ACESSIBILIDADE
Acessibilidade: Aumentar Fonte
Acessibilidade: Tamanho Padrão de Fonte
Acessibilidade: Diminuir Fonte
Youtube
Facebook
Instagram
Twitter
Ícone do Tik Tok

O legado indígena na cidade e no povo carioca
11 Agosto 2014 | Por Márcia Pimentel
Compartilhar pelo Facebook Compartilhar pelo Twitter Compartilhar pelo Whatsapp

Pipoca, abacaxi, canjica, caju, capim, cupim, aipim, perereca, jacaré, siri, cafuné... São incontáveis as palavras de origem indígena que, incorporadas à língua portuguesa, fazem parte do nosso vocabulário cotidiano. Também herdamos hábitos alimentares como comer frutas e derivados da mandioca, o costume de descansar na rede, o uso de plantas medicinais como o boldo, a copaíba, a catuaba e mais uma infinidade de outras ervas, sementes e raízes, cujas propriedades despertam cada vez mais os interesses científicos e comerciais.

INDIGENAS-FARINHAA farinha de mandioca, por exemplo, é um alimento que acompanhou a formação do povo brasileiro. Embora seu preparo fosse considerado algo muito perigoso, por causa das etapas de extração do caldo venenoso da raiz, logo foi incorporado pelos colonizadores, pois ela era a “farinha de guerra”, que os acompanhava nas expedições para o interior. Nessas incursões, plantavam mandioca ao longo do caminho, para que, no retorno, tivessem alimentação garantida.

Vários bairros cariocas – como Guaratiba, Sepetiba, Inhoaíba e muitos outros – também foram batizados com nomes que exibem as marcas deixadas pelos primeiros habitantes da nossa terra. O termo “carioca”, aliás, que identifica quem nasceu no Rio, também revela o vínculo profundo das raízes tupis com a cidade, embora exista certa controvérsia sobre a origem exata da palavra. A versão mais difundida é a de que o vocábulo “carioca” é uma fusão de kara’iwa (ou simplesmente kari: caraíba, homem branco) com oka (casa). Mas há quem defenda que, na verdade, a junção correta seria de akari (peixe cascudo associado aos portugueses, por causa das armaduras usadas) com oka. Há, ainda, quem afirme que o termo seria um simples aportuguesamento de karióc, nome da aldeia tamoio assentada no sopé do morro do Outeiro da Glória, na época do descobrimento.

Os que defendem que carioca significa “casa de homem branco” se apoiam no processo histórico de fundação da cidade. É que, quando Estácio de Sá derrotou os franceses, em 1567, as terras no entorno da Baía de Guanabara foram divididas assim: a banda ocidental ficou com portugueses, que ergueram a cidade do Rio de Janeiro, enquanto a parte oriental ficou com os índios chefiados por Arariboia, os temiminós, fundamentais na vitória lusitana sobre as forças francesas. É, portanto, provável que os indígenas tenham designado de “carioca” a área que ficou com os portugueses. Da mesma forma, é bastante plausível pensar que todas as versões sobre a origem da palavra sejam válidas e que, na verdade, vários fatos históricos conspiraram para o uso do termo “carioca” para designar os habitantes do Rio.

Os índios e a história da cidade

Quando os europeus chegaram ao Rio de Janeiro, no início do século XVI, o litoral era habitado pelos tamoios, indígenas da nação tupinambá, que estavam em guerra com os índios do Gato – provavelmente de origem tupiniquim, segundo os pesquisadores –, que ocupavam a Ilha de Paranapuã, hoje do Governador. Os índios do Gato viviam uma situação de derrota iminente, cercados de inimigos por todos os lados, quando o líder Maracajaguaçu (Gato Grande) pediu ajuda aos portugueses para serem levados para o sul do Espírito Santo, em suas caravelas. Estava estabelecida a estreita e duradoura aliança entre os lusos e eles – que, a partir de então, passaram a ser chamados de temiminós pelos documentos portugueses.

Franceses-FumadorDeTabacoAnos após o episódio, os franceses, quando ocuparam a Baía de Guanabara, conquistaram o apoio dos tamoios. Ao ser designado para retomar a região, Estácio de Sá passou antes pelo Espírito Santo para trazer consigo os temiminós, que engrossaram as fileiras do exército lusitano para combater os ferrenhos inimigos tamoios e seus novos aliados, os franceses. Agora liderados por Arariboia, os antigos índios do Gato não só venceram a guerra, mas integraram-se à administração portuguesa, na condição de aliados.

