ACESSIBILIDADE
Acessibilidade: Aumentar Fonte
Acessibilidade: Tamanho Padrão de Fonte
Acessibilidade: Diminuir Fonte
Youtube
Facebook
Instagram
Twitter

O Baile Charme de Madureira
SÉRIE
Patrimônio Imaterial do Rio
30 Agosto 2013 | Por Márcia Pimentel
Compartilhar pelo Facebook Compartilhar pelo Twitter Compartilhar pelo Whatsapp

CHARME 1-DUTAOO Baile Charme de Madureira se transformou em referência quando o assunto é a recuperação de áreas degradadas. O espaço ocioso sob o Viaduto Negrão de Lima deu lugar a um polo de afirmação das manifestações culturais ligadas ao hip-hop. O terceiro episódio do programa Cidade Integrada debate as transformações socioambientais por que passam espaços urbanos antes deteriorados. O envolvimento do cidadão nesse processo e a melhoria da qualidade de vida da população também são abordados. 

A Prefeitura do Rio declarou, neste ano, o Baile Charme, realizado sob o Viaduto Negrão de Lima, em Madureira, como “bem cultural de natureza imaterial” da cidade. Com história e linguagem cruzadas com o movimento hip-hop, o baile tem atraído jovens de vários bairros do Rio, inclusive da Zona Sul, cujos moradores, historicamente, não têm o costume de frequentar outras áreas da cidade para fins de cultura e lazer. Atualmente, bailes charme – evento genuinamente carioca nascido na Zona Norte – também têm se realizado em outras áreas do Rio e até mesmo em cidades como Salvador e Belo Horizonte.

Por trás do decreto da Prefeitura, há o fato de que a cultura se transformou, na atualidade, em uma das mais poderosas ferramentas de inclusão e integração social e em uma das formas de comunicação mais eficazes das periferias com outras partes da cidade. De acordo com o sociólogo Jorge Werthein, ela estimula o sentimento de pertencimento e demarca a identidade cultural de comunidades excluídas, tornando-se um espaço privilegiado para a realização da cidadania.

Tal olhar sobre a função inclusiva da cultura – que até algumas décadas atrás era vista tão só como instrumento de educação ou produto supérfluo e de diletantismo da sociedade – deve-se, em parte, às ações e ao forte contorno ideológico do movimento hip-hop, que se disseminou pelo mundo a partir dos guetos de Nova York. Segundo as arquitetas e urbanistas Glauci Coelho e Emika Takaki, o charme é uma construção feita a partir do rythm&blues (R&B) que, no Rio de Janeiro, aproximou-se em caráter definitivo do contexto ideológico que envolve o hip-hop.

Charme da GamboaO DJ Alexandre Derizans, que toca charme desde a virada dos anos 1970/1980, diz que o termo surgiu com o DJ Corello: “Tanto eu como ele fazíamos muitos bailes-disco no Méier e em outros bairros da Zona Norte. Eram os tempos da discoteca. Aos sábados, ele tocava no Clube Mackenzie. Fazia uma seleção de R&B e dizia para o público do baile que havia chegado a hora de fazer charminho”. E foi assim que, com o tempo, o nome charme pegou. O DJ Lourenço Eduardo, que na primeira sexta-feira de cada mês promove, junto com Derizans, o Charme da Gamboa, no Largo de São Francisco da Prainha, acrescenta: “Há um limite bastante tênue entre a disco music e o charme. O charme não é apenas música; é postura, atitude”.

