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A história das mulheres cientistas no Brasil
11 Fevereiro 2020 | Por Carla Araújo
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A história da educação feminina no Brasil é permeada pela exclusão. Assim como na maioria do mundo ocidental, por aqui elas ingressaram na escola tardiamente, tinham a formação voltada para os cuidados do lar e, apenas em 1879, o governo imperial brasileiro permitiu a entrada delas nas faculdades, mas somente com a aprovação do pai ou do marido.

No Brasil, as mulheres são a maioria da população há 27 anos, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e, atualmente, representam 49% do total de bolsistas do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Em um primeiro momento, esses dados parecem revelar uma igualdade na pesquisa nacional, mas um olhar um pouco mais atento revela que, na realidade, a ciência brasileira ainda é bem desigual.

Dados do CNPq revelam que 59% das bolsas de iniciação científica são de pesquisadoras, mas, nas de produtividade – que são as mais prestigiadas e com financiamento maior –, a parcela feminina cai para 35,5%. Dentro desse grupo existem ainda as bolsas 1A concedidas a pesquisadores sênior e apenas 24,6% delas são para cientistas do gênero feminino.

Mulheres cientistas brasileiras

Em 1954, o pesquisador russo Wladimir Besnard, a cientista Marta Vannucci e o reitor da USP Jose de Mello Moraes (Acervo Instituto Oceanográfico da USP)

As primeiras instituições de ciências exatas brasileiras surgiram durante o reinado de D. Pedro II, como a Escola Politécnica da Cidade do Rio de Janeiro, em 1874. Em 1845, havia sido criado o Imperial Observatório do Rio de Janeiro, atualmente Observatório Nacional e, em 1887, em Campinas, foi criado o Instituto Agronômico. Já na República, surgiram diversos outros órgãos focados em pesquisa, como a Escola Politécnica de São Paulo, em 1894, o Instituto Butantan, em 1899, e o Instituto Soroterápico Municipal de Manguinhos, criado em 1900 e transformado em Instituto Oswaldo Cruz em 1907.

Em sua maioria, os pesquisadores e professores dessas instituições eram homens estrangeiros ou brasileiros formados no exterior. A exceção era a presença da cientista Emilia Snethlage, graduada na Alemanha e que veio para o Brasil em 1905 trabalhar como assistente de Zoologia no Museu Emílio Goeldi, em Belém do Pará. Ela publicou uma obra que fazia inventário de mais de 1.100 espécies de aves amazônicas.

Ao longo da história, algumas brasileiras nascidas ou naturalizadas conseguiram superar as dificuldades de acesso à educação, abriram caminho para outras cientistas e hoje têm as histórias contadas como maneira de inspirar jovens apaixonadas pelas ciências em publicações como o livro Pioneiras da ciência no Brasil, lançado em 2018 em comemoração aos 70 anos da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC).

Uma delas é a bióloga paulista Bertha Lutz, cujas contribuições vão além da ciência. Nascida em 2 de agosto de 1894, foi uma das pioneiras pela luta do voto feminino no Brasil e atuou intensamente na pesquisa zoológica voltada para espécies anfíbias brasileiras. Também nas Ciências Biológicas, destaca-se o pioneirismo de Marta Vannucci, primeira mulher a se tornar membro titular da Academia Brasileira de Ciências, em 1955. Nascida em 1921, em Florença, na Itália, dedicou a vida a pesquisar os ecossistemas dos mangues e se tornou uma das maiores especialistas do mundo no assunto, além de ter sido uma das principais responsáveis pela criação do Instituto Oceanográfico da USP .

Natural de Corumbá, Mato Grosso do Sul, Graziela Maciel Barroso tem o título de “primeira dama da botânica do país”. Trabalhou no Jardim Botânico do Rio de Janeiro, ingressou na faculdade aos 49 anos para cursar Biologia na Universidade do Estado do Guanabara, atual Uerj, e foi professora de diversas universidades. Tornou-se a maior catalogadora de plantas do Brasil e mais de 25 espécies vegetais identificadas nos últimos anos foram batizadas em homenagem a ela, que faleceu em 2003, um mês antes da data que seria empossada na Academia Brasileira de Ciências.

