A prevenção de conflitos e o estímulo a uma cultura de paz que passam pelo cuidado, pela atenção plena e pela empatia foram temas abordados por Thais Publio, filósofa e especialista em Terapias Naturais pela Universidade da Paz (Unipaz-RJ), e Danielle Motta, doutora em Psicologia Social e pesquisadora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), durante palestra da I Semana de Educação Socioemocional, realizada na Escola de Formação Paulo Freire.
Com experiência em práticas pedagógicas voltadas à promoção da paz com crianças e jovens, Thais Publio enfatizou que “paz não é solução, é caminho, uma forma de se estar diante dos conflitos da vida”, e falou sobre a importância do cuidado e da relação com o outro.
“São as relações que estabelecemos com o outro, inclusive as diferenças, que nos constituem. Sou professor quando tenho alunos. Mas é impossível cuidar e ajudar o outro se estamos num processo de confusão interna, se não estamos nos cuidando”, pontuou.
Citando o filósofo espanhol Alfonso López Quintás, ela afirmou que o ser humano é um ser de encontros, e que é preciso cuidar desses encontros. “O cuidado é uma escolha que fazemos diante da necessidade do outro. Todos nós necessitamos de cuidados. O ser humano é vulnerável.”
A partir daí, a filósofa falou sobre os quatro modos de vulnerabilidade existentes e sobre a necessidade de se cuidar de cada uma dessas dimensões:
- Física: “Nosso corpo é frágil e nos revela; é reflexo do que somos. Ele mostra a ferida que tentamos esconder”.
- Psíquica: “Mental e emocional; o como me sinto quando me revelo para o mundo e para o outro. As feridas que se manifestam são as incertezas e o malquerer”.
- Social: “É relação de pertencimento que estabelecemos. As feridas podem ser a exclusão, a humilhação, a violência. Por isso, cuidar dos vínculos é fundamental”.
- Espiritual/existencial: “É o ser humano em busca de consciência. A ferida é a ausência de sentido, o niilismo, o vazio existencial, não haver motivo para ser. E isso é muito comum entre os jovens: querer saber por que, para quê. Temos uma juventude entediada. Até mesmo nós, professores, por vezes nos perguntamos por que estamos fazendo determinada coisa”.
Assim, Thais Publio propõe que os professores cuidem de si – respeitando o tempo de pausa para o corpo – e dos outros – observando a maneira como ouvem e falam com o outro, a fim de se construir uma relação mais saudável.
“Cuidar do outro é olhar para um aluno e ele se sentir olhado; é mostrar a História não apenas por guerras, mas por movimentos pacíficos que transformaram a sociedade, como o movimento sufragista, Gandhi, as Mães de Maio, entre outros”, exemplifica.
A palestrante reforça, ainda, a importância de cuidar da natureza, para que haja vida, e das organizações, do bem comum, no sentido de inovar e atender à comunidade.
“Há uma diferença entre pertencer e participar. Podemos mudar a participação. Isso traz potência no ser. Temos que despertar o ser participador.”
Especialista em Terapias Naturais, ela incitou os professores a atuarem como jardineiros.
“Seremos, então, o jardineiro, que cuida da semente e dá condições para ela crescer e ser. Ele não cria a vida e nem é dono dela. Não espera da semente aquilo que ela não é. Não abandona, mas também não coloca água ou vitaminas demais. Ele cuida para que apareça o melhor que ela pode ser.”
Atenção e empatia também se educam na escola
Para Danielle Motta, psicóloga e pesquisadora do projeto Aprendendo a Cuidar, do Laboratório de Estudos Contemporâneos da Uerj/Labore, todo ser humano nasce tendo empatia e atenção, mas é preciso cultivar essas qualidades para não perdê-las.
Ela explicou que empatia é uma habilidade social composta por três componentes: o cognitivo, por adotar a perspectiva do outro e inferir seus pensamentos e sentimentos; o afetivo, caracterizado por uma predisposição para experimentar a compaixão e a preocupação com o bem-estar de outras pessoas; e o comportamental, o que fazemos a partir do que sentimos.
Sobre o conceito de atenção plena (mindfulness), ela destacou a definição do cientista e médico Jon Kabat-Zinn, de que seria a “consciência que emerge quando prestamos atenção de propósito no momento presente e sem julgamento”.
A psicóloga citou dois exemplos de ampla repercussão em que a atenção plena teve papel fundamental. Primeiro, o caso das crianças que ficaram presas em uma caverna na Tailândia, em julho deste ano, em que a prática de meditação proposta pelo adulto que as acompanhava ajudou a contornar a situação de crise e manter a calma. E, no Rio, o caso do professor da Rede Roberto Ferreira, que, em meio a um tiroteio no entorno da escola, levou as crianças para o corredor e atraiu a atenção delas ao tocar violão e cantar.