Se, de um lado, os temiminós acataram a autoridade lusa e aceitaram ser aldeados e catequizados pelos padres católicos – para isso foi fundada a Aldeia de São Lourenço, nas bandas da atual Niterói –, de outro, ganharam importância estratégica na defesa da Baía de Guanabara. Prestigiar, enobrecer e valorizar as lideranças indígenas aliadas fazia parte da política colonial portuguesa, que batizou Arariboia com o nome de Martim Afonso de Souza, mesma alcunha do nobre que fundou a cidade de São Vicente, pai do primeiro governador-geral do Brasil, Tomé de Souza. O líder indígena também foi agraciado com o Hábito de Cavaleiro da Ordem de Cristo, o posto de capitão-mor da Aldeia de São Lourenço e uma pensão de 12 mil réis.


Os aldeamentos começaram, assim, a ser vistos por muitos índios como uma nova possibilidade de sobrevivência na colônia, até porque eles tinham a garantia da posse coletiva das terras da aldeia. Além disso, por três séculos, a guerra vencida contra os tamoios e franceses
e a aceitação do aldeamento se constituíram num “verdadeiro passaporte” para os descendentes temiminós, que sempre rememoravam o INDIGENAS-IGREJA-SÃO-LOURENÇOfeito histórico quando precisavam recorrer ao rei para garantir algumas demandas dos aldeados. Em 1650, por exemplo, um descendente de Arariboia viajou até Lisboa para encaminhar dois requerimentos ao rei e foi atendido nas duas petições. No século seguinte, o fato se repetiu, quando Manoel de Jesus e Souza, capitão-mor de São Lourenço, destacou a relevância dos serviços prestados por sua etnia à coroa. Os líderes dos temiminós, aliás, também tinham alguns armazéns na Rua Direita (atual Primeiro de Março), a principal artéria comercial do Rio colonial.

Segundo Maria Regina Celestina de Almeida, professora de História da Universidade Federal Fluminense (UFF), os descendentes de Arariboia construíram, no Rio de Janeiro, uma verdadeira “dinastia”. Tinham, contudo, uma situação jurídica específica. A condição de índio aldeado era a de subalterno dos colonizadores, podendo, inclusive, ser obrigado ao trabalho compulsório, embora suas lideranças tivessem direito a títulos, cargos, pensões e prestígio social.

A historiadora também explica que não há como medir as permanências culturais no interior da aldeia, porque, além da catequese, havia convivência com índios de outras etnias e com colonizadores. “As aldeias indígenas coloniais eram espaços de interação de grupos sociais e étnicos diversos, nos quais os índios aprendiam novas práticas culturais e políticas. Essa realidade levou-os a reelaborarem ou reinventarem novas identidades étnicas”, diz ela.

O fim da aldeia

indigenas-marques-de-pombalCom a ascensão do pensamento liberal na Europa e o crescimento da ideia de que a terra era uma mercadoria, a política colonial de aldeamento de indígenas começou a sofrer pressão por mudanças. A diretriz de “nacionalização” e “cidadanização” dos índios, ou seja, de sua transformação em “brasileiros”, ganhou força com a nomeação, em 1750, do marquês de Pombal como ministro de Assuntos Exteriores de Portugal, e virou uma questão central da política indigenista do período imperial brasileiro. Até porque, em tempos em que embates internacionais sobre limites e fronteiras estavam em pauta, a “nacionalização” dos indígenas dava ao Império condições mais sólidas para requerer os territórios fronteiriços, já que grande parte deles encontrava-se sob o controle dos povos indígenas.

No Rio de Janeiro, a maioria dos conflitos que envolviam os índios era relacionada à disputa de terra entre aldeados e outros moradores. Isso começou a se tornar comum com as leis editadas pelo marquês de Pombal – que incentivavam a miscigenação e a presença de colonos no interior das aldeias – e se acelerou com a política imperial. Em 1866, a Aldeia de São Lourenço foi, finalmente, extinta pelo governo imperial. Suas terras coletivas foram loteadas e os índios, declarados inexistentes porque já estavam “civilizados”.

 
Compartilhar pelo Facebook Compartilhar pelo Twitter Compartilhar pelo Whatsapp
MAIS DA SÉRIE
texto
Os indígenas e a construção do Rio de Janeiro

Os indígenas e a construção do Rio de Janeiro

22/10/2018

O carioca deve boa parcela de sua identidade aos Tupinambá e Temiminó.

