Realizamos a primeira metade do plano de dimensão em dois dias, articulando trabalho e plano de vida ao sentido da educação na trajetórias biográficas de escritores negros como Machado de Assis e Luiz Gama, que têm em comum o poder de observação de pessoas e relações sociais para produzir seus projetos tanto de vida quanto intelectual.

Ressaltamos para os alunos cidadania e trabalho como luta por igualdade e liberdade, relativizando o simples poder da escolha individual, ao discutir trechos do filme Dr. Gama. Luiz Gama se tornou um autodidata, advogado e abolicionista, apesar de ser vendido e, assim, escravizado ilegalmente pelo próprio pai. Ele se alfabetizou e, após provar ter nascido livre, construiu um projeto de vida de luta pelo fim do escravismo.

Trabalhando ainda trajetória biográfica e relações sociais, ao analisar o livro ilustrado Machado, consideramos a ascensão social e prestígio de Machado de Assis. Ele produziu com sucesso seu projeto de vida tanto pessoal como intelectual. Tinha uma grande vantagem: ler e escrever. Construiu na vida e escreveu nos livros uma leitura crítica das relações de poder e das pessoas da sociedade escravocrata e, embora de família de origem pobre e uma criança negra alfabetizada e livre, se articulou pela sociedade para ser tipógrafo, jornalista e escritor, além de ser funcionário público, com entendimento da noção de favor e dos donos do poder.

Construímos a segunda metade do plano de dimensão em outros dois dias da semana seguinte. Discutimos a ideia de sonhos e projetos de vida no mundo do trabalho contemporâneo, o que significou explorar também as experiências ou vivências dos alunos. Temos, para tanto, como ponto de partida, a análise com os alunos do documentário “Vidas Entregues”.

Ressaltou-se nas discussões o sentido do trabalho para homens e mulheres pobres submetidos às relações de poder impostas pelos aplicativos de entregas com apenas um celular e uma bicicleta por causa da condição de subcidadania e do risco de desemprego. Os alunos têm opiniões divididas em relação ao documentário: uma parte exalta a renda e a liberdade e a outra salienta o risco de vida e a falta da carteira assinada.

Fomentamos os debates para a relevância de compreender pessoas e analisar relações sociais como posturas fundamentais para viabilizar o projeto de vida. Luiz Gama e Machado de Assis têm muitas coisas para nos ensinar a escapar da vida entregue ao trabalho precário. Tornam-se com isso fontes de inspiração para os projetos de vida dos alunos no mundo do trabalho contemporâneo.

Registramos muitas experiências de trabalho precário nas trajetórias de vida dos alunos da nossa escola. Eles narram isso na trajetória individual ou nas vivências de familiares, articuladas por baixos salários e pela subcidadania. Ressaltam, ademais, dificuldade de produzir e racionalizar planos de futuro.

Ao mesmo tempo, temos renovações do repertório cultural dos alunos. Eles, com isso, articulam novas referências de vida com o exame de notas biográficas, a partir de reflexões e debates na escola, para desenvolver competências socioemocionais, considerando a troca de ideias, o autoconhecimento e o aprender a aprender para construir e rearticular sonhos de futuro em projetos de vida.

As redações reproduzem desejos, motivações e interesses dos alunos e, assim, são registros de sonhos, o que se constitui em uma fonte de informações para repensar e reescrevê-los com o fluxo da vida, algo que rompe com os lamentos iniciais de falta de sonhos e que o real é viver apenas o hoje.