“Estamos importando o hábito oriental da meditação, o que é ótimo. Mas vejam que o professor Roberto fez uma prática mindfulness ao tocar para as crianças e mudar o foco. A atenção é a chave da calma”, explicou.
Segundo Danielle Motta, a atenção plena é uma qualidade da atenção, um estado que pode se tornar um traço, um registro no cérebro, a partir da repetição, ou seja, do hábito. “É o avesso do piloto automático. É um olhar de principiante, a capacidade de se encantar.”
Na visão da psicóloga, há uma confusão comum entre sentimento e comportamento. “Todas as emoções são naturais, estão certas. O comportamento é que nem sempre. Sentir raiva não é o problema; o sentimento diz muito sobre nós. A questão é como lidamos com isso, como reagimos. Precisamos responder antes de reagir”, esclareceu, sugerindo que os professores assistam à animação Divertida Mente (produzida pela Pixar e lançada pela Disney), que, para ela, se trata de uma aula de teoria socioemocional.
De acordo com a especialista, a atenção plena é menor durante o período conhecido como refratário, quando somos invadidos por uma emoção perturbadora que nos faz reagir e não responder.
Assim, ela defendeu que não se pode pensar sem se acalmar, e sugeriu duas práticas simples que podem exercitar a atenção plena. Uma delas é a meditação, que, para Danielle Motta, ainda é vista de maneira estereotipada. “Não se trata de não pensar em nada, ou apenas de uma técnica de relaxamento ou exercício de respiração. Trata-se de focar a atenção em algo, que pode ser, por exemplo, a própria respiração.”
A outra prática pode ser desenvolvida em atividades cotidianas. “É, intencionalmente, trocar o modo piloto automático pelo modo plenamente atento, seja enquanto come, caminha, escuta. Observar o que está no caminho, as árvores, os pássaros...”
Segundo a psicóloga, para ensinar a ser empático é preciso ensinar a se acalmar. Mas como o professor pode estimular a empatia, na prática? Ela apresentou algumas propostas específicas usadas em seus projetos de pesquisa, que atuam ampliando o repertório e validando as emoções, definindo empatia e incentivando um comportamento pró-social, por meio de textos e filmes infantis, teatro, recorte e colagem, desenho e pintura. Por exemplo:
1) Baralho de emoções – A construção de um “abecedário emocional” da turma, para ampliar o repertório de sentimentos conhecidos pelos alunos – que eram restritos a “bem” e “mal”. Para isso, as crianças realizaram, inclusive, entrevistas com pais, responsáveis e profissionais da escola.
2) Festival de caretas – Por meio de mímica e oficina de máscaras, exercitar a percepção das emoções por meio da expressão facial. Também foi usado o livro Quer saber quantas caras eu tenho?, de Plínio dos Santos.
3) Empatia com pipoca – Exercício de identificação de emoções pela expressão facial e pelo contexto, e definição do tema empatia para crianças (7 a 10 anos), a partir dos filmes de animação Irmão Urso e Lucas, um intruso no formigueiro. Nesses casos, foram selecionadas cenas em que as emoções eram mais evidentes, para conduzir a atenção das crianças.
4) O teatro do ursinho – Dramatizações a partir de um teatro de ursinhos, visando estimular o comportamento empático com ênfase nos componentes cognitivo (como o outro se sentiu?), afetivo (como me senti assistindo?) e comportamental (como posso ajudar?).
5) Mural da ajuda – Sensibilizar e estimular o comportamento pró-social por meio da confecção de um mural para promover o reconhecimento e a compreensão de estados emocionais em situações problemáticas e inspirar atitude generosa; coleção de boas ações (a ideia de que todos temos o poder de ajudar).
A importância da escuta
A pesquisadora da Uerj comentou, ainda, que é preciso exercitar e valorizar a escuta. “Vemos muitos cursos de oratória, mas não de ‘escutatória’ ”, disse Danielle, parafraseando o escritor e psicanalista Rubem Alves, em A escutatória.
Para Danielle Motta, a prevenção de conflitos se dá quando ensinamos à criança que ela precisa de um tempo. “É quando pedimos que ela respire – desviando a atenção; que conte até dez – esperando passar o período refratário; e se coloque no lugar do outro. Ser empático começa em decidir ser empático. E a criança não aprende quando o exemplo não existe.”
Mais informações sobre o tema podem ser encontradas na cartilha do projeto Aprendendo a Cuidar, iniciativa do Laboratório de Estudos Contemporâneos da Uerj/Labore, com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro – Faperj.
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