Luís dos Santos Vilhena vivia na cidade de Salvador, na capitania da Bahia de Todos os Santos, onde era professor de grego e de latim nas aulas régias. No primeiro ano do século XIX, revelou seu descontentamento e desconforto com a vida que levava ao afirmar: "Não é das menores desgraças o viver em colônias".
Vilhena não era o único a sentir-se assim. Os 3 milhões de indivíduos que habitavam os territórios pertencentes a Portugal na América pareciam já não temer tanto os perigos vindos do mar; mas, em sua grande maioria, mostravam-se profundamente descontentes com a situação em que viviam. E demonstravam isso utilizando em suas conversas determinadas palavras. Cada vez mais, em voz alta ou sob a forma de sussurros, falavam em "decadência", "pobre", "felicidade", "plebe", "restauração", "liberdade", "república"... Empregavam com frequência crescente uma palavra até então praticamente desconhecida: "colônia". E, por meio dela, deixavam perceber que estavam tomando consciência de que o desagrado, o desconforto e a insegurança que sentiam e viviam resultavam, em grande parte, da situação colonial a que estavam submetidos, isto é, do fato de "viver em colônias".
Tais sentimentos, porém, não eram expressados apenas por meio de palavras. Revoltas, protestos e distúrbios variados ocorriam nos mais diversos pontos do território delineado pelo Tratado de Madri, por onde se distribuíam de modo irregular brancos, negros, índios, pardos e mestiços de toda espécie... Revoltas, protestos e distúrbios contra os inúmeros monopólios, proibições, taxações, privilégios, que se tornavam insuportáveis à medida que o Reino português se mostrava cada vez mais decadente.
Tudo isso deixava preocupadas e atentas as autoridades encarregadas da manutenção da ordem. Uma delas – o vice-rei do Brasil, Marquês do Lavradio – alertava, no relatório para o seu sucessor, que os habitantes do Rio de Janeiro "se empregam muito na murmuração". Mas não deixava de acrescentar que adotara a prática de, aparentemente, "não fazer algum caso das murmurações dos povos", mas que, na realidade, "procurava sabê-las, sem que eles o percebessem, para examinar se eles tinham razão de se queixar".
O que o Marquês do Lavradio certamente também sabia é que aquelas murmurações estavam se transformando em conversas que pareciam não ter fim, sendo alimentadas pelas notícias que entravam pelas "portas" das cidades coloniais abertas para o mar. Notícias que davam conta das significativas mudanças que estavam ocorrendo em outras partes do mundo, como a Revolução Industrial inglesa, a Independência das Treze Colônias da América do Norte em 1776, a Revolução Francesa de 1789... Mas conversas também alimentadas pelos livros e folhetos que vinham do exterior, quase sempre ilegalmente, contendo as ideias de liberdade, igualdade, fraternidade... e felicidade. Livros e folhetos com as ideias de Rousseau, Mably, Turgot, Montesquieu, Voltaire e muitos outros filósofos eram lidos e discutidos pelos colonos, muitas vezes sob a orientação daqueles que haviam cursado uma universidade europeia. Mas também por uns poucos colonizados, como Luís Gonzaga das Virgens e Veiga, soldado do Regimento dos Granadeiros, na cidade de Salvador, que lia e escrevia muito, sempre que lhe restava tempo para tanto.
As ideias liberais – as "infames ideias francesas", como não se cansavam de repetir as autoridades portuguesas – serviam de orientação nos protestos e lutas contra os colonizadores. Se na Europa elas se apresentavam como crítica ao Estado absoluto e à política mercantilista, na colônia eram, antes de tudo, a crítica às relações coloniais.
Perseguidos pelas autoridades portuguesas, os adeptos das ideias liberais na colônia organizavam-se em sociedades secretas – as lojas maçônicas. Eram eles quase sempre os elementos mais representativos da sociedade de suas regiões: professores, funcionários, senhores de engenho, padres, comerciantes.
Todavia, embora fossem importantes elementos na oposição e luta contra a dominação da metrópole portuguesa, as ideias liberais encontravam grandes obstáculos à sua divulgação. A dispersão do povoamento, as deficiências dos meios de transporte e de comunicação, a ignorância e o analfabetismo de grande parte da população contribuíam para que o conhecimento do pensamento ilustrado europeu fosse privilégio de uma minoria.
Ao mesmo tempo, nem sempre era bem-vista uma ampla divulgação dessas ideias e princípios. Muitos colonos queriam se tornar livres da dominação dos colonizadores portugueses, mas não desejavam abrir mão da dominação que exerciam sobre os colonizados, em especial sobre seus escravos. A grande maioria dos colonos temia também a existência de uma sociedade na qual o princípio da igualdade fosse estendido aos homens livres e pobres – à "plebe", como diziam.
Nas últimas décadas do século XVIII, muitos colonos queriam ser livres e felizes. Eles acreditavam que a liberdade residia no rompimento do pacto colonial e a felicidade, na manutenção da escravidão. Seus sonhos eram muitas vezes partilhados pelos colonizados, que também queriam ser livres e felizes, embora de um modo diferente.
Conversando em voz baixa, por trás de portas cerradas, à luz de velas, em sociedades secretas, aqueles que haviam considerado uma das maiores desgraças o viver em colônias começavam a tecer os fios de uma conspiração.
Conversas que terminavam em juramentos. Conversas que os uniam e transformavam em conjurados.