A trajetória do Palácio dos Arcos, situado no número 8 da Rua Moncorvo Filho, no Centro, se confunde com a própria história do Brasil. A inexistência de formas arredondadas em sua fachada deixa de ser uma incógnita diante de uma informação simples: ele só recebeu este nome em referência a Dom Marcos de Noronha e Brito, também conhecido como Conde dos Arcos, o último dos vice-reis do país. Foi também ali que a Princesa Isabel, primeira senadora do Brasil, assinou a Lei do Ventre Livre, em 1871, concedendo liberdade a todos os filhos de escravas, no processo que culminou com a abolição da escravatura, em 1888. No mesmo endereço, pela Faculdade Nacional de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), passaram, a partir dos anos 1940, personalidades fundamentais da vida brasileira, como o jurista Sobral Pinto e o escritor Jorge Amado, entre tantas outras.
Quem foi o Conde dos Arcos
Dom Marcos de Noronha e Brito, oitavo Conde dos Arcos de Valdevez – que é o nome de uma vila ao norte de Portugal –, nasceu em Lisboa como um dos mais importantes membros da elite lusitana, em 7 de junho de 1771. Aos 25 anos, já era capitão no Regimento de Cavalaria do Cais em seu país. Transferido para a colônia nas Américas, exerceu a função de governador e capitão-general da capitania do Grão-Pará e Rio Negro entre 1803 e 1806, quando, então, recebeu sua mais significativa distinção: a nomeação de capitão-general de Mar e Terra do Estado do Brasil e vice-rei.
Ao chegar ao Rio de Janeiro, o Conde dos Arcos adquiriu uma casa que pertencia a Antônio Elias da Fonseca – dono de praticamente todas as terras a leste do Campo de Santana –, localizada na então chamada Rua das Boas Pernas. Mandou fazer uma grande reforma, executada por dois exímios mestres baianos: o pedreiro Antônio da Trindade e o carpinteiro Luiz de Macedo e Castro. Com a vinda da família real para o país, dois anos mais tarde, Dom Marcos foi o último a ocupar o cargo de autoridade máxima no governo ultramarino português em terras brasileiras, sistema adotado desde 1640 e que ficou, assim, automaticamente extinto.
Nomeado em 1809 como governador e capitão-geral da Bahia, esteve no cargo até 1817, quando voltou ao Rio de Janeiro para ocupar a pasta de ministro e secretário de Estado dos Negócios da Marinha e Ultramar. Permaneceu no Brasil após o retorno de Dom João VI a Portugal, em 1820. Como era contrário à independência brasileira, foi deportado, mas preso ao chegar a Lisboa, acusado justamente do oposto: de apoiar o movimento que tanto combateu. Reabilitado na Coroa portuguesa em curto tempo, ainda foi agraciado com a grã-cruz da Ordem de São Bento d’Aviz e da Antiga Ordem da Torre e Espada, antes de morrer, em 1828.
As crianças no Palácio
Após a promulgação da Constituição do Império do Brasil, em 1824, Dom Pedro I decidiu aproveitar a antiga residência de Dom Marcos para instalar o parlamento. As adaptações do prédio, reinaugurado em 6 de maio de 1826 com a presença do imperador e de sua comitiva, foram realizadas pelo arquiteto José Domingos Monteiro. A sede do Senado Imperial, que até então funcionava na Casa da Câmara e Cadeia, conhecida como Cadeia Velha, passou, dessa forma, para o Palácio dos Arcos.
O local testemunhou pelo menos dois momentos importantes relacionados à vida da Princesa Isabel. Ao completar 14 anos, em 29 de julho de 1860, foi ali que cumpriu o protocolo de jurar “manter a religião católica, observar a constituição política do país e ser obediente às leis e ao imperador”. Em 1871, quando exerceu a regência do país de forma interina e inédita, se tornou a primeira senadora do Brasil, conforme estabelecido no artigo 46 da Constituição de 1824: “Os príncipes da Casa Imperial são senadores por direito, e terão assento no Senado, logo que chegarem à idade de 25 anos”. Em 28 de setembro do mesmo ano, promulgou a Lei do Ventre Livre, libertando oficialmente do cativeiro todos os filhos de mulheres escravas que nascessem a partir daquela data.
O Palácio dos Arcos se manteve como sede do Senado Federal a partir da Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, de 1891, conservando o endereço até 1925, quando se transferiu para o Palácio Monroe. Ao longo de um século, aquela que tinha sido a moradia do último vice-rei brasileiro testemunhou alguns tímidos avanços em direção ao regime democrático, como no caso da legislação de proteção à criança e à adolescência. O Código de Menores, assinado pelo presidente Washington Luiz no Palácio do Catete em 12 de outubro de 1927, é um bom exemplo. Documentos preservados no Arquivo do Senado, em Brasília, revelam que vários parlamentares se mobilizaram para melhorar as condições de vida dos jovens na virada do século XIX para o XX.