Engenharia e ciências exatas

A engenheira Enedina Alves (Acervo Gazeta do Povo, domínio público)

Instituições de fomento científico continuaram a ser criadas no Brasil e, em 1916, foi fundada a Academia Brasileira de Ciências. Em 1920, foi aberta a Universidade do Brasil e, em 1934, a Universidade de São Paulo. Já nos anos 1920 graduaram-se as primeiras engenheiras brasileiras, como Edwiges Maria Becker Hom’meil, Anita Dubugras, Iracema da Nóbrega Dias e Maria Esther Corrêa Ramalho. A primeira engenheira negra do Brasil, Enedina Alves, formou-se na Universidade Federal do Paraná apenas em 1945.

Nascida na Checoslováquia em 1924 e naturalizada brasileira em 1956, Johanna Döbereiner foi uma engenheira agrônoma que revolucionou a agricultura. Demonstrou que, na sojicultura no Brasil, era possível utilizar certos tipos de bactérias que fixam o nitrogênio, dispensando o adubo mineral que é caro e nocivo ao meio ambiente. Durante os anos 1990, Johanna era a mulher brasileira mais citada pela comunidade científica e, em 1997, foi indicada ao Nobel de Química.

Dados do CNPq de 2017 revelam uma discrepância maior entre o número de pesquisadores por gênero nas ciências exatas. Enquanto nas áreas de Saúde, Linguística, Letras e Artes e Biológicas existem mais mulheres cientistas do que homens, nas Ciências Exatas e da Terra elas são apenas 34% e em Engenharia e Computação, 36% do total.

Algumas cientistas abriram os caminhos para outras no estudo das chamadas “ciências duras”, como a francesa Yolande Anna Esther Monteux, que chegou ao Brasil em 1913, com 3 anos de idade e, em 1937, foi a primeira mulher a se graduar em Física no país na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP. Já a paulista Sonja Ashauer foi a primeira brasileira a concluir o doutorado em Física, em 1948, na Universidade de Cambridge.

A polonesa Blanka Wladislaw, nascida 1917, chegou ao Brasil aos 14 anos e é lembrada pelo pioneirismo nos estudos e no ensino da Química. Na década de 1950, após estudar no Imperial College of Science and Technology da Universidade de Londres, iniciou no Brasil uma nova linha de pesquisa no campo de Eletroquímica Orgânica. Foi, também, responsável pelo ensino e pesquisa de Química Orgânica no Departamento de Química da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP até a formação do Instituto de Química da USP, em 1970.

Na Matemática, a paulista Elza Furtado Gomide foi a primeira mulher a se doutorar em Matemática em uma instituição nacional. Ela se formou em Física em 1944, na USP, mas na metade do curso, percebeu que se interessava muito mais por Matemática. Defendeu a tese de doutorado em 1952 também na USP e, em 1968, passou a chefiar o Departamento de Matemática da universidade.

Avanços na medicina

A médica paraense Maria José von Paumgartten Deane (Acervo Agência Fiocruz)

Na saúde, algumas cientistas realizaram descobertas relevantes que mudaram tratamentos e revolucionaram a medicina brasileira. A parasitologista e protozoologista Maria José von Paumgartten Deane, nascida em 1916, no Pará, e graduada pela Faculdade de Medicina e Cirurgia do Pará em 1937, se dedicou às pesquisas de campo e laboratório fundamentais no combate a males como malária, leishmaniose visceral, verminose e leptospirose. Em 1980, foi chefe do departamento de Protozoologia do Instituto Oswaldo Cruz (Fiocruz) e, em 1986, foi nomeada vice-diretora do instituto.

Criada em São Paulo, a austríaca Ruth Sonntag Nussenzweig se formou em Medicina na USP em 1953. Desenvolveu um método capaz de identificar a presença do parasita da Doença de Chagas e, em 1967, imunizou roedores contra a malária, abrindo portas para o desenvolvimento de uma vacina contra a doença. Em 2013, foi a primeira pesquisadora brasileira a ser eleita para a Academia de Ciências dos Estados Unidos e a primeira a chefiar a divisão de Parasitologia da Universidade de Nova York, onde fixou residência após 1964.

