Na manhã do dia 9 de setembro, o 7º Fórum Pensar a Infância reuniu quatro realizadores de ações culturais que sempre colocam a garotada em primeiro lugar. Embora bem distintas entre si, essas iniciativas visam à construção de um mundo mais feliz para as crianças. Lara Pozzobon (diretora do Festival Assim Vivemos), Tatiana Weberman (uma das criadoras do movimento SlowKids), Felipe Haiut (cofundador da ONG Conexão do Bem) e Nélio Spréa (vencedor do 8º Prêmio Brasil de Cinema Infantil na categoria Histórias Curtas, com o filme A Escola de Ensino Fenomenal, realizado em parceria com Levi Brandão) trocaram impressões sobre as frentes em que é possível desenvolver trabalhos de impacto sobre a realidade. Em comum, a crítica de que a sociedade atual está projetando supercrianças, esperando que os filhos correspondam a uma idealização, o que tem consequências negativas no dia a dia.
Inclusão é benéfica para todas as pessoas
O Assim Vivemos, Festival Internacional de Filmes sobre Deficiência, já está em sua sétima edição. Realizado bienalmente, iniciou-se em 2003 e, até hoje, é o único com essa temática em todo o país. Inspirado em um projeto semelhante de Munique, na Alemanha, o festival lança mão de vários recursos simultaneamente, como a audiodescrição e a interpretação na Linguagem Brasileira de Sinais (Libras). “A experiência do audiovisual pega as pessoas pelo afeto. Os filmes ensinam mesmo que não sejam feitos para isso”, afirmou Lara, que engrossa o coro de quem aposta no poder educacional da TV e do cinema.
Produtora de longas-metragens, ela acredita que o contato entre o público com deficiências e o sem deficiências promove um enriquecimento mútuo, porque possibilita a percepção de outra forma de estar no mundo. “Após a exibição, costumamos fazer entrevistas e observar a reação dos grupos. O sentimento de identificação de uma boa parte com os personagens retratados costuma ser grande. No fim, todos descobrem que estão diante da mesma questão: conseguir autonomia como ator social”.
Devagar e sempre
Tatiana Weberman é mãe de gêmeas que ainda não completaram dois anos de vida. Elas não sabem que vão crescer ouvindo a mesma recomendação que Tatiana repete para todo mundo, especialmente os adultos: lugar de criança é brincando lá fora. A grande proposta dessa produtora cultural é promover experiências de desaceleração do cotidiano e de ocupação de espaços públicos, o que já tirou muita gente do sofá na cidade de São Paulo nos últimos anos. No Fórum Pensar a Infância, ela explicou a lógica do SlowKids, realizado na capital paulista desde 2013 e que, agora, chega a Belo Horizonte, mas que já era comum em Barcelona, onde conheceu a proposta. “É preciso mais tempo de qualidade de pais com os filhos, tirar a criança da frente das telas, estimular o deslocamento por outras áreas além da vizinhança e aprender a trocar e compartilhar brinquedos, como uma alternativa ao consumismo”.
Tatiana acredita que a crise infantil é resultado da ansiedade dos adultos. “Vamos colocar as crianças no ‘estado de brincar’, desacelerar e desplugar. Elas passam cinco horas por dia na escola e o dobro em frente às telas de TV e do computador.” Durante as refeições, aparece um indício ruim: é comum que os pequenos fiquem isolados na mesa, brincando com o celular. “Vamos, também, interagir com eles, que vão ter a vida inteira para se conectar”.
Alegria faz bem à saúde
Pensando em melhorar a qualidade de vida dos pacientes e, também, de quem está trabalhando, a Conexão do Bem realiza intervenções artísticas dentro do Hemorio, centro que coordena os serviços de hemoterapia no Estado do Rio de Janeiro, além de hospitais públicos municipais. Inspirada nos moldes da palhaçaria terapêutica, a ONG é composta por um grupo de atores e músicos que há três anos desfilam pelos corredores da instituição, como num cortejo carnavalesco. Para Felipe Haiut, já está na hora de horizontalizar as relações entre o ambiente hospitalar e a sociedade, da qual ele fica tradicionalmente isolado. “O controle dentro do hospital não deixa a criança brincar. O tempo que passamos lá é o único momento em que o paciente tem o direito de dizer ‘não’, caso não queira participar”.
Em situação de internação, a TV pode ser uma forte aliada para a recuperação infantil, o que reforça a importância do audiovisual. Como pais e crianças filmam os eventos da Conexão do Bem a cada nova visita e o grupo se encarrega de fazer as postagens na internet, dá para rever as apresentações também pelas redes sociais. “Nossas relações se estendem para além do hospital, o que possibilita compartilhar e reviver os bons momentos”.
Empenho pessoal e intransferível
Cineasta e educador, Nélio Spréa dá palestras em programas de formação pedagógica das redes municipais de ensino em várias regiões do Brasil. Em paralelo, aproveita suas andanças para pesquisar as expressões da cultura popular, inclusive as brincadeiras infantis, que gosta de fazer circular em suas produções, como o premiado curta-metragem O Fim do Recreio, realizado em parceria com Vinicius Mazzon. “Procuro fazer o resgate do patrimônio lúdico transmitido pela tradição oral, que dá origem ao caldo cultural brasileiro, ao mesmo tempo que reúno isso com a expressão do imediato, o reflexo do hoje e dos sonhos das crianças. São duas expressões que se cruzam”, explicou.
Nélio não compartilha do saudosismo de quem pensa que, antigamente, tudo era melhor, e prefere recuperar tesouros que não estão perdidos a resmungar. Partidário da ideia de desaceleração do cotidiano, ele destaca a importância da liberdade de não fazer nada, cada vez mais rara até mesmo entre a meninada. “Isso demanda esforço. Menos telas para as crianças, comecemos por nós mesmos”, recomendou ao público. E os adultos suspiraram, entre o sonho e a resignação.