Em setembro de 1896, o senador Lopes Trovão já discursava contra o abandono de crianças pelas ruas da cidade. Em agosto de 1917, foi a vez de Alcindo Guanabara se pronunciar em favor da infância desvalida, com um tom que segue atual: “Precisamos salvar a infância abandonada e preservar ou regenerar a adolescência, que é delinquente por culpa da sociedade, para transformar essas vítimas do vício e do crime em elementos úteis”. Os projetos de ambos os políticos acabaram engavetados e a criação da lei específica levou, ao todo, mais de três décadas para sair do papel.
Lugar de excelência da intelectualidade brasileira
Depois da transferência do Senado, o Palácio dos Arcos sediou diversas repartições públicas, até se tornar o prédio da Faculdade Nacional de Direito (FND) da UFRJ, na década de 1940. O curso foi originado pela fusão, em 1920, de duas faculdades não estatais que já existiam desde 1891 – a Faculdade Livre de Ciências Jurídicas e Sociais do Rio de Janeiro e a Faculdade Livre de Direito. Junto com a Escola Politécnica e com a Faculdade de Medicina da Praia Vermelha, a FND integrou a nova Universidade do Brasil, criada pelo Decreto-Lei no 8.393, de 1945. Centro de inspiração da cidadania, a FND fez oposição ao governo durante momentos históricos de cerceamento da liberdade, ao longo do Estado Novo (1930-1945) e da ditadura militar (1964-1985).
Personalidades notáveis da vida brasileira passaram pela FND ao longo de sua existência. Entre os principais juristas e políticos estão Evandro Cavalcanti Lins e Silva, Marco Aurélio de Mello, Técio Lins e Silva, Sobral Pinto, Afonso Arinos de Melo Franco, Bertha Lutz, Vladimir Palmeira e Carlos Lacerda. Mas também em outras áreas, incontáveis nomes podem ser citados: Vinicius de Moraes, Jorge Amado, Clarice Lispector, Mário Lago, Fernando Sabino, Lamartine Babo, Ary Barroso, Rubem Fonseca, Villas-Bôas Corrêa, Sérgio Buarque de Holanda, Celso Furtado, Anísio Teixeira, Roberto Mangabeira Unger, Alceu Amoroso Lima, Heleno de Freitas, João Saldanha e Adhemar Ferreira da Silva, cuja versatilidade chamava a atenção. Além da formação em Direito e de ter sido bicampeão olímpico no salto triplo (1952 e 1956), Adhemar também foi ator e escultor, se formou em Educação Física e em Relações Públicas, e atuou como adido cultural brasileiro no exterior.
Fontes:
Site do Centro de Memória Institucional do Instituto Superior de Educação do Rio de Janeiro
Site do Senado Federal
Site do Departamento de Engenharia Civil da Universidade Federal de Campina Grande
Site da Faculdade Nacional de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro
Site da Enciclopédia Itaú Cultural
Site Brasiliana Fotográfica da Biblioteca Nacional
Site da Memória da Administração Pública Brasileira
Site do Congresso Nacional
Site Wikimedia Commons
13/07/2018
Prédio é atual sede do Comando Militar do Leste.
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12/06/2017
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Com a maior coleção de esculturas da Belle Époque fora da França, é o mais exuberante palco da história recente do país.
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09/11/2016
Aberta à visitação, construção tem acabamento interno primoroso e ficou famosa por ter sido palco do último baile da monarquia brasileira.
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11/10/2016
Ali aconteceu o Dia do Fico, a assinatura da Lei Áurea e a comunicação a D. Pedro II de que a República havia sido instaurada.
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29/08/2016
Localizado em ponto de fácil acesso, no centro do Rio, tesouro arquitetônico da Era Vargas possibilita visitas pré-agendadas.
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04/07/2016
A sede da Câmara Municipal do Rio de Janeiro reúne um acervo ímpar, com obras de expressivos artistas brasileiros do início do século XX.
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O complexo arquitetônico abriga o Museu Histórico e Diplomático, o Arquivo Histórico, a Mapoteca e a Biblioteca do Itamaraty.
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Desde janeiro de 2015, a sede do governo do estado, em Laranjeiras, oferece visitas guiadas ao público.
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08/09/2015
Programa Conhecendo o Judiciário promove visitas e divulga informações sobre os direitos e as garantias fundamentais de todo cidadão.
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Em estilo eclético, o prédio, que era um dos cartões-postais da cidade, foi demolido no ano de 1976 por ordem do governo federal, depois de servir, durante 70 anos, como sede das mais altas instituições do país.
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