Rio Multicultural - reportagens

texto
A presença polonesa no Rio de Janeiro

A presença polonesa no Rio de Janeiro

21/01/2015

Em um passeio pela Cidade Maravilhosa, é possível notar a presença e as marcas do país de Nicolau Copérnico, Frédéric Chopin e do Papa João Paulo II.

Rio Multicultural - reportagens

texto
Chineses no Rio de Janeiro

Chineses no Rio de Janeiro

05/08/2014

A comunidade, presente na cidade desde a vinda da família real portuguesa, tem, hoje, mais de 10 mil imigrantes, que enriquecem a vida carioca com sua cultura milenar.

Rio Multicultural - reportagens

texto
A farta cultura árabe em terras cariocas

A farta cultura árabe em terras cariocas

22/07/2014

Comércio, indústria, construção civil, medicina e política são apenas algumas das áreas em que os sírio-libaneses têm deixado sua marca na vida da cidade.

Rio Multicultural - reportagens

texto
Africanos fazem parte da alma carioca

Africanos fazem parte da alma carioca

07/07/2014

O número de negros – escravos e livres – no Rio de Janeiro do século XIX era o maior entre as cidades das Américas. 

Rio Multicultural - reportagens

texto
Arigatô, Nippon!

Arigatô, Nippon!

24/06/2014

A cultura japonesa integra o dia a dia do cenário carioca, seja na arte, na gastronomia ou nos festejos da cidade.

Rio Multicultural - reportagens

texto
Britânicos hábitos cariocas

Britânicos hábitos cariocas

16/06/2014

Alguns pesquisadores afirmam que a primeira partida de futebol, no Brasil, foi promovida por um escocês que trabalhava em Bangu. Na verdade, os britânicos influenciaram uma série de costumes do Rio do Janeiro.

Rio Multicultural - reportagens

texto
Presença alemã nas esquinas e nos sabores do Rio

Presença alemã nas esquinas e nos sabores do Rio

10/06/2014

Agora é a Copa do Mundo que traz os alemães ao Brasil, mas essa viagem cruzando o oceano é de outros carnavais...

Rio Multicultural - reportagens

texto
Judeus no Rio de Janeiro, uma experiência plural

Judeus no Rio de Janeiro, uma experiência plural

27/05/2014

Com personalidades de destaque nos mais diversos ramos de atuação, imigrantes e seus descendentes vêm influenciando a vida carioca, do comércio à cultura, há gerações. 

Rio Multicultural - reportagens

texto
Espanhóis no Brasil: o início da luta por uma jornada de trabalho mais humana

Espanhóis no Brasil: o início da luta por uma jornada de trabalho mais humana

06/05/2014

Os "braceros", como eram chamados, foram responsáveis pelo início da organização da massa trabalhadora na cidade do Rio de Janeiro, na virada do século XIX para o XX. 

Rio Multicultural - reportagens

texto
Os imigrantes italianos e a Cidade Maravilhosa

Os imigrantes italianos e a Cidade Maravilhosa

15/04/2014

Segundo estudos, mesmo antes da segunda metade do século XIX já havia italianos no Rio de Janeiro, a serviço da corte portuguesa.

Rio Multicultural - reportagens

texto
França-Rio de Janeiro: uma ligação antiga

França-Rio de Janeiro: uma ligação antiga

01/04/2014

No início eram corsários; depois, vieram os artistas; por fim, profissionais especializados, com seus produtos chiques, ao gosto da elite brasileira. Resultado? O charme francês ainda vive entre nós.

Rio Multicultural - reportagens

texto
Rio, uma cidade portuguesa com certeza

Rio, uma cidade portuguesa com certeza

17/03/2014

Aqui, começa a série Rio Multicultural sobre os diversos povos que originaram o carioca do século XXI. Africanos, indígenas e imigrantes contribuíram para a identidade cultural da cidade, mas os portugueses têm papel privilegiado, pois, após o Grito da Independência, nenhum outro fluxo migratório para a cidade foi tão intenso quanto o deles.

Rio Multicultural - reportagens

texto
Hospedaria da Ilha das Flores: porta de entrada virou museu de imigrantes

Hospedaria da Ilha das Flores: porta de entrada virou museu de imigrantes

26/12/2013

O Rio de Janeiro é uma cidade multicultural. Na matéria inaugural da série sobre os imigrantes que deram origem à população carioca, conheça a primeira parada, na Ilha das Flores.

Rio Multicultural - reportagens