A Revolta no Sul: Farroupilha |
CARACTERÍSTICAS DA ECONOMIA DO RIO GRANDE DO SUL
Em 1835, no mesmo ano em que os cabanos tomaram pela primeira vez a cidade de Belém, ocorria no extremo sul do Império uma outra revolta, a Guerra dos Farrapos, também conhecida como a Farroupilha. Iniciada na Província do Rio Grande do Sul se alastrou pela vizinha Província de Santa Catarina. Nenhuma revolução ocorrida no Brasil Monárquico durou tanto tempo: durante uma década, de 1835 a 1845, os rebeldes lutaram contra as tropas do Governo.
Na América Portuguesa, por muito tempo, o extremo sul do Brasil ficara quase que abandonado. Sem oferecer nenhum produto tropical que a metrópole pudesse explorar, manteve-se à margem do mercado externo. Durante os séculos XVII e XVIII, missões religiosas jesuíticas espanholas se estabeleceram no atual estado do Rio Grande do Sul, reunindo muitos índios. Destruídas pelos bandeirantes paulistas em busca de indígenas que seriam vendidos como escravos, o gado criado nessas missões ficou solto. Essa região, chamada pelos portugueses de Continente do Rio Grande, foi, aos poucos, sendo ocupada por colonos que lá se fixaram e começaram a reunir o gado que ficara disperso. A pecuária se desenvolveu e logo se tornou a principal atividade econômica do sul da Colônia.
No século XVIII, as estâncias (fazendas) sulinas já abasteciam o mercado interno com mulas, fundamentais para o transporte, e com o charque, carne salgada, que era a alimentação básica dos escravos e da população mais pobre. Além disso, o surgimento das charqueadas permitiu melhor aproveitamento do couro para a exportação.
A Capitania do Rio Grande de São Pedro, atual Rio Grande do Sul, sempre fora objeto de disputa entre portugueses e espanhóis. Fazendo fronteira com territórios que pertenciam à Espanha, sua população freqüentemente se envolvia em conflitos. No livro "Um Certo Capitão Rodrigo", o escritor Érico Veríssimo relata como essas disputas afetavam a vida dos habitantes do "Continente": "Escuta o que vou lhe dizer, amigo. Nesta província a gente só pode ter como certo uma coisa: mais cedo ou mais tarde rebenta uma guerra ou uma revolução... Que é que adianta plantar, criar, trabalhar como um burro de carga?... O castelhano está aí mesmo. Hoje é Montevidéu. Amanhã, Buenos Aires. E nós aqui no Continente sempre acabamos entrando na dança".
O charque rio-grandense competia diretamente com os da Argentina e Uruguai. Os gaúchos, que utilizavam mão-de-obra escrava, não tinham condições de concorrer com os platinos, que, empregando técnicas mais modernas e trabalho assalariado, conseguiam uma produção maior, com preços mais baixos. Assim, o charque gaúcho só podia concorrer com o platino nos períodos em que havia guerras internas no Prata. Quando a produção platina se reorganizava, a economia rio-grandense sofria grandes perdas.
Segundo o sociólogo Fernando Henrique Cardoso, "Nestas ocasiões os produtores gaúchos acusavam a política de tributos vigente no Brasil como responsável por seus malogros. Acreditavam que o alto preço do sal e a taxação baixa do charque importado impediam a concorrência do produto nacional com o estrangeiro, e julgavam que a manutenção desta política devia-se aos interesses dos consumidores, das Províncias do Norte, de importarem charque abundante e barato, ainda que isso custasse a ruína dos produtores nacionais... Não eram capazes de ver claramente, entretanto que... não era o "custo material" da produção brasileira do charque que a tornava incapaz de competir com a estrangeira, mas sim seu "custo social", isto é, o peso da escravidão na produção de bens que deviam concorrer num mercado competitivo".
Estancieiros, charqueadores e exportadores sulinos passaram a exigir que o Governo Imperial adotasse uma política protecionista para seus produtos, principalmente para o charque. Queixavam-se de que o charque argentino e o uruguaio eram beneficiados por pagar baixas taxas alfandegárias, enquanto que o produzido no Sul, além de pagar altos impostos, era tributado até para ser vendido a outras Províncias.
A política econômica do Governo Imperial atendia aos proprietários de escravos e terras, particularmente os do Centro - Sul, interessados em comprar pelo menor preço possível a carne salgada necessária à alimentação de seus escravos. Para tanto, o Governo Imperial mantinha baixos os impostos sobre o charque e outros produtos vindos da região platina, ao mesmo tempo que cobrava impostos sobre os produtos sulinos, além de não tomar qualquer medida que assegurasse sua exportação. Além do problema econômico, havia divergências de caráter político-administrativo. Até a vinda da Corte para o Rio de Janeiro, a Província gozava de certa autonomia. Com a centralização começaram os choques entre o poder local, representado pelos grandes estancieiros e charqueadores, e o governo do Rio de Janeiro.
