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Geoglifos atualizam a história da Amazônia
27 Março 2019 | Por Larissa Altoé
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O geoglifo de Jacó Sá foi tombado pelo Iphan em novembro de 2018 (Foto: Oscar Liberal)

Denise Pahl Schaan, doutora em Antropologia Social pela Universidade de Pittsburg, nos Estados Unidos, e professora da Universidade Federal do Pará, estuda os geoglifos desde 2005.

Ela afirma na publicação Geoglifos: paisagens da Amazônia Ocidental que “a importância desses sítios é inequívoca. O trabalho envolvido em sua construção, por parte de grupos indígenas que ali viveram há dois mil anos, sem a ajuda de modernas ferramentas para escavar e transportar toneladas de solo, indica que teria sido necessário um esforço coordenado de muitos braços, instruídos para a construção de gigantescas estruturas cuja precisão geométrica e consistência de medidas indicam planejamento meticuloso. Se pensarmos que para construir tais recintos – cercados por valetas e muretas – seria necessário ainda derrubar a floresta, teremos a exata dimensão do esforço despendido por grupos humanos que só tinham à sua mão machados de pedra e pás de madeira”.

A antropóloga se refere à estruturas gigantescas de terra feitas pelos povos pré-colombianos, reveladas com o desmatamento da região amazônica na década de 1970. Alceu Ranzi, geógrafo da Universidade Federal do Acre, pôde vê-los do alto, em 1986, em vôos comerciais entre Porto Velho (RO) e Rio Branco (AC). Pareceram-lhe desenhos compostos no solo argiloso e, por isso, foram batizados com esse nome: geo=terra e glifos=desenhos.

Geoglifos situados na Fazenda Atlântica (Foto: Diego Gurgel)

Os geoglifos têm formatos geométricos, principalmente círculos e quadrados, ocupando áreas entre 1 e 3 hectares, com diâmetros variando entre 20 e 385 metros. Atualmente, já foram identificadas 523 dessas estruturas. Segundo o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – Iphan, grupos indígenas contemporâneos se referem a eles como “tatuagens da terra”.

Em 9 de novembro de 2018, o Iphan tombou o geoglifo situado no Sítio Arqueológico Jacó Sá, a 40 quilômetros de Rio Branco (AC). Isso significa que o Estado brasileiro o colocou sob sua guarda para conservá-lo devido à “importância científica e histórica”.

Pesquisas de campo

Jennifer Watling, atualmente arqueóloga do Museu de Antropologia e Etnologia da Universidade de São Paulo, realizou pesquisas de campo nos geoglifos de Jacó Sá e Fazenda Colorado a partir de 2011. “A maior parte dos geoglifos são localizados bem longe dos rios grandes, na área considerada interfluvial. Isso é interessante porque várias pesquisas indicavam, ao longo dos anos, que essas áreas interfluviais não tinham sido densamente povoadas. A ideia estabelecida é que seria melhor morar perto de um rio, onde os recursos deveriam ser mais abundantes, com peixes e solos mais férteis para cultivar alimentos. Os geoglifos nos mostram que onde os pesquisadores pensavam que a floresta era intocada, na verdade, não era. Essas estruturas evidenciam que a Floresta Amazônica era manejada pelo homem há pelo menos 4 mil anos”.

Pesquisadores retiram solo para análise. Da esquerda para a direita: José Iriarte, Departamento de Arqueologia da Universidade de Exeter; Francis Mayle, Departamento de Geografia da Universidade de Reading, e seu aluno de doutorado, John Carson (Foto: Jennifer Watling)

Jennifer diz que a área dentro das valetas está, em geral, limpa, não contendo muitos objetos de uso cotidiano, como cerâmicas e outros. Essa característica descartou a hipótese de que os geoglifos fizessem parte de aldeias. Os pesquisadores acreditam que fossem espaços sociais coletivos, usados para festas e outros eventos comunitários.

Método científico

A equipe da qual Jennifer fez parte retirou amostras do solo dentro e fora dos geoglifos. A arqueóloga explica o método utilizado: “além de 20 centímetros de profundidade em solos amazônicos, chega-se à época pré-colonial e, com 1,5 metro de profundidade, a 4,5 e 6 mil anos atrás. Por meio dos fitólitos (microvestígios de plantas que ficam no solo por milhares de anos), dá para saber como era a vegetação. Desde pelo menos 6 mil anos atrás existe floresta de bambu naquele local, no Acre – o que comprova que a região era de floresta quando as pessoas construíram os geoglifos. Os sítios onde pesquisei têm datas de 2 mil anos, mas dentro deles havia vestígios de queimada (carvão) de 4 mil anos atrás e diferenças de tipo de vegetação ao longo do período. Esses indícios nos contam que desde 4 mil anos atrás as pessoas manejavam a floresta, plantando diversos tipos de palmeira muito úteis para construção de casas e alimentação. As palmeiras são plantas com grande importância socioeconômica para os povos amazônicos até os dias atuais. A pesquisa revelou que a floresta é antropizada, ou seja, foi transformada pela ação humana”.

Nem todas as árvores produzem fitólitos. Ao lado dos geoglifos, há floresta residual. Jennifer e a equipe de pesquisadores realizaram um inventário botânico dessa floresta que restou para avaliar a sua composição. Encontraram muitas espécies úteis, como castanha, cedro, vários tipos de palmeiras e árvores frutíferas. A pesquisadora diz que esse inventário é uma forte evidência de que, ao lado das palmeiras, os povos que habitavam o local antes da chegada dos europeus manejavam também essas outras espécies. “Não achamos nenhum tipo de vestígio que indique desmatamento análogo ao que se pratica hoje na Amazônia”.

A pesquisa científica revelou, também, que para construir os geoglifos Jaco Sá e Fazenda Colorado, a queima foi muito local, do tamanho dos sítios, e os construtores reflorestaram os terrenos logo após as construções. Os restos de carvão encontrados nas camadas retiradas do solo demonstraram que foram feitas pequenas queimadas, que mantinham a região com floresta em uma escala de paisagem, “bem diferente de hoje em dia, em que as reservas indígenas são como ilhas de vegetação em meio às áreas desmatadas”, salienta Jennifer.

Biodiversidade – legado dos povos originários

Por último, o estudo evidenciou que até nas áreas interfluviais – mais debatidas – a biodiversidade é um produto de atividade de humanos. “É importante quando pensamos na conservação dessas florestas para o futuro. A concepção atual é tirar os humanos completamente, mas, cada vez mais, evidências mostram que os humanos eram parte da floresta e da biodiversidade”, acredita Jennifer.

 
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