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Livro pra criança escrito por... criança!
06 Agosto 2013 | Por Sandra Machado
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Capa RocinhaProfessores que amam livros sentem um prazer especial em incentivar seus alunos na arte da escrita. E quando o retorno vem em forma de textos de qualidade, é inevitável a vontade de transformar o material em livro. No Rio de Janeiro, um grupo de educadores não ficou só na vontade e, em 2001, começou o projeto Abrace um Aluno Escritor, que transforma as produções de sala de aula em obras impressas. Dois anos mais tarde, surgia a Associação Brasileira de Comunicação, Cultura, Educação e Multimídia, que atualmente conta com cerca de 500 professores concentrados no eixo Rio-São Paulo, e também a editora Abrace, que já conseguiu realizar alguns milagres. Como, por exemplo, a publicação de mais de mil títulos e a capacitação de mais de cem mil alunos em oficinas literárias. “Nossa instituição não tem dono e propõe um projeto que é pedagógico e social: o objetivo é que o aluno veja o material dele sendo prestigiado pelo grupo em que está inserido”, explica Ricardo Bernardes, um dos pioneiros. Com tiragem sempre em torno de cem exemplares, nenhum livro pode ser vendido – em vez disso, é distribuído para os alunos. Mas cada escola tem que buscar seu próprio financiamento. “Teve gente que conseguiu patrocínio de papelaria, de alguma oficina do bairro... Ou de escolas particulares que, para fazer seus livros, arcavam também com o custo de uma escola pública.” Já foram publicados trabalhos de turmas e de professores da Rede Municipal do Rio de Janeiro, mas também da rede estadual e de municípios fora do estado.

Quando a proposta surgiu, os professores confeccionaram os exemplares com páginas xerocadas e capa de cartolina. Alguém preparou um bolo para o lançamento. Só que um aluno ficou decepcionado. “Não tem cara de livro.” Como assim? Depois de tanto esforço? Teve quem ficasse magoado. Na época, Ricardo era professor de Língua Portuguesa na EM Orlando Villas Boas (1ª CRE) e foi um dos que deram razão ao garoto. Todos, então, se propuseram a aprender a fazer um trabalho profissional, impresso em gráfica. A ponto de, posteriormente, receberem um convite do SNEL – Sindicato Nacional dos Editores de Livros – para passar a oferecer registro do ISBN e ficha catalográfica. De acordo com a necessidade da escola e da faixa de idade da turma, a Abrace discute o projeto gráfico e editorial, cuida da revisão dos originais, registro, impressão e lançamento. Mas o universo escolar não é o único beneficiário desses empreendimentos. A Abrace já publicou livros escritos por cegos, por surdos e até por presidiários. Como ponto em comum está o processo de “botar pra fora o que está doendo”, como bem resume Ricardo Bernardes. E mesmo quando a obra surge como parte do projeto pedagógico, as temáticas podem estar ligadas a questões pungentes: o combate às drogas, a gravidez na adolescência e até a proibição oficial da palmada.

A metodologia para envolver o aluno também varia de caso a caso. Em 2008, uma iniciativa da Abrace conseguiu sensibilizar toda a rede municipal de Mesquita. Primeiro foi distribuído um jornal com tiragem de 15 mil exemplares que convidava a participar de um lançamento: ele acabou saindo com mil alunos escritores no mês de novembro daquele ano. “A capa do jornal era cheia de fotos 3 x 4 de escritores famosos, mas deixamos um espaço em branco, para a criança se imaginar ali”, conta Ricardo. “Ao escrever, o aluno cresce, melhora sua visão de mundo. Nas comunidades mais pobres, então, é uma catarse. O livro ganha uma vida que nem a gente espera.”

Foi o que aconteceu, por exemplo, com o best-seller da editora. Lançado em 2003, Maria Maluca já teve tantas reedições que chegou à marca de 20 mil exemplares. A narrativa foi escrita numa escola da 6ª CRE, e mistura a lenda urbana da “loira do banheiro” com a tradição fabril do bairro de Bangu, registrada pelas crianças em bate-papos com vovôs e vovós. Também já saiu mais de um livro com a história da Rocinha, pesquisada e contada pelos alunos moradores da comunidade. Às vezes, o resultado tem o poder de resgatar uma vida. “Josué ainda era menor de idade quando participou da famosa invasão ao Hotel Intercontinental. Recolhido a uma instituição de menores infratores, não queria fazer contato sequer com os pais. Só esboçou reação quando lhe perguntaram se tinha feito algo de que se orgulhasse, e ele se lembrou do livro que ajudou a escrever sobre a Rocinha, o qual já nem tinha mais. Foi quando nos procuraram e levamos um exemplar pra ele. Dali o garoto foi se recuperando e, atualmente, retomou a vida e trabalha no setor de emplacamento do Detran.”