Formada pela Universidade Federal de Goiás, a médica epidemiologista Celina Turchi Martelli é responsável por comprovar cientificamente a associação entre o zika vírus e casos de microcefalia em maternidades do Recife em 2015. Ela foi eleita como um dos dez nomes de maior destaque da ciência em 2016 pela revista Nature e, no ano seguinte, passou a integrar a Academia Brasileira de Ciências. A médica Adriana Melo, graduada pela Universidade Federal de Campina Grande, na Paraíba, também apresentou provas da relação entre o vírus zika e a microcefalia. Ela é presidente do Instituto de Pesquisa Professor Joaquim Amorim Neto, que desenvolve estudos na área de saúde do feto e da criança e pesquisas sobre as consequências de longo prazo em bebês com microcefalia e síndrome congênita da Zika.

Cientistas negras brasileiras

A filósofa e antropóloga Lélia Gonzalez é lembrada pelos estudos da história e da cultura negra no Brasil. Nascida em 1935, em Belo Horizonte, mudou-se com a família para o Rio de Janeiro onde graduou-se em História e Geografia, em 1960, e dois anos depois, tornou-se bacharel em Filosofia pela Universidade Estadual da Guanabara, atual Uerj. Lélia publicou livros e artigos, iniciou o primeiro curso de Cultura Negra na Escola de Artes Visuais do Parque Lage (EAV), participou da fundação do Instituto de Pesquisas e Estudos Afro-brasileiros, no Rio de Janeiro e dirigiu o departamento de Sociologia e Política da PUC-Rio.

A filósofa e antropóloga Lélia Gonzalez, em 1979 (Acervo Lélia Gonzalez)

Embora a população brasileira seja formada por 55.8% de pessoas negras, de acordo com dados do IBGE divulgados em 2018, informações do CNPq revelam que mais de 60% dos pesquisadores são brancos e brancas. Em 2015, o órgão registrava 18.865 mulheres brancas bolsistas e 6.695 negras.

A Associação Brasileira de Pesquisadores(as) Negros(as) – ABPN, fundada em 2000, trabalha na defesa da pesquisa acadêmico-científica realizada prioritariamente por cientistas negros e negras, entre elas a doutora e mestra em Ciências e Licenciada em Química pela UFRJ Anna Maria Canavarro Benite. Professora da Universidade Federal de Goiás, ela coordena o Laboratório de Pesquisas em Educação Química e Inclusão (LPEQI), onde instituiu, em 2009, o Coletivo CIATA- Grupo de Estudos sobre a Descolonização do Currículo de Ciências.

A atual presidente da ABPN, Nicea Quintino Amauro, é doutora, mestra e bacharel em Química pela USP e professora da Universidade Federal de Uberlândia. Lá, é orientadora no Programa de Pós-graduação em Ensino de Ciências e Matemática (PPGECM) e no Programa de Pós-graduação em Química da Universidade Federal de Uberlândia (PPQUI).

A gaúcha Katemari Rosa é graduada em Física pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, mestra em Ensino, Filosofia e História das Ciências pela Universidade Federal da Bahia, e mestra e doutora em Science Education pela Universidade de Columbia, em Nova Iorque. Ela é integrante da Sociedade Brasileira de Física, atuando como membro do Grupo de Trabalho de Minorias na Física e representante da região Nordeste na Comissão de Ensino de Física.

Conheça mais mulheres cientistas brasileiras no portal Pioneiras da Ciência do CNPq e no vídeo abaixo:

Fontes:
Portal IBGE;
Portal CNPq;
Portal Capes;
Portal Ciência Hoje;
Portal Mulheres e Meninas na Ciência – FioCruz;
Calendário Cientistas Negras – Fiocruz;
Associação Brasileira de Pesquisadores(as) Negros(as) – ABPN;
Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC);
Academia Brasileira de Ciências;
Sociedade Brasileira de Física;
Pioneiras da ciência no Brasil, Hildete Pereira de Melo e Lígia Maria Rodrigues – SBPC;
Mulheres e ciência: uma história necessária, Hildete Pereira de Melo e Lígia Maria Rodrigues – SBPC;
Pioneiras da ciência no Brasil: uma história contada doze anos depois, Hildete Pereira de Melo e Lígia Maria Rodrigues – SBPC;
Mulher na ciência: ciência também é coisa de mulher, Mariane Rodrigues Cortes – UFF;
Mulheres na ciência: por que ainda somos tão poucas?, Vanderlan da Silva Bolzani – Unesp.

 
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