Definir o Palácio das Laranjeiras como a residência oficial do governador do estado do Rio de Janeiro é muito pouco, diante de sua tremenda importância para a história contemporânea brasileira. O palácio já foi cenário do anúncio do AI-5, em 1968; quartel-general para a campanha das Diretas Já, em 1984; e ponto de encontro dos governadores que conceberam a Constituição de 1988.
No início, um conto de fadas
A saga do Palácio das Laranjeiras se iniciou com os Guinle. A construção, inclusive, fica no parque que leva o sobrenome da família e está situado nas encostas do Morro Nova Cintra, no bairro carioca das Laranjeiras. Do platô transformado em ponto estratégico, a 25 metros de altura, se avistava até a Baía de Guanabara, numa época em que as famílias mais abastadas ainda começavam a deslocar suas moradias do Centro para a Zona Sul, como consequência da reforma urbana realizada pelo prefeito Pereira Passos, visando dar à cidade uma atmosfera de modernidade.
O projeto de autoria do arquiteto Armando Carlos da Silva Telles, além do próprio proprietário, o engenheiro Eduardo Guinle, levou cinco anos para ficar pronto – de 1909 a 1914 – e estima-se que tenha custado o equivalente a 24 milhões de dólares. Não apenas pela estrutura do edifício, mas porque a ambientação do palácio conta com trabalhos de vários artistas europeus: escultores como Georges Gardet e Émile Guillaume, pintores como Nardac e Georges Picard, e decoradores da Maison Bettenfeld, empresa francesa de fabricação de móveis finos, que assinaram as obras encontradas especialmente nos oito salões da ala social, como a Sala de Jantar, com seus cem metros quadrados. Além do espaço que servia de cartão de visitas, existem, ainda, uma ala residencial e uma ala de serviços, a última bem mais austera em termos de acabamento. No segundo pavimento, ficam as dependências reservadas para o lazer e o estudo. O acesso se dá por suntuosas escadarias ou pelo primeiro elevador a funcionar na América Latina, instalado atrás de uma porta falsa, para não quebrar o classicismo predominante.
A fachada principal do Palácio das Laranjeiras foi inspirada na do Cassino de Monte Carlo, em Mônaco, projetado por Charles Garnier, mesmo arquiteto que desenhou o prédio da Ópera de Paris. Aparentemente, a opção do empresário pela opulência tinha como objetivo preencher sua necessidade de autoafirmação e fazê-lo se distanciar de sua origem modesta e sem tradição. Filho mais velho, Eduardo nasceu em 1878, num sobrado na Rua da Quitanda. No térreo, funcionava a loja Aux Tuilleries, onde o patriarca Eduardo Palassin Guinle vendia artigos importados da Europa. A partir da sociedade firmada entre ele e Candido Gaffrée, com quem fundou a Companhia Docas de Santos e a Companhia Brasileira de Energia Elétrica, se constituiu uma das maiores fortunas do país para a época.
O caráter inovador de Eduardo filho à frente da Casa Guinle multiplicou ainda mais o patrimônio que havia herdado. A empresa detinha a exclusividade para a comercialização das melhores marcas estrangeiras em um Brasil pré-industrializado – produtos da General Electric, Elevadores Otis, Kodak, Mercedes-Benz e RCA Victor, entre outras. No entanto, investimentos diversificados em incorporação imobiliária, fazendas e mineração nem sempre deram certo. Quando morreu, aos 62 anos, em 1941, os negócios não iam bem. Sua esposa, Branca Guinle, morou no palácio até 1947, quando, então, aceitou a proposta irrecusável do governo federal para vender a propriedade, localizada em uma imensa chácara urbana de 430 mil metros quadrados, e também a coleção de obras de arte que decorava seu interior. A transação foi fechada por 27,5 milhões de cruzeiros, suficiente para comprar uma centena de apartamentos de classe média na Zona Sul do Rio de Janeiro. A mulher e os três filhos de Eduardo Guinle receberam, ainda, alguns terrenos na Esplanada do Castelo, como parte do pagamento.
