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O jornal Diário de Notícias do dia 15/3/1975 noticiou mudanças no funcionamento da estrutura administrativa do estado em razão da fusão (Crédito: Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro)

A última grande alteração nos estatutos políticos do Rio de Janeiro ocorreu em 1975, quando foi estabelecido o território do atual estado do Rio de Janeiro, por meio da fusão, sem consulta popular, dos antigos estados da Guanabara e do Rio de Janeiro. O propósito de unir a cidade do Rio de Janeiro ao estado do Rio de Janeiro não era novidade, mas, por motivos diversos, sofria resistência. Líderes políticos que defendiam a ideia da fusão destacavam que a medida, por ser eminentemente técnica, favoreceria o desenvolvimento da região.

Um extenso debate sobre os destinos da cidade, iniciado na imprensa da época, alcançou o Congresso, dividindo opiniões de cariocas e fluminenses de diferentes partidos políticos. O que estava em jogo, acima da fusão, era, segundo a historiadora Marieta de Moraes Ferreira, “a autonomia do antigo Distrito Federal em relação ao governo federal e o consequente controle do poder local. Como se sabe, a autonomia foi obtida via a criação do estado da Guanabara”.

A proposta partiu do Poder Executivo, conduzido, naquela época, por um presidente militar: o general Ernesto Geisel (1907-1996). Segundo ele, a fusão “já estava nas minhas cogitações antes de assumir a presidência da República. Já era um assunto que se analisava e desde então foi acertado. (...) Estudou-se como se tinha de fazer e preparou-se a legislação. Reclamam de eu não ter feito um plebiscito. Ia ser dispendioso e eu não pretendia mudar minha opinião”.

A fusão do estado da Guanabara com o estado do Rio de Janeiro transformou-se em realidade durante a ditadura militar (1964-1985). Foi decretada na época do governo Geisel, em 12 de julho de 1974, sancionada pela Lei Complementar nº 20 e implantada a partir de 1º de março de 1975.

A partir daí, a Guanabara tornava-se um município do atual estado, sendo que a cidade do Rio de Janeiro passava a exercer a função de capital dessa nova unidade federada. Niterói, por sua vez, ao perder o status de capital de estado e sendo convertida em sede de um município, vivenciou um processo de esvaziamento, conforme registrou o Diário do Congresso Nacional.

Muitos eram os desgostosos que lamentavam a situação a que chegara a chamada Cidade Sorriso, como o então senador Nelson de Souza Carneiro (1910-1996), que proferiu discurso a respeito no Congresso Nacional, em 4 de junho 1975.

Segundo a historiadora Marly Motta, anulava-se a “singularidade da antiga Guanabara em prol de sua integração ao novo estado do Rio de Janeiro”. Isso nos faz refletir sobre os limites e as possibilidades de um projeto como a fusão. Motta prossegue: “cuja implementação teria que lidar com a identidade política de duas regiões forjada pela memória que cada uma delas construiu de seu próprio passado. De um lado, a cidade do Rio de Janeiro, capital do país por mais de cem anos, há 15 ocupando um lugar singular na federação, o de estado-capital, e lutando para conservar o seu tradicional papel de ‘caixa de ressonância’ de país; de outro, o antigo estado do Rio, a ‘Velha Província’, dividido entre a atração pela ‘cidade maravilhosa’ e o medo da suburbanização”.

Após 1º de março de 1975, quando a fusão foi implantada, recriar uma nova identidade para o Rio não foi tarefa das mais fáceis. Havia diferenças entre a cidade que fora capital do Império e da República – espaço que sintetizava até então a nação – e o restante do estado. Mesmo com a transferência da capital federal, acontecida em 21 de abril de 1960, a Guanabara ainda preservava a maior parte das funções de principal centro político do país, até que efetivos investimentos dotaram Brasília (capital de direito) das atribuições de uma capital de fato.

Um aspecto cultural era motivo de questionamento na época. Muitos se perguntavam se o carioca se entenderia como natural do estado do Rio de Janeiro ou de sua capital. Aliás, consta que a expressão carioca, referindo-se aos que nascem na cidade, começou a ser usada a partir da criação do Município Neutro, desmembrado da antiga província do Rio de Janeiro, em 1834. Anteriormente, eram chamados de fluminenses, do latim flumens, que significa rio. Hoje, o nome se aplica aos nascidos no estado do Rio de Janeiro e não na cidade.

Com a fusão, a antiga Guanabara perdeu sua arrecadação estadual, e os repasses federais foram remanejados para um novo e ampliado território, ainda não beneficiado pelos chamados royalties do petróleo, que viriam mais tarde.

O descontentamento de boa parte da população carioca da época, que não enxergava com bons olhos o fato de o Rio ter sido reduzido a um município, coincide com o desabafo de Francisco de Melo Franco, último secretário de Planejamento da Guanabara: “O Rio de Janeiro faz parte da história mundial. Como pode ser um município como outro qualquer?”.