Pipoca, abacaxi, canjica, caju, capim, cupim, aipim, perereca, jacaré, siri, cafuné... São incontáveis as palavras de origem indígena que, incorporadas à língua portuguesa, fazem parte do nosso vocabulário cotidiano. Também herdamos hábitos alimentares como comer frutas e derivados da mandioca, o costume de descansar na rede, o uso de plantas medicinais como o boldo, a copaíba, a catuaba e mais uma infinidade de outras ervas, sementes e raízes, cujas propriedades despertam cada vez mais os interesses científicos e comerciais.
A farinha de mandioca, por exemplo, é um alimento que acompanhou a formação do povo brasileiro. Embora seu preparo fosse considerado algo muito perigoso, por causa das etapas de extração do caldo venenoso da raiz, logo foi incorporado pelos colonizadores, pois ela era a “farinha de guerra”, que os acompanhava nas expedições para o interior. Nessas incursões, plantavam mandioca ao longo do caminho, para que, no retorno, tivessem alimentação garantida.
Vários bairros cariocas – como Guaratiba, Sepetiba, Inhoaíba e muitos outros – também foram batizados com nomes que exibem as marcas deixadas pelos primeiros habitantes da nossa terra. O termo “carioca”, aliás, que identifica quem nasceu no Rio, também revela o vínculo profundo das raízes tupis com a cidade, embora exista certa controvérsia sobre a origem exata da palavra. A versão mais difundida é a de que o vocábulo “carioca” é uma fusão de kara’iwa (ou simplesmente kari: caraíba, homem branco) com oka (casa). Mas há quem defenda que, na verdade, a junção correta seria de akari (peixe cascudo associado aos portugueses, por causa das armaduras usadas) com oka. Há, ainda, quem afirme que o termo seria um simples aportuguesamento de karióc, nome da aldeia tamoio assentada no sopé do morro do Outeiro da Glória, na época do descobrimento.
Os que defendem que carioca significa “casa de homem branco” se apoiam no processo histórico de fundação da cidade. É que, quando Estácio de Sá derrotou os franceses, em 1567, as terras no entorno da Baía de Guanabara foram divididas assim: a banda ocidental ficou com portugueses, que ergueram a cidade do Rio de Janeiro, enquanto a parte oriental ficou com os índios chefiados por Arariboia, os temiminós, fundamentais na vitória lusitana sobre as forças francesas. É, portanto, provável que os indígenas tenham designado de “carioca” a área que ficou com os portugueses. Da mesma forma, é bastante plausível pensar que todas as versões sobre a origem da palavra sejam válidas e que, na verdade, vários fatos históricos conspiraram para o uso do termo “carioca” para designar os habitantes do Rio.
Os índios e a história da cidade
Quando os europeus chegaram ao Rio de Janeiro, no início do século XVI, o litoral era habitado pelos tamoios, indígenas da nação tupinambá, que estavam em guerra com os índios do Gato – provavelmente de origem tupiniquim, segundo os pesquisadores –, que ocupavam a Ilha de Paranapuã, hoje do Governador. Os índios do Gato viviam uma situação de derrota iminente, cercados de inimigos por todos os lados, quando o líder Maracajaguaçu (Gato Grande) pediu ajuda aos portugueses para serem levados para o sul do Espírito Santo, em suas caravelas. Estava estabelecida a estreita e duradoura aliança entre os lusos e eles – que, a partir de então, passaram a ser chamados de temiminós pelos documentos portugueses.
Anos após o episódio, os franceses, quando ocuparam a Baía de Guanabara, conquistaram o apoio dos tamoios. Ao ser designado para retomar a região, Estácio de Sá passou antes pelo Espírito Santo para trazer consigo os temiminós, que engrossaram as fileiras do exército lusitano para combater os ferrenhos inimigos tamoios e seus novos aliados, os franceses. Agora liderados por Arariboia, os antigos índios do Gato não só venceram a guerra, mas integraram-se à administração portuguesa, na condição de aliados.