Os anos de ouro
A partir de então, a administração do palácio passou para a responsabilidade do Ministério das Relações Exteriores. Fachadas revestidas de mármore de Carrara, telhado em placas de ardósia e três águias de bronze no alto da construção ilustram muito bem a exuberância da hospedagem com que se desejava impactar governantes estrangeiros em visita ao Brasil. Diversos deles, incluindo o presidente norte-americano Harry Truman, passaram por ali. Até que, em 1957, o presidente Juscelino Kubitschek mandou fazer uma reforma e se mudou com a família para lá, onde viveu até a inauguração de Brasília, três anos mais tarde.
Foi um período dos mais positivos. Além do trânsito das autoridades da República, eventualmente havia saraus e bailes. Celebridades da música nacional e internacional – entre as quais Ataulfo Alves, Pixinguinha, Nat King Cole e Louis Armstrong – se apresentaram nesses eventos. Em outras ocasiões, eram os grandes nomes do esporte, como o jogador Didi (Waldir Pereira) e a tenista Maria Esther Bueno, que comemoravam suas vitórias fora do país na residência presidencial. Até mesmo estrelas do cinema, como Kim Novak, Marlene Dietrich e David Niven, chegaram a ser recebidos por Juscelino, assim como o escritor Aldous Huxley. Numa conversa do presidente com Oscar Niemeyer, também no palácio, ficou definida a proposta para a Catedral de Brasília. Nomes de destaque na política brasileira e estrangeira, como Fidel Castro, estiveram de visita no Laranjeiras.
Os anos de chumbo
Como a máquina administrativa da capital federal precisava de tempo para ser transferida para o Planalto Central, o sucessor de Juscelino após a renúncia de Jânio Quadros, João Goulart, frequentemente estava no Rio e despachava no Palácio das Laranjeiras, que também usava como residência oficial. Darcy Ribeiro, então chefe da Casa Civil, e Raul Ryff, secretário de Imprensa, eram presenças constantes. Como morria de medo de dentista, Jango montou um consultório dentro do palácio, que atendia também os funcionários, mas ele mesmo só recebia atendimento depois que lhe aplicavam uma anestesia geral, de acordo com o depoimento da família, registrado no livro Palácio das Laranjeiras, de Beatriz Silva.
Foi entre aquelas paredes que a equipe elaborou o programa de governo que incluía o controle da remessa de lucros das empresas estrangeiras, a desapropriação de terras para reforma agrária e o monopólio de exploração e refino de petróleo, estopim para o Golpe Militar de 1964. O discurso do histórico comício da Central do Brasil, em 13 de março de 1964, foi redigido no gabinete de João Goulart, no segundo andar, que fica ao lado da suíte presidencial. Jango estava em casa quando recebeu do ministro da Fazenda, San Tiago Dantas, a notícia de que os Estados Unidos estavam envolvidos no golpe em curso.
Beatriz Silva descreve em seu livro os momentos finais da presidência democraticamente eleita: “Carlos Chagas conta que Jango soube, no Palácio das Laranjeiras, que o general Olímpio Mourão Filho saíra de Juiz de Fora com suas tropas; diante disso, o ministro da Aeronáutica, brigadeiro Anísio Botelho, propôs bombardear os soldados com napalm. A sugestão foi recusada por Jango, que ligou do palácio para o comandante do II Exército, general Amaury Kruel, em São Paulo. Kruel fora seu ministro da Guerra e chefe do Gabinete Militar, e garantiu-lhe apoio desde que desistisse das reformas de base, fechasse a Central Geral dos Trabalhadores (CGT) e mandasse prender os comunistas. Juscelino também esteve no palácio, mas não conseguiu convencer o presidente a rever suas decisões”.
Implantada a ditadura militar, o marechal Humberto de Alencar Castello Branco tomou posse no dia 15 de abril de 1964 e se mudou para o palácio. Insatisfeitos com o resultado das eleições estaduais, vários oficiais impuseram a edição do AI-2, que extinguia todos os partidos e instituía apenas dois – a Aliança Renovadora Nacional (Arena) e o Movimento Democrático Brasileiro (MDB), além de ficar acertado que o próximo presidente da República seria o então ministro da Guerra, Arthur da Costa e Silva, que assumiria o cargo em 15 de março de 1967. O militar esteve pessoalmente no Palácio das Laranjeiras para negociar sua indicação, em troca de impedir que os colegas de alta patente invadissem o Estádio do Maracanãzinho, onde estava sendo realizada a apuração dos votos para governador.
