A Avenida Rio Branco, principal via a cortar o centro da cidade do Rio de Janeiro no sentido norte-sul, chegou à segunda década do século XXI, iniciando uma nova etapa de sua centenária existência. Com a instalação do VLT e a transformação radical do paisagismo e do uso de sua pista, deixou para trás o paradigma instituído há mais de seis décadas: o de estar a serviço do pesado tráfego de automóveis.
Inaugurada em 15 de novembro de 1905 com o nome de Avenida Central e com o desígnio de ser o principal cartão-postal do Brasil, foi a primeira via da cidade a receber, oficialmente, a luz elétrica. Como eixo central do projeto urbanístico do então prefeito Pereira Passos, nasceu com a missão de apagar o passado colonial e iluminar o destino da jovem República instaurada no país. O que se almejava com as reformas urbanas e a construção da nova avenida era a criação de uma atmosfera cosmopolita para a cidade e uma associação simbólica com Paris – na época, a capital mundial da ciência, da técnica, da modernidade e do progresso.
Para garantir o nexo com a cidade francesa, a prefeitura abriu um concurso de fachadas que contemplou a avenida com 30 prédios em estilo art nouveau, finamente decorados, no dia de sua inauguração. Cinco anos depois, esse número já havia praticamente triplicado.
Em 1910, eram 86 edificações, a maioria constituída por lojas de artigos finos importados, que acabaram criando um novo hábito entre as camadas médias e mais abastadas da população: o de fazer o footing (passear a pé) para se inteirar da moda dernier bateau (chegada no último navio), exposta nas vitrines da grande passarela da moda que se tornara a jovem avenida.
Projetada pelo engenheiro Paulo de Frontin à imagem dos boulevards franceses, mudou de nome em 1912 para homenagear o diplomata responsável pelos tratados internacionais que garantiram o atual contorno das fronteiras brasileiras: o Barão do Rio Branco, morto em fevereiro daquele ano. Dos anos de existência como Avenida Central, poucos resquícios sobraram. Dos prédios, só restaram 10, entre eles o da Biblioteca Nacional e os do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), do Banco Central e do Museu Nacional de Belas Artes.
Mas os primeiros traços a desaparecerem da via original foram os canteiros enfeitados com luminárias art nouveau, que dividiam o boulevard em duas mãos. Foram retirados para cederem mais uma pista ao tráfego de veículos. Aliás, a Rio Branco foi a primeira via da cidade a receber semáforos. Isso ocorreu em 1928, quando o tráfego de veículos já começava a ficar intenso.
Transformações e demolições
A construção da Avenida Central, iniciada em 7 de setembro de 1904, foi precedida pelo episódio conhecido como bota-abaixo. Segundo dados de Memória da destruição, publicação da Secretaria Municipal de Cultura, a prefeitura da então capital federal desapropriou terrenos e demoliu cerca de 1.700 imóveis para a abertura de novas vias, a exemplo da Beira-Mar, e o alargamento de outras, como as da Carioca e Uruguaiana.
Para abrir o traçado da Avenida Central e formar os novos terrenos de construção – bem mais largos que os da cidade colonial –, foram abaixo diversos trechos de ruas pré-existentes, como a da Alfândega, do Rosário, Visconde de Inhaúma e outras mais. Algumas foram mais atingidas. A de São Bento, por exemplo, teve quase todo o seu casario demolido e sua extensão reduzida (antes ela ia até onde hoje fica a Rua Acre). Mas a que mais sofreu com o bota-abaixo foi a da Ajuda, que contornava a encosta do Morro do Castelo, entre a Praça da Cinelândia e a Avenida Nilo Peçanha, tendo restado dela apenas um minúsculo trecho – a viela onde se localiza, na esquina com a Rio Branco, o Teatro Glauce Rocha.
Outra via que ficou desfigurada foi a dos Ourives. Ela começava na Rua São José, ia em diagonal até a Ouvidor e seguia em direção à Visconde de Inhaúma. Para abrir o leito da Av. Central, foi dividida em dois pedaços. O menor (entre a São José e a Sete de Setembro, onde fica a Igreja de Nossa Senhora do Parto) virou Rua Rodrigo Silva. O maior, entre a Ouvidor e a Visconde de Inhaúma, permaneceu com o mesmo nome, até 1936, quando passou a ser chamada de Miguel Couto.
Parte do Morro do Castelo também foi abaixo, abrindo espaço para a construção da pista da avenida e dos prédios do Supremo Tribunal Federal (hoje Centro Cultural da Justiça Federal), da Biblioteca Nacional e do Museu Nacional de Belas Artes. O material do desmonte da colina foi utilizado no aterro que deu origem à Avenida Beira-Mar.
Conexão-Paris
O nexo simbólico entre a França e a jovem República brasileira ganhou um capítulo especial em outubro de 1911, quando Edmond Planchut, mecânico francês que havia trabalhado com Santos Dumont em Paris, decolou da Avenida Central com um avião monomotor, a fim de abocanhar o prêmio de dez contos de réis instituído pelo jornal A Noite a quem conseguisse fazer a travessia aérea entre o Rio e Niterói.