Se, de um lado, os temiminós acataram a autoridade lusa e aceitaram ser aldeados e catequizados pelos padres católicos – para isso foi fundada a Aldeia de São Lourenço, nas bandas da atual Niterói –, de outro, ganharam importância estratégica na defesa da Baía de Guanabara. Prestigiar, enobrecer e valorizar as lideranças indígenas aliadas fazia parte da política colonial portuguesa, que batizou Arariboia com o nome de Martim Afonso de Souza, mesma alcunha do nobre que fundou a cidade de São Vicente, pai do primeiro governador-geral do Brasil, Tomé de Souza. O líder indígena também foi agraciado com o Hábito de Cavaleiro da Ordem de Cristo, o posto de capitão-mor da Aldeia de São Lourenço e uma pensão de 12 mil réis.
Os aldeamentos começaram, assim, a ser vistos por muitos índios como uma nova possibilidade de sobrevivência na colônia, até porque eles tinham a garantia da posse coletiva das terras da aldeia. Além disso, por três séculos, a guerra vencida contra os tamoios e franceses
e a aceitação do aldeamento se constituíram num “verdadeiro passaporte” para os descendentes temiminós, que sempre rememoravam o feito histórico quando precisavam recorrer ao rei para garantir algumas demandas dos aldeados. Em 1650, por exemplo, um descendente de Arariboia viajou até Lisboa para encaminhar dois requerimentos ao rei e foi atendido nas duas petições. No século seguinte, o fato se repetiu, quando Manoel de Jesus e Souza, capitão-mor de São Lourenço, destacou a relevância dos serviços prestados por sua etnia à coroa. Os líderes dos temiminós, aliás, também tinham alguns armazéns na Rua Direita (atual Primeiro de Março), a principal artéria comercial do Rio colonial.
Segundo Maria Regina Celestina de Almeida, professora de História da Universidade Federal Fluminense (UFF), os descendentes de Arariboia construíram, no Rio de Janeiro, uma verdadeira “dinastia”. Tinham, contudo, uma situação jurídica específica. A condição de índio aldeado era a de subalterno dos colonizadores, podendo, inclusive, ser obrigado ao trabalho compulsório, embora suas lideranças tivessem direito a títulos, cargos, pensões e prestígio social.
A historiadora também explica que não há como medir as permanências culturais no interior da aldeia, porque, além da catequese, havia convivência com índios de outras etnias e com colonizadores. “As aldeias indígenas coloniais eram espaços de interação de grupos sociais e étnicos diversos, nos quais os índios aprendiam novas práticas culturais e políticas. Essa realidade levou-os a reelaborarem ou reinventarem novas identidades étnicas”, diz ela.
O fim da aldeia
Com a ascensão do pensamento liberal na Europa e o crescimento da ideia de que a terra era uma mercadoria, a política colonial de aldeamento de indígenas começou a sofrer pressão por mudanças. A diretriz de “nacionalização” e “cidadanização” dos índios, ou seja, de sua transformação em “brasileiros”, ganhou força com a nomeação, em 1750, do marquês de Pombal como ministro de Assuntos Exteriores de Portugal, e virou uma questão central da política indigenista do período imperial brasileiro. Até porque, em tempos em que embates internacionais sobre limites e fronteiras estavam em pauta, a “nacionalização” dos indígenas dava ao Império condições mais sólidas para requerer os territórios fronteiriços, já que grande parte deles encontrava-se sob o controle dos povos indígenas.
No Rio de Janeiro, a maioria dos conflitos que envolviam os índios era relacionada à disputa de terra entre aldeados e outros moradores. Isso começou a se tornar comum com as leis editadas pelo marquês de Pombal – que incentivavam a miscigenação e a presença de colonos no interior das aldeias – e se acelerou com a política imperial. Em 1866, a Aldeia de São Lourenço foi, finalmente, extinta pelo governo imperial. Suas terras coletivas foram loteadas e os índios, declarados inexistentes porque já estavam “civilizados”.
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