Hugo VirgilioSuperação também pode ser inoculada via leitura. Hoje em dia, a principal atividade de Sônia de Oliveira é dar aula de reforço para crianças. Sempre que o orçamento permite, ela gosta de presentear seus dois meninos com algum livro. Mas não foi sempre assim. “Tive uma vida muito difícil, e o primeiro livro que eu li foi o que achei no lixo: Heidi (de Johanna Spyri). Eu me senti aquela menina e, ali, aprendi a voar.” Para incentivar o surgimento de algum escritor na família, deixava livros espalhados pela casa – e não é que deu certo? Foi assim que, custeado pelos pais, o caçula publicou seu primeiro romance, O Mistério da Casa Rosa, quando tinha apenas 11 anos. Aos 15, Hugo Virgílio de Oliveira já tem mais um trabalho publicado na coletânea Nada Literal, que saiu em 2011 e reúne o que foi produzido numa oficina literária. Ele também lê e escreve fanfics, não sai da Sala de Leitura da EM Orlando Villas Boas (1ª CRE) e, sempre que pode, participa de concursos de redação. Fã de Pedro Bandeira e de J.K.Rowling, Hugo está convencido de que todo escritor coloca nos seus textos um pouco de realidade. Ele mesmo se inspirou numa casa abandonada bem perto da sua para estrear como autor. A mãe, Sônia, atribui a um segundo fator a introspecção necessária à paixão literária do filho. “Ele nasceu com um probleminha de saúde e só começou a andar aos 4 anos, depois de muita fisioterapia. Como vivíamos em hospital, eram os livros que faziam companhia pra gente.”

Anna LuizaHugo Virgílio partiu de uma situação concreta – a tal casa abandonada perto da sua. Mas, às vezes, a inspiração fica por ali, circulando na tal da fantasia. A jovem autora Anna Luiza de Salles confirma. Aos 8 anos ela se deparou com uma versão nova de personagens bastante conhecidos. “No livro de Alcides Goulart, a Branca de Neve operou o nariz do Pinóquio”, explica, animada. Na sua casa, esta e outras obras, como as de Ana Maria Machado e de Ruth Rocha, suas escritoras preferidas, ficam guardadas numa gaveta só pra elas. Animada com a originalidade do enredo, Anna Luiza resolveu se arriscar a recontar outra saga, agora inserida num contexto bem próximo da realidade infantil – para saber, só lendo A Verdadeira História das Tranças de Rapunzel, lançada pela editora Abrace. Tem a ver com um bilhetinho da escola para todos os responsáveis pelas crianças, enviado naquela mesma semana... Anna Luiza estuda na Escola Municipal Tenente Coronel PM Eduardo Villaça (8ª CRE) e está no 3º ano.

Os 200 exemplares da primeira edição praticamente esgotaram no lançamento, que aconteceu em novembro de 2012, no mesmo shopping que colaborou com o patrocínio do livro. Filha e neta de professoras, com quatro anos e meio a menina já lia sozinha e, desde então, toda a família sabe quais são os seus presentes favoritos. Quando dá conta deles, a menina sempre recorre à Sala de Leitura, que costuma emprestar livrinhos aos alunos – e, por sorte, é onde trabalha sua avó Vera Regina de Salles, professora da Rede Municipal. No momento, Anna Luiza está escrevendo seu segundo livro, que narra as aventuras de uma fadinha chamada Anabel. No primeiro, as ilustrações ficaram a cargo de um agente educador “que desenha superbem”, Adailton de Paula e Silva. Quem sabe a dupla não trabalha junta, de novo, na segunda publicação? Anna Luiza anda pensando nisso, enquanto digita as novas páginas. Como todo mundo sabe, a geração de hoje está acostumada a escrever direto no computador.

 
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