Três meses depois, Roland Garros – o mesmo que dá nome ao torneio de tênis – sobrevoou a avenida de ponta a ponta, por entre seus edifícios, em uma demonstração promovida pelo Jornal do Brasil e pela Revista da Semana. Foi ele quem fez as primeiras fotos aéreas da cidade.
Era Vargas e JK
Com a ascensão de Getúlio Vargas ao poder, novas conexões simbólicas passaram a se impor. Os prédios afrancesados em estilo art nouveau da República Velha já não traduziam mais o senso de modernidade pretendido pelo novo governo. Entram em cena os modernistas, que viam na Rio Branco um modelo retrógrado do ponto de vista estético e dos negócios.
Com a inauguração, em 1944, da Avenida Presidente Vargas – eixo monumental de escoamento do trânsito no centro da cidade, no sentido leste-oeste –, a Rio Branco perdeu dois quarteirões e consolidou a segmentação de seus trechos. Nas proximidades da Praça Mauá, concentraram-se as empresas vinculadas aos negócios portuários. Na outra ponta, entre a Cinelândia e a Almirante Barroso, as atividades recreativas e culturais. E no miolo, os escritórios de serviços.
Em 1954, no fim do período Vargas, a Rio Branco já havia substituído cerca de 20 prédios, sem contabilizar aqueles que ficavam nos dois quarteirões demolidos. Entre os que foram abaixo, o pomposo Hotel Palace, construído pela família Guinle. Em seu lugar, foi erguido, em estilo modernista e com 36 andares, o Edifício Marquês do Herval, apelidado de “Tomara-Que-Caia” pelos insatisfeitos.
Da série Esse Lugar Tem História
A inflação alta e a consequente supervalorização do solo urbano, na segunda metade da década de 1950, aceleraram o processo de renovação dos edifícios da Rio Branco. E em nome da modernidade, os anos 1960 foram iniciados com a derrubada de marcos importantes, como o Hotel Avenida. Junto com ele, foi-se a Galeria Cruzeiro, que ficava em seu andar térreo e tinha uma estação de bonde super movimentada, que havia virado um ícone do carnaval carioca por ser o maior ponto de chegada dos foliões vindos da Zona Sul .
No terreno em que ficava o Hotel Avenida foi erguido o Edifício Avenida Central. O fim da Galeria Cruzeiro também marcou o desaparecimento das linhas de bonde da Rio Branco, dando início a uma nova era: a da supremacia do automóvel e do crescimento do número de bancos. A avenida transformava´se em território do capital financeiro e em lugar que se frequentava para trabalhar, ou resolver questões burocráticas.
Anos de chumbo
Paradoxalmente, durante a ditadura, a Rio Branco se consolidou como palco das grandes manifestações políticas da cidade. Foi cenário de dois icônicos acontecimentos: um deles ocorreu em 1964 - a Marcha da Família com Deus pela Liberdade, em apoio aos militares – e o outro em 1968 – a Passeata dos 100 mil, encabeçada por estudantes, artistas e trabalhadores, que pediam o fim do autoritarismo. No início da década de 1980, voltou a abrigar novos grandes protestos, com milhares de pessoas reivindicando eleições diretas.
Durante o período autoritário, a demolição dos antigos prédios da Rio Branco se acelerou. Provavelmente, a derrubada mais polêmica ocorreu em 1974: a do Palácio Monroe, estrutura metálica que, em 1904, havia abrigado o Pavilhão Brasil na Exposição Mundial de Saint Louis, nos EUA, e que, em seu retorno ao Rio de Janeiro, cumpriu várias missões, entre elas a de sediar a Câmara Federal e o Senado.
Novos paradigmas
Aproximadamente 35% do que vemos hoje na Rio Branco são construções e transformações ocorridas 1960 e 2000. Porém, a última década do século XX começou a rever os paradigmas modernistas, que haviam recriado as feições da velha Avenida Central.
Em 1990 e em 1992, foram inaugurados, respectivamente, os edifícios pós-modernistas Rio Branco 1 e Manhattan Tower, que buscam aliar o novo com as composições formais antigas. Embora os pós-modernos – que criticam a austeridade estética e a relação dos modernistas com a história – enfrentem resistência no Brasil, em função do peso da escola moderna em nosso país, a Rio Branco parece ter mesmo entrado em uma nova era.
Ainda em 1990, o projeto Rio-Cidade tentou trazer identidade à avenida e reumanizá-la, valorizando a acessibilidade e a renovação de seus equipamentos intensamente desgastados pelos reflexos do trânsito pesado e caótico dos ônibus, táxis e automóveis. E hoje, as transformações promovidas com a implantação do VLT deixam claro que os tempos de soberania absoluta dos veículos ficaram para trás na história da Avenida Rio Branco.
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