Qual a semelhança entre uma mitocôndria e uma usina hidrelétrica? A comparação pode parecer inusitada em um primeiro momento, mas tem ajudado os alunos do professor Lucio Roberto Panza da Silva, da E.M. Comenius (8ª CRE), em Bangu, a estudar conceitos de biologia celular. E essa é apenas uma das analogias propostas pelo jogo de tabuleiro Cidade-Célula, criado pelo docente para reforçar conceitos estudados em sala de aula de forma prática e divertida.
Com o conteúdo voltado para alunos do 8º ano, o jogo aborda as relações de complementaridade funcional de organelas da célula animal, como mitocôndria, lisossomo e núcleo, por meio do uso de representações de construções de uma cidade, entre elas uma usina hidrelétrica, um restaurante e uma biblioteca.
A ideia surgiu durante um curso de aperfeiçoamento em Biociências e Saúde, realizado pelo professor na Fundação Oswaldo Cruz – Fiocruz, em 2010, mas só começou a ser colocada em prática quatro anos depois, durante a pós-graduação em Ensino de Ciências e Biologia, concluída na Universidade Federal do Rio de Janeiro.
“Busquei um assunto em que os alunos pudessem fazer associações, links que transformassem o conteúdo em algo prático”, explica Lucio.
A concepção do jogo
Cidade-Célula foi elaborado a partir de adaptações do modelo TWA (Teaching With Analogie), proposto por Glynn em 1991, seguindo alguns passos para a estruturação do jogo, esquematizados, a seguir, pelo professor.
1º Passo – Introdução do conceito formal a ser ensinado: as funções das organelas da célula animal.
2º Passo – Introdução do “correspondente análogo”: apresentam-se as funções sociais das construções prediais.
3 º Passo – Identificação das características relevantes do “análogo” utilizado: inicia-se debate sobre as funções diárias que ocorrem no interior das unidades prediais.
4 º Passo – Estabelecimento das similaridades entre o “análogo” e o “alvo”: a célula é mostrada como uma “grande cidade”, onde as construções representam suas organelas e fazem referência ou indicam suas funções, conforme a tabela a seguir:
5 º Passo: Determinar regras, iniciar o jogo e analisar a percepção dos estudantes durante as partidas: aplicação de um questionário semiestruturado, com perguntas abertas e fechadas, para coletar dados sobre o manuseio do jogo pelos alunos.
A dinâmica do jogo
Antes de apresentar o Cidade-Célula, Lucio Panza deu as aulas teóricas referentes ao conteúdo proposto pelo jogo. Só então levou a atividade aos alunos, que foram se revezando, em várias partidas.
O jogo é composto por:
- Um tabuleiro com 35 casas (“trilhos” da cidade) e seis prédios – usina hidrelétrica, biblioteca, rodoviária, farmácia, alfândega e restaurante –, feitos em EVA;
- seis pequenos tabuleiros individuais para cada jogador, no formato de uma célula, também confeccionados em EVA;
- setenta cartas com perguntas relacionadas ao conteúdo de Biologia proposto;
- quarenta e oito peças representando organelas celulares, sendo seis unidades de cada (lisossomo, ribossomo, retículo endoplasmático rugoso, retículo endoplasmático liso, complexo de Golgi, centríolo, mitocôndria e núcleo);
- um dado e seis peões.
Todo jogador inicia a partida na fronteira da cidade (membrana celular). Depois de lançar o dado, percorre o número respectivo de casas, representadas pelos trilhos dos microtúbulos.
Em seguida, responde à pergunta que consta em uma das cartas, lida por outro integrante. Se acertar, conquista uma organela para montar sua “célula” individual. Se a resposta não tiver adequada, o jogador devolve uma organela – caso possua –, e permanece na mesma casa.
Durante o percurso, sempre que o peão parar em um dos “prédios da cidade” ou nos trilhos que possuem imagens de centríolos ou ribossomos, o jogador ganha uma organela.
No trajeto, também há perigos e armadilhas, como “assalto” (em que se perde todas as organelas já conquistadas) ou a casa “volte ao início”.
Vence o participante que completar a célula “seu tabuleiro individual” primeiro.
Durante o jogo, o professor assume a função de mediador do grupo de alunos, esclarecendo possíveis dúvidas e incentivando os adolescentes.
Os resultados e as impressões dos alunos
Para o professor, além de motivar a participação dos estudantes na construção do próprio conhecimento, a atividade favorece a socialização e resgata uma forma de brincar não muito familiar aos adolescentes.
“A geração deles é a dos games no celular ou no computador, mas este jogo não tem nada de digital. Então, acabou sendo uma forma de ‘resgatar’ os jogos de tabuleiro”.
A avaliação e as impressões dos estudantes sobre o Cidade-Célula foram obtidas por meio de um questionário distribuído a uma turma de 8º ano, ainda em 2015, quando o professor lançou o desafio.
Todos os estudantes aprovaram a atividade, por ser “uma forma de aprender a matéria brincando”. Em geral, mostraram-se surpresos e intrigados com a proposta de comparar uma célula com uma cidade, e disseram terem sido desafiados, sobretudo, com algumas “pegadinhas” presentes nas perguntas.
Houve também quem minimizasse uma eventual complexidade, mas reconhecesse a necessidade de estudar. “Não me senti com dificuldades, apenas tinha coisas que eu não sabia responder. Mas é só estudar”, escreveu um dos alunos.
Confira, no vídeo abaixo, o depoimento das alunas Gabriela Rosa Borrigueiro e Ana Julia Bittencourt Brito, do 9º ano da E.M. Comenius, que têm jogado o Cidade-célula para revisar conteúdos.