plantava batatas, ordenhava vacas e adubava o solo com esterco.

No final de 1945, os avós de Johanna Kubelka morreram e, no ano seguinte, ela se mudou para a região da Bavária, a fim de reencontrar o pai e o irmão Werner. Continuou trabalhando como operária rural, o que lhe despertou a vontade de cursar a Faculdade de Agronomia. Foi na Universidade de Munique que ela conheceu o estudante de Veterinária Jürgen Döbereiner, com quem se casou três anos mais tarde, em 1950. Mas antes disso, em 1948, seu pai havia deixado a Alemanha e imigrado para o Brasil. Quando terminou a faculdade, em 1950, ela e o marido fizeram o mesmo caminho.

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Determinação e imortalidade

Johanna Döbereiner chegou ao Rio de Janeiro com uma carta de recomendação para trabalhar no Serviço Nacional de Pesquisas Agronômicas do Ministério da Agricultura e foi contratada, no ano seguinte, como assistente de pesquisa do Instituto de Ecologia e Experimentação Agrícola, em Seropédica. Segundo o Portal da Embrapa Agrobiologia, teria dito ao agrônomo Álvaro Barcellos Fagundes, responsável por sua contratação: “Não sou uma especialista em microbiologia do solo. Mas se o senhor quiser que eu seja, serei".

Determinada, não demorou muito para ela se destacar, tendo começado a publicar artigos no ano seguinte ao de sua contratação. O mestrado em Microbiologia do Solo, concluído em 1963 na Universidade de Wisconsin, lhe conferiu mais conhecimento para aprofundar suas pesquisas sobre Fixação Biológica de Nitrogênio. O programa brasileiro de melhoramento da soja, iniciado em 1964, sofreu influência determinante de seus trabalhos.

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Joahanna Döbereiner trabalhou até o fim de seus dias, tendo deixado mais de 500 publicações sobre FBN. Site Embrapa Agrobiologia

Em 1975, ela concluiu doutorado na Universidade da Flórida, recebendo também, da mesma instituição, o título de doutora Honoris Causa. Em 1977, tornou-se membro titular da Academia Brasileira de Ciências (ABC) e, no ano seguinte, da Pontifícia Academia de Ciências do Vaticano. Em 1980, recebeu mais um título de doutora Honoris Causa, desta vez da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). E em 1997, teve seu nome proposto ao Prêmio Nobel de Química pela ABC.

Johanna Döbereiner morreu aos 75 anos em 5 de outubro de 2000, vítima de doença neurológica, tendo trabalhado até seus últimos dias de vida. Seu nome está imortalizado pela iniciativa de cientistas mexicanos e alemães, que descobriram novas bactérias fixadoras de nitrogênio, batizando-lhes de Cluconacetobacter johannae sp. e Azospirillum doebereinerae sp.

 
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