O descontentamento aumentou quando, em 1834, Antônio Rodrigues Fernandes Braga foi nomeado para ocupar a presidência da Província. Os grupos dominantes do Sul eram contra a nomeação dos presidentes de Províncias e dos funcionários locais pelo Governo. Fernandes Braga, seguindo ordens do Rio de Janeiro, criou novos impostos, inclusive um sobre propriedades rurais, e tentou organizar um corpo militar para enfrentar as forças dos estancieiros, as companhias de guerrilhas.
A REVOLTA DOS FARRAPOS
Em 1835 a revolta eclodiu. Liderados por Bento Gonçalves, Davi Canabarro, Bento Manuel Ribeiro, e contando com a participação do italiano José Garibaldi, os revoltosos tomaram Porto Alegre. Com a ajuda das "companhias de guerrilhas", organizadas pelos estancieiros, o movimento estendeu-se por toda a Província.
Os farrapos conseguiram algumas vitórias, até que, em 1836, as forças imperiais conseguiram retomar Porto Alegre. No mesmo ano, Bento Gonçalves foi preso e enviado para a Bahia (Forte do Mar). O comando dos farrapos passou para José Gomes de Vasconcelos Jardim. Em setembro de 1837, Bento Gonçalves conseguiu fugir da prisão, ao que parece com a ajuda dos maçons, embarcando para Buenos Aires de onde voltou para o Rio Grande do Sul, reassumindo o comando rebelde.
Em 1838 foi proclamada a República de Piratini, ou Rio-Grandense. Através de manifestos, o Governo da nova República esclarecia as razões do movimento, e atacava diretamente "a corte viciosa e corrompida".
Em 1839, a revolta atingiu a Província de Santa Catarina, onde os rebeldes tomaram Laguna, e proclamaram a República Juliana. Foi em Santa Catarina, nesse mesmo ano, que Garibaldi conheceu sua mulher, a brasileira Ana Maria de Jesus Ribeiro, chamada de Anita Garibaldi. Anita, heroína brasileira, teve participação ativa ao lado de Garibaldi e, em 1848, quando o marido voltou para a Itália, ela o acompanhou e lutou junto com ele pela Unificação Italiana.
Com o Golpe da Maioridade, que deu início ao Governo pessoal de D. Pedro II, em 1840, o Governo concedeu anistia aos presos políticos do Período Regencial. Os rebeldes gaúchos não a aceitaram e continuaram a luta.
Eles não queriam a separação da Província do resto do Império, o que causaria a perda do mercado interno do charque, formado pelas outras Províncias, principalmente as do Centro-Sul. Defendendo idéias federalistas, procuravam na verdade preservar sua autonomia política e administrativa e seus interesses econômicos.
Em 1842, Luís Alves de Lima e Silva, o Barão de Caxias, que acabara de esmagar a Balaiada, foi nomeado presidente e chefe militar da Província do Rio Grande do Sul. Iniciando a chamada política de pacificação, Caxias com o apoio de Bento Ribeiro, antigo líder dos farrapos, aproveitou-se das divisões entre os rebeldes para fazer acordos em separado com seu chefes. Além disso, conseguiu impedir que os farroupilhas continuassem a receber armamentos vindos do Uruguai.
Em 1845 Caxias firmou com Davi Canabarro a Paz do Ponche Verde. Encerrava-se a Revolta dos Farrapos. O acordo de paz foi muito vantajoso para os farroupilhas: anistia aos revoltosos; integração dos oficiais rebeldes ao Exército Imperial com suas patentes; liberdade para os escravos que haviam participado da guerra; taxação sobre o charque platino importado; pagamento pelo Império das dívidas da guerra e indicação pelos farrapos do presidente de sua Província.
Ao contrário do que ocorrera em outras Províncias, o tratamento dispensado aos rebeldes do Sul foi bastante diferente. O Governo mais negociou e cedeu do que reprimiu. Afinal de contas, os farrapos não deixavam de fazer parte da "boa sociedade". Embora o movimento não tenha realizado a federação, consolidou o poder dos estancieiros no Sul. Ainda em 1845, D. Pedro II visitou o Rio Grande do Sul, concretizando a reaproximação entre os membros da "boa sociedade", os que governavam a casa - as estâncias - e o Estado - o Governo. Luís Alves de Lima e Silva foi eleito senador pela Província, recebendo o título de Conde de Caxias.
|