O hip-hop

Nascido entre os anos 1960/1970, nas ruas do Bronx, em Nova York, onde os diversos guetos e gangues viviam em conflito, o hip-hop surgiu a partir da postura conciliatória das festas promovidas pelo gueto dos jamaicanos. De acordo com o professor de Geografia da Uerj, Denilson Araújo de Oliveira, essas festas criaram um ambiente de integração ao deslocar a disputa violenta das gangues por território para os desafios criativos de quem cantava e fazia a melhor poesia (rap), o melhor som (disc-jóquei), o melhor improviso (free style), a melhor dança (break) e inseria o seu desenho na área mais difícil da cidade (grafite). Ao transformar a violência em arte, o hip-hop, segundo a filósofa Hannah Arendt – em seu livro A Condição Humana –, nasce como uma cultura política que recupera o sentido de polis, de cidade, ou seja, de lugar em que a base da prática política é a pluralidade e a coexistência da diferença.

O sentido de lugar

Em tempos de globalização, o hip-hop ganhou o mundo, adquirindo diversas características locais. No Rio de Janeiro, sua relação com a recuperação do sentido de espaço público é uma das características mais marcantes, segundo as arquitetas e urbanistas Glauci Coelho e Emika Takaki. No artigo O Resgate do Espaço Público Como Lugar de Vivência, elas analisam a capacidade do hip-hop de revitalizar aquilo que elas chamam de “espaços residuais” – espaços que, tomados por carros, perderam a conformação de lugar de encontro que caracterizaria o espaço público de outrora, para virar um mero espaço de circulação e de passagem, um “não lugar” incapaz de produzir identidades, conforme definiu o etnólogo Marc Augé.

O “casamento” do charme com o hip-hop, no Rio de Janeiro, resultou, no início dos anos 1990, na criação de um Baile Charme sob o Viaduto Negrão de Lima, ressignificando a cultura de rua carioca e ampliando a identidade do bairro de Madureira, que já tinha sua imagem CHARME-DJSligada ao jongo e ao samba. E não só devolveu o sentido de lugar ao espaço residual sob o Viaduto Negrão de Lima, transformando-o em espaço de relações sociais. Rompeu fronteiras físicas e barreiras simbólicas para se enraizar como cultura ideológica inclusiva, da pluralidade e da coexistência da diferença, mesmo entre aqueles que nunca militaram no movimento hip-hop.

“A frequência, aqui, é diversa. Vem gente da Pedra do Sal, do Morro da Conceição, das empresas privadas e públicas do entorno... O público negro que costuma ir aos bailes charme também já descobriu o local. Mas uma das coisas mais interessantes é poder contar com a presença de vários DJs, muitos que nem se falam, mas que, aqui, se confraternizam”, disse o DJ Lourenço Eduardo, organizador do Charme da Gamboa, que também quer transformar em lugar de alegria uma área que já foi ícone do sofrimento:o Largo de São Francisco da Prainha, onde, durante a escravidão,eram desembarcados os negros vindos da África.

 
Compartilhar pelo Facebook Compartilhar pelo Twitter Compartilhar pelo Whatsapp
MAIS DA SÉRIE
texto
A evolução histórica e artística do samba-enredo

A evolução histórica e artística do samba-enredo

23/02/2017

Adaptado às necessidades do desfile das escolas de samba, gênero se transformou ao longo dos anos e, apesar das críticas, ainda é marca do Carnaval carioca.

Patrimônio Imaterial do Rio

texto
Feira Hippie de Ipanema: um patrimônio do Rio

Feira Hippie de Ipanema: um patrimônio do Rio

06/08/2015

Desde 1968, todos os domingos a Praça General Osório se transforma em uma galeria de arte e comércio ao ar livre.

Patrimônio Imaterial do Rio

texto
Mais de 100 anos do Mercadão de Madureira

Mais de 100 anos do Mercadão de Madureira

06/07/2015

Um dos grandes centros comerciais da cidade é, também, Patrimônio Cultural Carioca de Natureza Imaterial.

Patrimônio Imaterial do Rio

texto
A bossa nova como patrimônio cultural

A bossa nova como patrimônio cultural

22/05/2015

A história, os principais artistas e os grandes clássicos do estilo musical brasileiro que conquistou o mundo.

