Política e poesia se misturam – e se complementam – na história de António Agostinho Neto, líder africano nascido em 17 de setembro de 1922.
Engajado na luta pela libertação do povo de seu país, então colônia de Portugal, Agostinho Neto tornou-se o primeiro presidente de Angola, em 1975.
Por sua produção literária, marcada por um tom de resistência e pela afirmação da identidade africana, é conhecido como “poeta maior”.
Em homenagem a ele, na data de seu nascimento é comemorado o Dia do Herói Nacional em Angola.
No Rio, no bairro do Humaitá, uma escola também o reverencia: o Ciep Presidente Agostinho Neto (2ª CRE).
A vida de Agostinho Neto
Filho de uma professora primária e um pastor de igreja protestante, Agostinho Neto nasceu no município de Icolo e Bengo, na província de Luanda, em Angola. Frequentou a escola primária e concluiu os estudos secundários, em um período no qual a política colonial limitava o acesso à educação aos nativos, principalmente nas zonas rurais.
Deixou Angola com destino a Portugal para estudar Medicina em Coimbra, transferindo-se, depois, para a Faculdade de Medicina de Lisboa. Nessa época, participava ativamente de atividades sociais, políticas e culturais no país, tendo frequentado, por exemplo, a Casa dos Estudantes do Império (CEI), criada em 1944, durante a ditadura salazarista em Portugal (1933-1974), com o objetivo de apoiar e controlar estudantes das colônias.
No local, no entanto, despertou-se nos jovens uma consciência crítica sobre a ditadura e o regime colonial, além da vontade de conhecer e valorizar as culturas dos povos colonizados. Nesse contexto, em 1950, Agostinho Neto, Amilcar Cabral, Mário Pinto de Andrade, Marcelino dos Santos e Francisco José Tenreiro fundaram, clandestinamente, o Centro de Estudos Africanos, orientado para a afirmação da nacionalidade africana.
O Centro acabou sendo fechado por autoridades policiais um ano depois, na mesma época em que Agostinho Neto participou da fundação do Club Marítimo Africano, canal de comunicação entre os patriotas angolanos que se encontravam em Portugal e os que, em Angola, preparavam os alicerces do movimento de libertação.
A mudança na orientação ideológica dos estudantes fez com que a CEI também fosse encerrada em 1965, pela Polícia Internacional e de Defesa do Estado (Pide), a polícia política portuguesa.
Libertação e independência de Angola
Nas décadas de 1950 e 1960, Agostinho Neto foi preso, por razões políticas, em várias ocasiões. Em sua defesa, manifestaram-se intelectuais como Simone de Beauvoir e Jean-Paul Sartre, além de historiadores e artistas, que pediam por sua libertação.
Em 1958, formou-se em medicina pela Universidade de Lisboa, no mesmo dia em que se casou com Maria Eugénia Neto, com quem teve dois filhos, Mário Jorge e Irene Alexandra. No mesmo ano, participou da fundação do Movimento Anti-colonialista (MAC), que reunia patriotas das colônias portuguesas – Angola, Guiné Bissau, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe e Moçambique – para uma ação revolucionária conjunta.
Em 1961, Agostinho Neto foi eleito presidente do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA, criado em 1956). No mesmo ano, teve início a guerra pela independência de Angola, que se estendeu até 1974, quando o regime português reconheceu o direito das colônias à independência e o MPLA assinou o cessar-fogo.
“O que queremos nós? Uma vida independente como Nação, uma existência em que as relações econômicas sejam justas entre os países e dentro do país, um reviver dos valores culturais ainda válidos para a nossa época.
O que nós desejamos é estabelecer uma sociedade nova, onde negros e brancos possam viver em conjunto. Naturalmente, e para não ser mal interpretado, devo acrescentar que o processo democrático deve exercer-se de tal modo que a massa popular mais explorada (a negra) tenha o controle do poder político porque ela é aquela que mais longe pode ir no estabelecimento de direitos apropriados para todos.
Luta do povo pelo poder político, pela independência econômica, pelo restabelecimento da vida cultural, pela desalienação, pelas relações com todos os povos, numa base de igualdade e de fraternidade, tais são os objetivos da nossa luta.”
Declaração de Agostinho Neto sobre os princípios políticos, culturais e estratégicos do MPLA, durante conferência proferida na Universidade de Dar-es-Salaam, na Tanzânia, em 7 de fevereiro de 1974 (Fonte: O pensamento estratégico de Agostinho Neto, de Iko Carreira).
Conflitos internos entre movimentos nacionalistas angolanos ainda aconteceram até que, em 11 de novembro de 1975, a independência fosse proclamada e Agostinho Neto assumisse como o primeiro presidente do país.
Agostinho Neto: “poeta maior”
O processo de libertação de Angola esteve presente, também, nas poesias de Agostinho Neto. Resistência, esperança e afirmação da identidade africana e da cultura angolana aparecem em sua obra literária.
Como exemplo, os versos de Adeus à hora da largada, do livro Sagrada Esperança:
"[...] Amanhã
entoaremos hinos à liberdade
quando comemorarmos
a data da abolição desta escravatura
Nós vamos em busca de luz
os teus filhos Mãe
(todas as mães negras cujos filhos partiram)
vão em busca de vida."
E dos poemas Voz do sangue...:
“[...] Ó negro de África
negros de todo o mundo
eu junto ao vosso canto
a minha pobre voz
os meus humildes ritmos
[...] Eu vos sinto
negros de todo o mundo
eu vivo a vossa Dor
meus irmãos.”
...E Com os olhos secos:
“[...] Com os olhos secos
contra este medo da nossa África
que herdámos dos massacres e mentiras
Nós voltamos África
estrelas de brilho irresistível
com a palavra escrita nos olhos secos
- LIBERDADE.”
Agostinho Neto, Herói Nacional
Para Agostinho Neto, a liberdade viria, também, por meio da educação, uma das principais bandeiras levantadas por ele. O combate ao analfabetismo, que atingia altos índices em Angola, foi prioridade em seu governo. Em 22 de novembro de 1976, declarou aberta a Campanha Nacional de Alfabetização, data que ficou marcada na história do país como o Dia Nacional do Educador.
“Vamos, assim, eliminar um dos elementos herdados do colonialismo, que é um fator de atraso para o nosso povo, que é o obscurantismo, a ignorância, a falta de conhecimentos literários. [...] O índice de cidadãos educados de um país indica o nível de desenvolvimento do mesmo. Quanto mais pessoas analfabetas, menos desenvolvimento”, disse Agostinho Neto, durante a abertura da campanha.
Líder, político, médico e poeta, foi, ainda, membro-fundador da União dos Escritores Angolanos (1975) e o primeiro reitor da Universidade de Angola, que, em 1979, passou a chamar-se Universidade Agostinho Neto.
Também presidiu a Assembleia Geral da União dos Escritores Angolanos até a data do seu falecimento, 10 de setembro de 1979.
Fontes:
Site da Fundação António Agostinho Neto
Site da Embaixada da Angola
Reportagem Casa dos Estudantes do Império: berço de líderes africanos em Lisboa, da DW África.
Educação em Angola - Antes, Durante e Depois da Independência, Balgido Quiage.
O contexto histórico-cultural da criação literária em Agostinho Neto: memória dos anos cinquenta, de Fernando Augusto Albuquerque Mourão. Centro de Estudos Africanos/USP.
http://www.fafich.ufmg.br/luarnaut/poesia.pdf
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