Ela não se considera uma professora de Língua Portuguesa tradicional. Aprendeu a ser educadora, segundo ela mesma, durante seus trabalhos em projetos sociais. Hoje, à frente da sala de leitura da E.M. França, em Quintino Bocaiúva (5ª CRE), Liliana Secron Pinto acredita na Literatura como forma de desenvolver a subjetividade de seus alunos e permitir que sonhem. Envolve os estudantes nas mais diversas atividades – música, teatro, passeios, grupo de discussão. Quer que a escola forme cidadãos e seja vista como um “espaço legal” de estar.
Professora em formação
Diferente de muitos professores, Liliana nem sempre pensou em seguir essa profissão. “Eu fazia teatro, cantava e engravidei aos 17 anos. Não que fosse apaixonada pela Língua Portuguesa, mas fui fazer Letras porque era o mais próximo da arte que eu conseguiria chegar”, diverte-se, relembrando que já trabalhou vendendo comida congelada e em uma barraca de doces caseiros numa feira de artesanato.
A trajetória profissional teve início com o trabalho em projetos sociais. Inicialmente, como administradora da organização humanitária internacional Médico Sem Fronteiras (MSF); depois, coordenando, durante mais de dez anos, projetos voltados ao aumento de escolaridade de jovens e adultos dentro de comunidades e à preparação de jovens e pessoas com deficiência para o mercado de trabalho.
“Foram experiências muito gratificantes. Ali, aprendi a ser professora. Em vez de eu ser uma professora tradicional de Língua Portuguesa, sempre me envolvi e me preocupei em trabalhar a construção da cidadania, o ensino da língua como possibilidade de inserção social, melhoria de qualidade de vida e possibilidade de ampliação da forma de comunicação”.
Nesse período, Liliana passou em um concurso e foi lecionar na Rede Estadual. Após cinco anos, entrou também na Rede Municipal, na E.M. Adalgiza Neri, em São Fernando, Santa Cruz (10ª CRE).
Acostumada a trabalhar com jovens mais velhos e adultos, apostou em atividades diversas para conseguir envolver a turma de 5º ano pela qual ficou responsável. “Fiz gincana, ensinei dança, comecei a usar a sala de leitura – até então inutilizada – e fiz pesquisas de campo para contar a história da comunidade. Nesse trabalho, entrevistamos moradores, coletamos informações e os alunos aprenderam a fazer gráficos para sistematizar toda a pesquisa”, conta a professora, que se destacou pelo projeto e o apresentou, inclusive, em um encontro promovido pela Prefeitura.
A experiência na sala de leitura
Depois de três anos na E.M. Adalgiza Neri, Liliana foi para a E.M. França, onde leciona há seis anos. Lá, desde o início, está à frente da Sala de Leitura, onde recebe turmas da Educação Infantil ao 9º ano, incluindo a Educação Especial (de surdos e deficientes intelectuais).
“Vejo a Literatura como forma de desenvolver a subjetividade, de permitir que o aluno sonhe; amplie o vocabulário, se expresse e se coloque melhor no mundo, também profissionalmente. O foco das minhas aulas é esse e, por isso, trabalhar na Sala de Leitura é maravilhoso”.
Na escola, a professora promove rodas de leitura, organiza o cineclube e também ajuda na preparação para o Festival da Canção das Escolas Municipais (Fecem). “Eu digo a eles que apenas abro a porta e fecho. O resto é com eles, quem produz são eles, eu motivo. Isso é algo bacana em nosso trabalho: damos autonomia aos alunos”.
Entusiasta do programa de Sala de Leitura da Prefeitura, Liliana participa intensamente de capacitações promovidas pela Secretaria Municipal de Educação (SME-RJ), e destaca o trabalho que está sendo feito para pensar a política pública de leitura e do livro na cidade. “Estamos iniciando uma discussão sobre o Plano Municipal do Livro, Leitura e Bibliotecas. A escola não pode se fechar, precisa ser um polo irradiador, e o trabalho das salas de leitura tende a isso”.
Esse entusiasmo e o empenho refletem-se diretamente na escola e no envolvimento dos alunos. No último ano, a E.M. França foi uma das sete escolas do município do Rio de Janeiro vencedoras do 3° Concurso Escola de Leitores, projeto que promove a mobilização de escolas e o incentivo à leitura literária – uma parceria entre a SME, o Instituto C&A e a Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil (FNLIJ).
Como prêmio, a escola recebeu uma quantia em dinheiro – usada para investir na Sala de Leitura, com reformas e ampliando o acervo. Além disso, as professoras Liliana e Ruth Rosa de Macedo, envolvidas no projeto vencedor, Caminhos Literários, foram contempladas com uma viagem à Colômbia para participar de um intercâmbio sobre incentivo à leitura. “Foi uma experiência incrível e voltamos cheia de gás!”, conta Liliana, que segue desenvolvendo atividades entre seus alunos e estudantes colombianos.
Educar para formar cidadãos
Envolvida desde passeios escolares a projetos de música e teatro, Liliana lidera o Projeto Adolescência, criado por ela na escola. “O que posso fazer envolvendo aluno, faço. A sala de aula e a escola em si precisam ser um espaço de experiências, precisa ser legal estar ali”.
O objetivo do projeto, segundo a professora, é dar voz aos alunos, discutir temas atuais e relevantes, ouvir opiniões, questionamentos e propostas. O grupo, formado por cerca de 20 alunos do 8º e 9º anos, se reúne quinzenalmente na escola.
“Discutimos o que precisamos para ter uma escola melhor, por exemplo. Eu os provoco para que achem soluções e eles também sugerem maneiras de realizar o que querem. Encaminhamos algumas propostas a políticos, outras à direção, e muitas delas os alunos percebem que eles mesmos podem fazer!”.
Pensar a Escola
Segundo Liliana, a falta de capacidade de concentração e a indisciplina dos alunos são os maiores problemas do professor em sala de aula. “Estamos vivendo um momento em que precisamos repensar a forma de nos relacionarmos com os alunos, que são muito diferentes daqueles da escola tradicional, em que o professor mandava e eles obedeciam. Tentar fazer isso, hoje, é um fracasso”, relata a professora, que acredita não conviver com tantos problemas disciplinares em sala por ser flexível e ter um estilo mais próximo ao diálogo e à negociação.
“Tenho participado de discussões sobre uma educação mais dialogada, construída junto em vez de imposta de cima pra baixo. É uma tendência. Não dá mais para termos uma escola que não dialoga. Os alunos se empoderaram, perceberam a força que têm, e teremos que fazer diferente”.
Para a professora, a escola precisa pensar sobre que pessoas está formando, quem está saindo de lá, e apoiar os alunos na construção pessoal como cidadãos. “É necessário construir um currículo que ofereça uma estrutura técnica e teórica, mas também pensando nessa perspectiva de ‘que mundo a gente quer?’”, defende.
“Quero fazer deste planeta um lugar melhor. Acordo de manhã para mudar o mundo. Dizem que sou utópica, que vou enxugar gelo, mas não tem problema. Se eu não enxugar esse gelo, não faz sentido viver”.
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