Patrimônio Imaterial do Rio

texto
Frescobol: das praias a patrimônio cultural

Frescobol: das praias a patrimônio cultural

24/04/2015

O esporte tipicamente carioca, que começou de forma despretensiosa, se expandiu e é hoje praticado em todo o litoral brasileiro.

Patrimônio Imaterial do Rio

texto
Clóvis ou bate-bolas são patrimônio cultural do Rio

Clóvis ou bate-bolas são patrimônio cultural do Rio

12/02/2015

Com muito barulho e fantasias extremamente detalhadas, os grupos conhecidos como clóvis ou bate-bolas fazem parte de uma tradição há décadas presente nas ruas cariocas.

Patrimônio Imaterial do Rio

texto
Cacique de Ramos e Cordão da Bola Preta

Cacique de Ramos e Cordão da Bola Preta

03/02/2015

Com a tradição de levar multidões pelas ruas de todos os cantos da cidade, os blocos transformaram o carnaval do Rio de Janeiro em um espetáculo à parte.

Patrimônio Imaterial do Rio

texto
Beco das garrafas

Beco das garrafas

06/01/2015

Na Rua Duvivier, em Copacabana, fica o local onde parte da história musical do Rio de Janeiro cresceu e conquistou fãs.

Patrimônio Imaterial do Rio

texto
O ofício dos lambe-lambes

O ofício dos lambe-lambes

02/12/2014

Esses fotógrafos de nome curioso trabalhavam nas praças registrando passeios de família e produzindo postais para turistas.

Patrimônio Imaterial do Rio

texto
Chorinho

Chorinho

13/11/2014

O gênero é fruto da interação entre a cultura instrumental europeia e práticas rítmicas trazidas da África pelos escravos.

Patrimônio Imaterial do Rio

texto
Bares e botequins tradicionais do Rio

Bares e botequins tradicionais do Rio

28/10/2014

O hábito de se reunir para conversar e descontrair é uma das características mais marcantes do carioca. Por isso mesmo, estabelecimentos tradicionais da cidade foram declarados Patrimônio Cultural Carioca.

Patrimônio Imaterial do Rio

texto
Feira de São Cristóvão

Feira de São Cristóvão

21/10/2014

Guaraná Jesus, carne de sol, manteiga de garrafa, repentistas, literatura de cordel e muito forró. Todas essas delícias e expressões culturais podem ser encontradas no Centro Luiz Gonzaga de Tradições Nordestinas. 

Patrimônio Imaterial do Rio

texto
Vendedores de mate e biscoito de polvilho

Vendedores de mate e biscoito de polvilho

16/10/2014

Passeando pelas praias do Rio, não há quem não reconheça os vendedores desses produtos, cada um com seu jeito próprio de atrair a freguesia. 

Patrimônio Imaterial do Rio

texto
O show das torcidas de futebol: uma manifestação cultural e social

O show das torcidas de futebol: uma manifestação cultural e social

07/10/2014

O som das arquibancadas contribui para que cada partida se torne um espetáculo.

Patrimônio Imaterial do Rio

texto
Espaço Ciência Viva

Espaço Ciência Viva

26/08/2014

O espaço realiza eventos gratuitos para estudantes e comunidade em geral.

Patrimônio Imaterial do Rio

texto
A obra literária de Machado de Assis

A obra literária de Machado de Assis

19/08/2014

Para abrir a nova série Patrimônio Imaterial Carioca no Portal MultiRio – com os bens culturais da cidade que estão na memória afetiva de seu povo –, trazemos a obra literária de Machado de Assis.

Patrimônio Imaterial do Rio

texto
Um pouco da trajetória do charme de Madureira

Um pouco da trajetória do charme de Madureira

30/08/2013

Dois anos depois da realização do primeiro Baile Charme na Rua, o governo do estado do Rio de Janeiro reconheceu-o como instrumento fundamental à cultura do bairro, e o baile foi rebatizado de Projeto Charme na Rua.

Patrimônio Imaterial do Rio