Cenário do anúncio do AI-5
Com o acirramento da oposição e a ocorrência de greves, mais o assassinato do estudante Edson Luís de Lima Souto, Costa e Silva convocou seus ministros e chefes das Forças Armadas, que foram recebidos na imensa Sala de Jantar, onde tomaram conhecimento da edição de um novo ato institucional. O AI-5, redigido pelo ministro da Justiça, Luís Antônio da Gama e Silva, foi lido, em rede nacional e na presença do redator, pelo locutor da Presidência da República, Alberto Curi, na noite de 13 de dezembro de 1968. Estava extinto o habeas corpus e implantada a censura. Em maio do ano seguinte, Costa e Silva pretendia revogar o AI-5, promulgando uma nova constituição que incorporava trechos dos atos institucionais, mas que, em linhas gerais, tinha a pretensão de reconduzir o país, lentamente, ao regime democrático. Uma semana antes que o texto proposto fosse encaminhado ao Congresso Nacional, o presidente sofreu uma trombose.
Em lugar de conduzir o vice-presidente Pedro Aleixo ao cargo, uma junta militar composta pelo almirante Augusto Rademaker, pelo general Aurélio de Lyra Tavares e pelo brigadeiro Márcio de Souza Melo assumiu o governo e transformou o Palácio das Laranjeiras no seu quartel-general. Entre outros atos institucionais do triunvirato, foi instituída, no país, a pena de morte. Empossado em novembro de 1969, Emílio Garrastazu Médici apenas se hospedava no palácio quando vinha ao Rio. Mas foi com seu sucessor, Ernesto Geisel, que a situação da antiga mansão dos Guinle começou a mudar. O general promoveu a fusão dos estados do Rio de Janeiro e da Guanabara em março de 1975 – a cúpula do processo, inclusive, se reunia regularmente no palácio. Geisel determinou que o presidente da República não mais tivesse residência oficial na capital fluminense, transformando a construção em residência oficial do governador do estado recém-criado. O primeiro beneficiário da nova fase foi Floriano Faria Lima.
Nem todos moraram lá
Mas a mudança não significou dias de menor notoriedade para o Laranjeiras. Durante a Eco-92, por exemplo, ali ficou hospedado o então presidente da República Fernando Collor de Mello, que ofereceu, inclusive, um jantar para o presidente dos Estados Unidos, George Bush, que completava 68 anos, e que contou com uma apresentação da cantora Simone. No exercício da presidência, Fernando Henrique Cardoso também se hospedava no palácio quando vinha à cidade, onde recebeu a visita do Papa João Paulo II, em 1997, e promoveu um encontro do qual participaram os ex-presidentes José Sarney e Itamar Franco.
Entre os governadores que optaram por não residir no Laranjeiras estão Leonel Brizola e Marcello Alencar. Mesmo não tendo sido ocupado por nenhuma autoridade desde 2007, em 2012 se iniciou um extenso processo de restauração, acompanhado de perto pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e pelo Instituto Estadual do Patrimônio Cultural (Inepac), já que o imóvel é tombado por ambas as instituições. A reforma incluiu a instalação de 32 aparelhos de ar-condicionado, além de um elevador panorâmico junto à torre. De acordo com a Assessoria de Imprensa do governo estadual, a programação para a abertura do palácio ao público ainda está em elaboração.
Fontes:
CARMO, Gustavo Reinaldo Alves do. O Palácio das Laranjeiras e a Belle Époque no Rio de Janeiro (1909-1914). Anais do XXVI Simpósio Nacional de História – ANPUH. São Paulo, jul/2011.
______ O Palácio das Laranjeiras e a Belle Époque no Rio de Janeiro (1909-1914). In: A Casa Senhorial em Lisboa e no Rio de Janeiro. Arquitetura, Estruturas e Programas Distributivos. Universidade Nova de Lisboa, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2014.
SILVA, Beatriz Coelho. Palácio das Laranjeiras. s/d
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