Em função do passado pré-colombiano, escravista e colonial, o Brasil é tido como um país de matrizes culturais indígenas, africanas e ibéricas. Mas, no caso do Rio de Janeiro, pelo menos as matrizes ibéricas devem ser multiplicadas em relação ao restante do país, pois, além de ter sido sede do império lusitano durante 12 anos, entre 1808 e 1820, é a cidade brasileira que recebeu o maior fluxo de imigrantes portugueses após o Grito da Independência.
Embora esse fluxo – bastante intenso até a década de 1930 – tenha sido marcado por momentos de forte sentimento antilusitano, é consenso entre os historiadores que o Rio é a cidade mais portuguesa do país. Os milhares de “seus Manuéis e Joaquins”, com suas quitandas, padarias, armazéns e botequins espalhados pelos mais diversos bairros, viraram característica e referência da capital carioca. Isso sem falar das inúmeras personalidades de origem portuguesa que marcaram a vida cultural do Rio e das instituições da cidade fundadas por lusos, ou com grande participação deles, como é o caso da Biblioteca Nacional, do Jardim Botânico, do Real Gabinete Português de Leitura, do Teatro Ginástico, do Clube Vasco da Gama...
Sonhos do além-mar
Durante o período dos grandes fluxos imigratórios para o Brasil (de 1850 a 1930), o Rio sempre recebeu um grande contingente de estrangeiros. Segundo o censo de 1890, 35% da população do então Distrito Federal era estrangeira, sendo 68% de portugueses. Isso significa que cerca de 25% dos habitantes da capital federal, nessa época, eram lusos. Na virada para o século XX, a chegada desses imigrantes se intensificou ainda mais. Essa presença maciça confere a eles papel privilegiado na constituição da cidade pós-colonial: podemos dizer que eles estão para o Rio assim como os italianos para São Paulo.
Mas, ao contrário dos italianos, os portugueses não eram imigrantes subsidiados pelo governo federal. A maioria, formada por homens jovens, oriundos do norte de Portugal, acalentava sonhos de ascensão social. Vinham para cá sem família, para fazer seu pé-de-meia e voltar, enriquecidos, à terra natal – fato que, na maioria das vezes, não se concretizava, porque acabavam constituindo família e outros laços por aqui. Para sobreviverem, se estabelecerem e vencerem na cidade, eles fundaram associações culturais, beneficentes e de auxílio mútuo – e até mesmo casas bancárias, para financiar seus projetos e negócios.
Vários autores apontam que uma das características mais marcantes da imigração lusa foi a grande quantidade de jovens caixeiros, entre 14 e 20 anos, que aportaram no Rio de Janeiro em busca do sonho de enriquecer. Grande parte deles se dedicou às atividades comerciais. Outra parte bastante significativa disputava os espaços no mercado de trabalho com os brasileiros natos e os escravos libertos e de ganho, gerando insatisfação entre os naturais da cidade.
Lusos versus brasileiros
A concorrência na disputa por trabalho aprofundou o sentimento antilusitano, os preconceitos e as rixas que tinham se acirrado com o processo de independência, quando “ser brasileiro” se transformou em uma construção política relacionada à liberdade e que se opunha fortemente a “ser português”. Um dos momentos culminantes desse antilusitanismo aconteceu em 1831, quando violentos confrontos entre portugueses e brasileiros, conhecidos como Noites das Garrafadas, tomaram as ruas do centro da cidade do Rio, aprofundando a crise política instaurada no governo de dom Pedro I, que acabou abdicando do trono cerca de um mês depois. Mesmo assim, o sentimento antilusitano atravessou o século.
Nos primórdios da República, o sentimento contra os portugueses se acirrou ainda mais, ao ponto de o Brasil cortar as relações diplomáticas com Portugal. A substituição do marechal Deodoro por Floriano Peixoto na Presidência da República gerou insatisfações e contestações, o que resultou em inúmeros movimentos antiflorianistas, sendo a Revolta da Armada, liderada pelo contra-almirante Custódio de Mello, o mais importante deles. Os rumores de que os marinheiros rebelados contavam com o apoio pecuniário da colônia portuguesa no Rio e o posterior asilo dado por um navio português, ancorado na Baía de Guanabara, aos rebeldes culminaram no corte das relações do Brasil com Portugal, entre 1893 e 94.
Mas mergulhar na herança portuguesa no Rio significa, sobretudo, adentrar na história dos negócios, principalmente no comércio, da cidade pós-colonial. Os lusos se fizeram presentes não só no pequeno comércio varejista, que acompanhou o crescimento da malha urbana, mas também estiveram fortemente vinculados ao comércio atacadista e de produtos de luxo, inclusive o da moda. É o caso da luxuosa e majestosa loja de departamentos Parc Royal, referência da elegância durante toda a belle époque.
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